Leblon em pé de guerra
Fragmentado pela atuação de diversas associações comunitárias, o sedutor bairro é palco de um conflito de interesses que inclui brigas, bullying e conchavos
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Ao ambientar seus enredos na região, o dramaturgo Manoel Carlos contribui para alçar o Leblon ao pedaço mais charmoso e cobiçado da cidade. Pois aquela área bem que poderia inspirar o autor a escrever uma trama repleta de intrigas, rixas, maledicências, disputas de poder e acusações de traição. Seus protagonistas seriam os líderes comunitários locais, que trocam denúncias e ataques pessoais a esmo. Apesar de concentrar 50?000 habitantes em pouco mais de 2 quilômetros quadrados, o bairro está fragmentado em pelo menos dez entidades representativas. A mais notória é a Associação de Moradores e Amigos do Leblon (AmaLeblon), comandada pela advogada Evelyn Rosenzweig. As outras, menores mas não menos ativas, defendem interesses mais restritos, como os do Alto Leblon, do conjunto de prédios Selva de Pedra e da Cruzada São Sebastião (veja o quadro). Isoladas em suas causas específicas, elas têm um traço em comum: não perdem a menor chance de torpedear a rival mais célebre.
Dona de estilo centralizador e inclemente na defesa de suas causas, Evelyn é odiada por seus pares menos estrelados. Seus maiores críticos chegam ao requinte de um joguete: quem pronuncia seu nome é obrigado a pagar 50 reais aos colegas. Para evitarem a punição, eles passaram a referir-se a ela com denominações pejorativas. “A Evelyn é chapa-branca. Ela se diz amiga do prefeito e do ex-governador. Não compra nenhuma briga que os incomode”, espeta Augusto Boisson, presidente da Associação dos Proprietários de Prédios do Leblon (APPL). Evelyn não se intimida. “Eu sei que eles me chamam de bruxa. Da mesma forma que para mim eles são o Anão de Jardim, o Cintura de Bambolê e o Maujardim”, diz a advogada. “Tenho mesmo um bom relacionamento com o governo, e é graças a ele que acumulo tantas conquistas para o bairro”, rebate. De fato, seu currículo como líder é parrudo: ela obteve melhorias na sinalização de trânsito, rampas para cadeirantes e até mesmo indenização para os comerciantes que sofrem com a obra do metrô.
No aprazível reduto de celebridades, a cizânia corre solta, e tudo é pretexto para bate-boca. Metrô? A maioria não queria, preocupada com o afluxo de multidões, e Evelyn defendeu a causa. Resultado: acabou acusada de trair os interesses dos moradores. Um prosaico espaço para cães na Praça Claudio Coutinho, atrás da Cobal, virou motivo de bafafá depois que a AmaLeblon conseguiu sua desativação pela prefeitura. O argumento era que vizinhos estavam incomodados com os latidos vindos do chamado parcão. “Na verdade a Evelyn fez isso por pura vingança. Ela saiu dizendo para os jornais que era a criadora do parcão. Quando eu a desmenti em público, resolveu acabar com o lazer dos cachorros”, atira Denise Corrêa, presidente da Associação para o Desenvolvimento da Selva de Pedra (Adespe). Há, entretanto, querelas que vão além do diz que diz. O presidente da Associação Comercial de Ipanema e Leblon (Aciple), Carlos Monjardim, ajuizou contra Evelyn diversas ações por difamação, danos morais e materiais ? ela acumula a presidência da Associação Comercial do Leblon (Acleblon) e da Comunidade Alto Leblon (CAL). A recíproca também vale, tanto que Evelyn já ganhou processos contra Monjardim.
O clima de guerra no bairro brotou de uma disputa por poder dentro da AmaLeblon em 2009. Insatisfeito com a gestão do então presidente João Fontes, um grupo de moradores ? entre eles Evelyn ? se articulou para apeá-lo do posto. Fontes reagiu e cooptou a advogada, nomeando-a como sua sucessora. Numa manobra de bastidores, a eleição foi anunciada nas páginas de um jornal pequeno que mal circula no bairro. Obviamente, ninguém viu a convocação, e ela ganhou a votação, realizada nas mesas de uma cafeteria. Indignados com o processo, vários moradores tentaram reverter o resultado na Justiça. Perderam. Deu-se então um racha de onde brotaram AnimaLeblon e AmoLeblon. Recentemente, uma nova controvérsia, ironicamente, acabou poupando a rival tão odiada. Os comandantes da APPL e da Adespe renunciaram ao seu cargo no Conselho Comunitário de Segurança, que discute diretrizes para a área com o governo do estado e com a prefeitura. O motivo: brigaram com a presidente da entidade, Maria José Berto. Segundo eles, ela agia sem consultá-los. É um sinal de que a novela se estenderá por muitos capítulos.