O marrentinho da moda
Dono da marca Reserva e de uma língua afiada, Rony Meisler cultiva admiradores e desafetos na mesma proporção
Com apenas 1,69 metro (parece menos) e alguns quilos extras acumulados ao redor da cintura, Rony Meisler, 32 anos, está longe de ter um biotipo ameaçador. Mas a compleição mignon, permeada por uma eterna aura de deboche, esconde uma fera com irrefreável compulsão pelo confronto. Contrariado, o baixinho com careta de Didi Mocó aí da foto incorpora o espírito de um lutador de vale-tudo e parte para a briga. Só que, em vez de chutes frontais ou golpes de direita, usa outra arma: a língua viperina. Numa cidade onde todo mundo se diz amigo de todo mundo ? destilando veneno apenas pelas costas ?, a sua personalidade abertamente belicosa chama atenção. Em um curto intervalo, encarou embates públicos com dois dos nomes mais incensados do Rio, ícones da carioquice no Brasil e no exterior (embora sejam gaúchos). Irado por ter se sentido desprestigiado no restaurante da chef Roberta Sudbrack há alguns meses, detonou em sua página pessoal no Facebook o estabelecimento, que está entre os 100 melhores do mundo segundo a revista inglesa Restaurant. Há duas semanas, voltou a armar um barraco nas redes sociais, dessa vez envolvendo o todo-poderoso Oskar Metsavaht, dono da Osklen, a marca brasileira de maior prestígio no exterior, admirada por nomes como Madonna e Marc Jacobs. Um acusou o outro de plágio e Metsavaht o chamou de “marqueteiro de esquina”. Meisler não deixou por menos. Contra-atacou afirmando ironicamente que o rival foi sua “grandessíssima escola”. “Não levo desaforo para casa. Não há como ser autêntico e unânime ao mesmo tempo”, diz.
Bem menos conhecido que os alvos de seus ataques, o atrevido Meisler tornou-se um oponente temível graças ao prestígio que usufrui entre os cariocas descolados. Ele é dono da grife de roupas que mais cresce na cidade, a Reserva. Um negócio que começou há sete anos com uma lojinha em Ipanema e hoje se transformou em uma máquina de fazer roupas (bem caras, por sinal) e dinheiro. O faturamento previsto para 2013 é de 130 milhões de reais ? nada menos que 60% maior do que o do ano passado. Trata-se de um salto impressionante em um cenário econômico marcado pela desolação. Lojas mais antigas e poderosas andam patinando para se manter de pé. A etiqueta, cujo símbolo é a silhueta de um picapau, tem trinta pontos próprios no Rio, São Paulo, Brasília, Salvador e Belo Horizonte e quatro franquias. Também está presente em 1?307 multimarcas de quinze estados. É inquestionável que a marca foi forjada à imagem e semelhança do seu criador: jovem, despojada, irreverente e, claro, debochada. São comuns em suas coleções as camisetas com dizeres que desafiam o politicamente correto. Um modelo atualmente à venda exibe a frase “Trago de volta a mulher amada em 3 dias” junto à efígie de Benjamin Franklin, o founding father americano que estampa a nota de 100 dólares. Tal brincadeira poderia ser vista como preconceito sexista. Mas ele não dá a mínima para isso. “Não visto astronauta. Faço roupa de verdade para pessoas de verdade”, explica, lançando mais uma farpa ao rival Metsavaht, cujas criações iniciais tinham peças como casacos pesados de frio.
No Rio, ou no restante do planeta, a maioria das pessoas fica extremamente incomodada ao ser rotulada de marqueteira. Afinal, o adjetivo traz embutida a ideia de que, lá no fundo, o sucesso daquela figura é artificial e até mesmo não merecido. Pois Meisler tem orgulho de tal alcunha ? e sabe usar as armas dessa ciência como poucos. Muito da imagem arrojada que impulsiona sua marca vem justamente do barulho que provoca em ações nada convencionais. Em janeiro do ano passado, ele cancelou o desfile da São Paulo Fashion Week de inverno e lançou uma espécie de manifesto explicando que era um protesto contra a falta de criatividade do que se via na passarela. A coleção foi apresentada em fotos que retratavam bonecos vestindo suas roupas. No último Fashion Rio, colocou um caminhãovitrine na rua com casais trocando beijos calientes. Ele próprio não demonstra nenhuma vergonha em protagonizar situações constrangedoras. Já estrelou um vídeo postado no YouTube em que parodiava um travesti dentro de uma banheira e certa vez ficou de cueca durante uma convenção com vendedores da marca. Também é chegado em uma fantasia. Para motivar sua turma, já se vestiu de Steve Jobs e do personagem Leleco, da novela Avenida Brasil. O marketing para ele é tão importante que, na Reserva, a área emprega o mesmo número de profissionais que o departamento de estilo, onde as roupas são desenhadas ? cada setor conta com doze pessoas. “O Rony é um dos caras mais criativos que conheço, um empreendedor fora da curva”, elogia o apresentador Luciano Huck, dono de 10% da Reserva.
É fato que quem fala abertamente o que pensa se torna muitas vezes admirado pela franqueza e pela coragem. Mas o exagero costuma transformar a pessoa em uma mistura de falastrão e inconsequente. Meisler sabe disso, assim como não ignora que é visto como arrogante, seja no mundo da moda, seja fora dele. Da mesma forma que tem inúmeros fãs, também coleciona desafetos. O dono da Travessa, Rui Campos, é um deles. Há dois anos, o criador da Reserva estava na livraria do Leblon quando viu um funcionário com uma camisa falsificada de sua grife. O tempo fechou. Não bastasse a cena no meio da loja, ele foi ao Facebook, onde possui cerca de 4?500 amigos. Na rede, criticou não só o vendedor como a própria Travessa. “Ele não precisava atacar a empresa. É como se eu visse um empregado dele ouvindo música pirateada e culpasse a Reserva por isso”, reclama Rui. A chef Roberta Sudbrack não fala mais sobre o episódio em seu restaurante, mas na época não escondeu quanto a postura a desagradou em seus comentários no Twitter: “Se não conjuga o verbo tolerância (sic) não saia no dia 12/6!”, escreveu, em uma referência à data, o Dia dos Namorados. Há duas semanas, Meisler arrumou duas encrencas simultâneas ao declarar que existe no inconsciente coletivo a ideia de que para fazer roupa boa é preciso criar peças para donas de galeria de arte. A galerista America Cavaliere reclamou no Instagram e Oskar Metsavaht não só tomou partido da amiga como escreveu que Meisler havia copiado uma jaqueta da estilista Junya Watanabe. O revide veio com uma série de fotos publicadas nas quais Meisler sugeria que a Osklen havia plagiado grifes como Prada e Givenchy. Procurado por VEJA RIO, Metsavaht se manifestou por e-mail. “Sobre o bate-boca nas mídias sócias, foi um monólogo. Patético e antiético. Ele mesmo escreveu e respondeu para se aproveitar dos holofotes. Não tenho tempo para esse tipo de provocação. Estou focado na expansão internacional da Osklen com a Alpargatas e nos projetos como embaixador da Unesco”, redigiu, em seu humor característico.
Membro de uma família de classe média alta e de origem judaica, Meisler é casado há cinco anos com Anny, dona de uma loja de decoração. Ambos estudaram no Colégio Liessin, em Botafogo, um dos preferidos da comunidade no Rio. Depois, formou-se em engenharia de produção na PUC e, muito antes de enveredar pelo caminho da moda, trilhou uma bem-sucedida carreira na consultoria Accenture, onde era considerado um dos talentos mais promissores da casa. Quando disse que ia sair de lá para montar uma loja de roupas, em 2006, insistiram para que ele tirasse uma licença não remunerada. Achavam que ele voltaria em seis meses. Muito aberto para falar dos outros, da empresa e até de si próprio, Meisler só se fecha em copas sobre dois assuntos: sua fortuna pessoal e o filho, um menino de 1 ano (“Não gosto de expor a minha família”). No resto do tempo, adora desfiar frases feitas e bordões pescados de manuais de autoajuda e neurociência. Diz coisas como: “A Reserva tem o tamanho do meu sonho: é gigante”. Empolgado com o sucesso da grife que criou com o sócio Fernando Sigal (veja o quadro na pág. 43), ele aposta na diversificação dos negócios. Há duas semanas, inaugurou a primeira unidade da Eva, a versão feminina da Reserva, em Ipanema. A novidade junta-se a uma linha infantil, outra para bebês e uma terceira, de camisetas vendidas on-line, chamada Huck, em parceria com Luciano Huck. Recentemente abriu com o chef Thomas Troisgros a lanchonete T.T. Burger, no Arpoador, e planeja criar até um hotel com a marca Reserva. Garante que está negociando um terreno no Rio para o empreendimento. “Sou um cara que imagina as coisas e vai à luta”, define. Sob a chiadeira dos críticos ou os aplausos dos admiradores, o fato é que seus delírios têm funcionado.