Uma das mais importantes coleções de arte contemporânea chega ao CCBB
Os cariocas Andrea e José Olympio Pereira reuniram uma das melhores coleções contemporâneas do planeta, que ganha espaço em exposição no centro cultural
Há três décadas, a prestigiada e centenária revista americana ARTNews publica uma lista anual dos 200 maiores colecionadores de arte do planeta. A edição mais recente dessa miscelânea de gente endinheirada reúne do bilionário russo Roman Abramovich, dono do Chelsea, clube inglês de futebol, a Jeff Bezos, o fundador da Amazon. Vai do empresário argentino Eduardo Costantini, feliz proprietário do nosso Abaporu, obra-prima de Tarsila do Amaral, ao ator e comediante Cheech Marin, um apaixonado pela chamada chicano art.
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Inclui ainda um casal carioca, radicado em São Paulo, cujo precioso acervo abastece a próxima exposição do CCBB: 1981/2021: Arte Contemporânea Brasileira na Coleção Andrea e José Olympio Pereira tem estreia marcada para o dia 24 de março e previsão de temporada até 24 de maio. Essa é a quarta mostra a ocupar o centro cultural dentro de um lento e gradual processo de retomada da visitação iniciado em setembro passado.
Os Muitos e o Um, primeira exposição realizada com parte da coleção particular do casal Andrea e José Olympio Pereira, foi exibida em 2016, no Instituto Tomie Ohtake, em terras paulistanas. Grandiosa, a montagem abrigou cerca de 300 peças. A coleção que desembarca no Rio cinco anos depois é mais enxuta — são 110 trabalhos de 68 artistas — e alia nomes conhecidos a doses de ineditismo que prometem surpreender o olhar. A divisão em oito salas, cada qual batizada com o nome de uma obra presente no espaço, faz parte do caminho proposto pelo curador Raphael Fonseca.
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O passeio abrange obras dos prestigiados Adriana Varejão, Ernesto Neto, Jorge Guinle, Leonilson, Mira Schendel e Nuno Ramos, entre outros. “São criações de alta qualidade, é até difícil apontar destaques, mas fico particularmente realizado de poder revelar tesouros que nunca foram expostos ou estão há tempos fora do circuito”, festeja o curador. As projeções de Experiência de Cinema, de Rosângela Rennó, depois de virem a público há mais de quinze anos, no Masp, visitam o Rio. Stereodeath, de Marcos Chaves, também debuta no CCBB carioca.
Pelo menos uma das peças selecionadas será apresentada pela primeira vez até para os seus donos: A Coleção, trabalho do artista paulistano Pazé, 58 anos, cobrirá as paredes de uma das salas do CCBB com adesivos que exibem obras de pesos-pesados da pintura mundial como Matisse, Ticiano, Rafael, Klimt e Manet. Cercado por essas telas, retratos com personagens que o encaram, o visitante torna-se alvo das atenções de cinco séculos de criação artística. “É uma obra que nós compramos e nunca instalamos. Quem for ao CCBB vai entender por quê. Trata-se de um trabalho gigante, que você imprime, cola na parede, e pode reimprimir”, explica José Olympio, e arremata: “Para nós, será um prazer finalmente vê-la”.
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Com o artista José Resende, o colecionador aprendeu que “se você for limitar seu interesse por arte ao espaço nas paredes, ele vai se esgotar muito rápido”. Seguiu o conselho e foi além, garimpando joias por toda parte. Em paralelo ao gosto por colecionar, que compartilha com a mulher, Andrea, desde a década de 80, JO, como é conhecido, segue uma bem-sucedida carreira no setor financeiro: é, há dezesseis anos, CEO do banco Credit Suisse no Brasil. Sua trajetória profissional fez com que o hobby dos primórdios — iniciado em visitas a leilões onde cavucava pequenos achados, como uma gravura de Djanira — evoluísse para aquisições mais impressionantes.
Uma tela de Carlos Vergara, comprada nos anos 1980, é considerada pelo casal o marco inicial da coleção, hoje em torno das 2 500 peças. O passatempo ficou sério após a convivência com marchands como Raquel Arnaud (vendedora da pioneira tela de Vergara) e Marcantonio Vilaça (1962-2000), que apresentou José Olympio e Andrea à cena contemporânea brasileira. É esse o universo retratado na exposição que chega ao CCBB, com obras que vão de 1981 (a escultura Aquário Completamente Cheio, de Waltercio Caldas, e a fotografia Maloca, de Claudia Andujar) a 2021 — De Onde Surgem os Sonhos, de Jaider Esbell, artista indígena da etnia makuxi, de Roraima, foi pintada em janeiro.
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A relação do casal com o mundo das artes foi avançando conforme a coleção se expandia. No percurso, o “faro” foi se apurando. José Olympio conta sobre a vez em que Vilaça trouxe fotos de desenhos pintados com chocolate. “Na época, eu tinha alguma dificuldade com figuração e disse ‘tô fora’”, lembra o colecionador. “Marcantonio insistiu, ele sempre defendeu quem tinha qualidade. Enviou obras para a nossa casa e nos salvou de cometer o erro de deixar passar um Vik Muniz.”
E o brinquedo virou responsabilidade. “Assumimos um compromisso com a arte brasileira e passamos a marcar presença nas instituições, aqui e no exterior”, conta Andrea Pereira. Ela é conselheira do Museu de Arte Moderna de São Paulo, enquanto o marido desdobra-se como presidente da Fundação Bienal de São Paulo, além de ocupar postos nos conselhos do nova-iorquino MoMA, da londrina Tate Modern e da parisiense Fundação Cartier. Por causa desse intercâmbio intenso, peças da coleção são frequentemente emprestadas — é o caso das obras de Lygia Clark, exibidas no MoMA em 2014, e da paulistana Erika Verzutti, que ganhou exposição no centro Georges Pompidou, na França, em 2019, e está também presente no CCBB com a escultura Saramandaia.
José Olympio Pereira carrega o nome de seu avô ilustre, fundador da Livraria José Olympio Editora e protagonista da história da literatura brasileira no século XX — Drummond, Graciliano Ramos, Jorge Amado, José Lins do Rego, Rachel de Queiroz e Sérgio Buarque de Holanda foram alguns dos grandes autores lançados pela casa. O bichinho das letras ainda alcançou seu pai, Geraldo Jordão Pereira (1938-2008), criador da editora Sextante, e seus irmãos, Marcos e Tomás. “No que diz respeito às artes, a influência maior foi da minha avó Vera Pacheco Jordão, que chegou a escrever crítica de arte, mas meu avô também tinha uma forte ligação com esse mundo.
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Os artistas que ilustravam os livros da José Olympio eram nomes como Goeldi, Lívio Abramo, Cícero Dias e Dacosta”, orgulha-se. JO, o neto, trilhou rumo próprio, o das finanças, e, ao lado da mulher, Andrea, construiu uma das mais importantes coleções da atualidade. Já vão longe os tempos em que o casal peregrinava por casas de leilão do Rio. “Íamos por diversão, ver se achava uma coisinha. Naquele tempo a gente era duro.” De obra em obra, amealharam um tesouro que vale a visita.
Em busca do novo normal
Cercado de cuidados necessários, o CCBB vê seu público crescer mês a mês desde a reabertura, em setembro
No ranking mundial das exposições de maior público realizadas em 2019, publicado pela revista inglesa The Art Newspaper, a mostra DreamWorks garantiu o primeiro lugar ao arrebanhar 663 265 pessoas durante pouco mais de dois meses de temporada no CCBB carioca. Essa tradição de sucesso viria a ser interrompida, um ano mais tarde, pelas restrições trazidas com a pandemia. Após seis meses fechado, o centro cultural iniciou, em setembro, um lento processo de retomada. “Fomos abrindo aos poucos. Primeiro só o térreo, depois o teatro, o cinema, sempre treinando a equipe, avaliando a recepção do público e o comportamento dos visitantes”, observa o gerente André Giancotti.
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1981/2021: Arte Contemporânea Brasileira na Coleção Andrea e José Olympio Pereira é a terceira exposição montada no espaço em tempos de Covid-19. Além dos já protocolares uso de máscara obrigatório, álcool em gel à disposição e distanciamento, o CCBB tomou providências extras. Não há bilheteria física, o acesso é feito através do site e só são admitidas quarenta pessoas a cada meia hora. Lá dentro é proibido sentar, os bebedouros foram lacrados e os elevadores transportam uma pessoa por vez. O público, aparentemente, vem sendo disciplinado na obediência à cartilha antivírus — e cresce a cada mês.
O total de 2 544 visitantes, em setembro, quando havia uma única mostra em cartaz, saltou para 21 278 em janeiro e chegou a 23 832 em fevereiro. Em cartaz até 28 de março, o musical Carmen, a Grande Pequena Notável tem sessões para, no máximo, 35 espectadores na plateia com 172 lugares (o elenco se apresenta com máscaras de acrílico). “Oferecemos o máximo de segurança, coerentes com as regras sanitárias adotadas no mercado internacional de museus. Os limites serão sempre respeitados, até porque, pelo visto, ainda vão perdurar por um bom tempo”, diz Giancotti.