Coisa de Rico: livro sobre alta sociedade carioca relembra casos icônicos
Com 37 000 exemplares vendidos em dois meses, obra do antropólogo do luxo Michel Alcoforado desperta amor e ódio

No último domingo de setembro, o estilista baiano Guto Carvalhoneto apresentou o desfile anual de suas criações em seu ateliê em Botafogo. Um assunto, porém, dominou as conversas enquanto os modelos não entravam em cena: as regras do jogo da vida dos abonados, esmiuçadas no livro Coisa de Rico – A Vida dos Endinheirados Brasileiros, de Michel Alcoforado. “É diferente ver, por escrito, os códigos desse universo”, descreveu a figurinista Claudia Kopke, que assinou a indumentária do filme Ainda Estou Aqui, de Walter Salles. Patricia Mayer, sócia-diretora da franquia carioca da CASACOR, ouviu falar sobre a nova obra do antropólogo num evento e ficou curiosa. Comprou no dia seguinte e não vai dormir sem devorar algumas páginas. “Comentávamos sobre como o dinheiro mudou, não necessariamente de mãos, mas a forma de enriquecer se transformou. É mais difícil saber quem é rico hoje em dia”, avalia. “No início achei um pouco caricato, mas estou achando interessante e divertido, sobretudo os trechos em que o autor descreve o comportamento de consumo”, diz a empresária. Lançado em agosto pela Editora Todavia, o livro vem despertando sentimentos variados — interesse, indignação, surpresa e desdém. Já foram vendidos mais de 37 000 exemplares, entre impressos e e-books — na Amazon, está entre os mais baixados no formato Kindle e, de acordo com o Bookinfo, ocupa o terceiro lugar no pódio da categoria não ficção. A apresentadora Astrid Fontenelle, a atriz Regina Casé e Pedro Pacífico, o @bookster, criador de conteúdo sobre literatura, postaram a capa em suas redes sociais recentemente. O publicitário Nizan Guanaes também disse que a leitura é obrigatória, e o autor respondeu cheio de intimidade: “obrigado pela generosidade, Nizo!”. As 240 páginas relembram histórias cariocas clássicas, como a do casamento que não aconteceu entre a ricaça Patricia Leal e Eike Batista, o episódio da bola preta que a atriz Guilhermina Guinle recebeu ao se candidatar a um título do Country Club, e o surgimento da “emergente da nova era” Vera Loyola. Na alta sociedade, ninguém quer ler ou assumir que está lendo – “difícil, né?”, limita-se a comentar uma socialite que prefere não revelar o nome, enquanto outra, que figura na livro Sociedade Brasileira, de Helena Gondim e Lourdes Catão, comenta: “Não dá. Não estou achando nada bom.”

Nascido em Niterói, há 39 anos, Michel Alcoforado frequentou escola particular, cresceu tendo plano de saúde, casa de veraneio e viagem nas férias — os pais trabalharam em estatal. Adulto e já estudante de antropologia, decidiu encarar com lupa de pesquisador o universo do 1% da população que pode ser chamada de rica. Foram quinze anos estudando os abastados brasileiros, o que resultou na tese de doutorado defendida na University of British Columbia, no Canadá. Mesmo não sendo “um deles”, circulou em jantares exclusivos, viagens internacionais e rega-bofes com milionários e bilionários, observando como vivem, consomem e se relacionam. Para ser aceito em círculos restritos, adaptou o próprio jeito de se vestir, os hábitos e até o vocabulário. Fundador do grupo Consumoteca e apresentador do podcast É Tudo Culpa da Cultura, ele sintetiza o comportamento dos ricos em frases de efeito. Eis uma das principais: “‘Finja costume’ é uma ode à diferença e à exclusão.”
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Mordaz, o livro traz passagens como a de uma festa em São Conrado, em que o autor teria sido “cancelado” depois de ouvir um “partiu?” e responder que não aceitaria o convite por motivos de trabalho. “Ele tem um texto magnético. Mesmo discordando de alguns pontos, não consigo parar de ler”, admite Lu Lacerda, colunista de VEJA RIO e conhecedora do universo retratado. O escultor e músico Edgar Duvivier é citado como personagem da tal festa de São Conrado e, por enquanto, só leu a página em que seu nome aparece. “Pelo que entendi, é uma crítica ao esnobismo da elite carioca, o que é sempre interessante. Para falar mais, eu teria de saber o teor dessa análise”, arrisca. Para a pesquisadora e consultora de branding Renata Abranchs, o conteúdo é cheio de inteligência e sarcasmo. “Ele escancara de forma organizada, didática e leve o que a gente já sabia, mas nunca dissecou, nem teve coragem de dizer em público”, arremata. A reportagem de VEJA RIO entrou em contato com Alcoforado e ele respondeu “estou fora do país num trabalho. Não consigo atender”, seguido de um emoji de carinha feliz. Muito internacional e ocupado. Agenda cheia, aprende-se com ele, é coisa de rico.