Casa Firjan abre as portas ao público como um centro de inovação
Dividido entre o palacete histórico e o prédio recém-construído, espaço será inaugurado no início de agosto
Criado por Aloisio Magalhães (1927-1982), um dos maiores designers brasileiros, o conceito do estilingue é bem objetivo. Em resumo, estabelece que, quanto mais se afasta um objeto da forquilha, aproximando-o do passado, maior será o impulso em direção ao futuro. A imagem também se aplica na descrição da Casa Firjan, em Botafogo, que abre as portas ao público em 3 de agosto. Instalado no centenário Palacete Guinle-Linneo de Paula Machado, símbolo da união de duas famílias que marcaram a história do empresariado brasileiro, o espaço se volta para o amanhã, como um centro de inovação. Em uma experiência pioneira no país, o modelo busca atrair não só empresários, empreendedores e inovadores, mas o público em geral. Com um investimento de 119 milhões de reais, o novo endereço à disposição dos cariocas tem como foco os desafios da nova economia e do mercado de trabalho, da teoria à prática. Ou seja: soluções serão propostas, pensadas, debatidas e testadas, tudo no mesmo lugar. Reunindo um casarão histórico, um prédio novo de quatro andares, duas casas geminadas e um jardim — são 10 000 metros quadrados de terreno e 7 500 de área construída —, o complexo abrigará palestras, workshops, cursos, aulas imersivas e laboratórios, além de atividades culturais, como exposições, apresentações musicais, sessões de cinema ao ar livre e um restaurante aos cuidados da chef Flávia Quaresma. “A multiplicidade é uma das marcas da inovação. Por isso, seremos um local conectado com outras referências dessa área. Aqui a divergência ideológica e o conflito de gerações serão bem-vindos”, diz o presidente da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan), Eduardo Eugenio Gouvêa Vieira.
Misto de polo de estudos, centro cultural e think tank (fábrica de ideias), a Casa Firjan começou a ser delineada em 2011, quando o lugar foi comprado. A proposta original era de um espaço voltado para a indústria criativa. Com os parâmetros do mercado em franca modificação e o futuro impondo adaptações, o projeto foi ampliado. “A criatividade está em tudo, mas fomos além. Queremos ter a função de um radar e antecipar as mudanças tecnológicas, comportamentais e dos modelos de negócio que impactam toda a população”, explica Cristiane Alves, gerente-geral de estratégia e desenvolvimento da Firjan. Não por acaso, transformação é o tema que norteia o primeiro ciclo de atividades da casa. A programação inicial inclui uma grande exposição que se espraiará pelas construções do terreno. Com fotos e objetos, a mostra aborda dos pioneiros da indústria no Rio às mudanças nas profissões verificadas nas últimas décadas. Haverá ainda uma coletiva de artistas plásticos como Raul Mourão, Túlio Pinto e Adriana Eu. Com proposta interativa, um túnel está sendo montado no jardim. Na instalação, o visitante terá a chance de fazer perguntas sobre o futuro a Iara, um sistema operacional como a popular Siri, do iPhone. O público poderá conhecer sozinho o lugar (10 reais a entrada inteira e 5 reais para idosos, estudantes e moradores de Botafogo) ou fazer um passeio guiado. Periodicamente, também serão exibidos filmes e documentários, projetados na fachada do prédio recém-construído. “Todas as atividades estão comprometidas com a geração de reflexão e a oferta de ferramentas para lidar com essa economia em transformação”, reforça Gabriel Pinto, gerente da Casa Firjan.
O desafio de manter um espaço alinhado com o que está sendo pensado e executado mundo afora, de fato, é um trabalho hercúleo. A pergunta “O que você quer ser quando crescer?”, em muitos casos, não faz mais sentido. Dados do Fórum Econômico Mundial mostram que 65% das crianças que estão entrando na escola hoje trabalharão em profissões que ainda não existem. Tem mais: 47% das profissões atuais desaparecerão em 25 anos. Com a intenção de atender do recém-formado ao profissional que enfrenta a extinção de sua função, passando por quem busca empreender ou é um simples curioso, a Casa Firjan oferecerá inicialmente 1 200 vagas para cursos (250 gratuitas, a ver no site da Firjan), a preços que vão de 600 a 1 200 reais, em média. A parte educacional ficará no prédio novo, onde há computadores e maquinário de última geração. As atividades irão de aula aberta — uma master class, que funciona como uma imersão ministrada por um nome de destaque — a oficinas-relâmpago e cursos mais longos. O ecletismo ditará os temas: marketing digital, liderança, design thinking, inteligência artificial, prototipagem, empreendedorismo e branding, entre mais de trinta possibilidades. Há ainda espaços colaborativos, onde ocorrerão hackathons e desafios variados. Os estudantes também poderão pôr a mão na massa em laboratórios com impressoras 3D, cortadoras a laser e scanners. “Com o intuito de engajar o público mais extenso possível, os laboratórios estarão disponíveis para quem quiser desenvolver um produto com a supervisão dos nossos profissionais”, afirma Cristiane Alves, à frente da área de estratégia e desenvolvimento.
Para montarem a Casa Firjan, profissionais da Federação das Indústrias visitaram centros de ponta na Europa, como o Waag Society & Fablab, em Amsterdã, e o Space 10, referência em estudos de futuro, em Copenhague. A nova economia é assunto no mundo todo. Há poucas semanas, o tema foi destaque numa reunião da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), na França. O espaço de inovação carioca terá uma agenda de reflexão, concentrada no palacete histórico, com debates, palestras e workshops. Entre os encontros já previstos estão um com a neurocientista americana Vivienne Ming e outro com representantes da firma holandesa Circo, especializada em design circular, ou seja, aquele em que a concepção do produto já prevê o descarte, com o mínimo de resíduo. “Vamos trabalhar a economia do conhecimento, usando plataformas de mobilização e difusão. Para funcionar, as parcerias são fundamentais”, destaca Joaquim Falcão, professor de direito da FGV e membro da ABL, que presidirá o conselho da casa. A ideia é formar uma rede, tanto com referências lá de fora quanto com espaços de pensamento locais, como a Casa das Garças, dedicada à política econômica. Com o intuito de reforçar seu time, a Firjan pinçou profissionais que já se dedicavam ao tema, caso de Maria Isabel Oschery, ex-chefe do escritório de Atlanta da MJV, consultoria global dedicada a transformar negócios através da inovação. “Diversidade é uma das chaves nessa área. Podemos ter aqui tanto um empreendedor nato do Dona Marta quanto um especialista estrangeiro”, diz ela, coordenadora de conteúdo da Casa Firjan.
Futuro e passado se encontram no mesmo endereço. Erguido no início do século XX, o palacete da São Clemente, em estilo eclético francês, tem sua construção atribuída aos arquitetos Joseph Gire e Armando da Silva Telles, que assinam também o Palácio Laranjeiras. Com um porte chochère — pórtico destinado a carruagens —, imponentes vitrais e pisos em mosaico de madeira e pastilhas de vidro com folhas de ouro, a sede da Casa Firjan é uma atração à parte. Além dos atributos arquitetônicos que tem, o local é um símbolo do poderio de uma família. Inicialmente de Cândido Gafrée, sócio de Eduardo Palassin, patriarca dos Guinle, ele não chegou a morar no imóvel. Deu-o de presente à afilhada, Celina Guinle, filha do sócio, na época do seu casamento com Linneo de Paula Machado, importante fazendeiro paulista e fundador do Hipódromo da Gávea. Embora muito se fale do estilo perdulário dos Guinle, a família foi grande empreendedora. Entre outros, deteve por 100 anos a concessão do Porto de Santos. Além de Celina, que teve quatro filhos e ficou viúva nos anos 40, viveu na casa seu irmão Guilherme. “Ele foi de importância crucial no desenvolvimento do país. Foi um dos responsáveis pela construção da CSN e precursor da exploração de petróleo no Brasil”, diz Clóvis Bulcão, autor do livro Os Guinle. Junto com a restauração da mansão, foi erguido um prédio com tudo o que a modernidade preconiza. Com fachada de vidro, telhado verde, brises de madeira que regulam a incidência do sol e detalhes em amarelo, a cor do conhecimento, o imóvel prevê economia de energia e reaproveitamento de água pluvial. “A sustentabilidade, os espaços multiúso e o cuidado em não tirar o protagonismo do palacete deram o tom do projeto”, explica o arquiteto Thorsten Nolte, vencedor do concurso realizado pela Federação das Indústrias.
A Casa Firjan surge num momento em que cada vez mais se aventam novas tecnologias, como a internet das coisas (objetos do cotidiano, como geladeira ou carro, conectados à rede, agindo de modo inteligente e sensorial), enquanto modelos de negócio, consumo e trabalho são postos em xeque. Se no passado os ciclos de conhecimento levavam 100 anos, esse período caiu para uma década com a web, e agora se estima que, em breve, esse tempo seja reduzido para doze horas. Quando se imaginaria, por exemplo, que o maior concorrente dos hotéis viria de uma tela de computador ou celular, na forma de aplicativo (Airbnb)? “Os ciclos estão cada vez mais curtos. Ninguém mais se prepara para ficar trinta anos numa empresa. É uma época de dor, mas também de muita oportunidade”, avalia Renato Mendes, autor do livro Mude Ou Morra, com palestra já agendada no centro de inovação em Botafogo. Para diminuir a ansiedade diante de tantos desafios, e da velocidade com que se apresentam, o espaço oferecerá atividades socioemocionais, como o mindfulness. Mas nada de certezas absolutas nem discursos cristalizados. “A cada seis meses vamos analisar o mercado e repensar o conteúdo”, explica o gerente do endereço, Gabriel Pinto. Como o cenário que se apresenta, a Casa Firjan estará sempre se transformando.