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Por que Mulheres que Correm com os Lobos voltou às listas dos mais lidos?

De volta à lista dos mais vendidos, best-seller dos anos 90 vira objeto de altas discussões, lives e podcasts entre as mulheres do Rio

Por Renata Magalhães
Atualizado em 19 mar 2021, 10h39 - Publicado em 19 mar 2021, 06h00
TALVEZ SEJA ISSO: no podcast, a linguista Mariana Bandarra destrincha o livro por capítulos -
Talvez seja isso: no podcast, a linguista Mariana Bandarra destrincha o livro por capítulos (Thiele Elissa/Divulgação)
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Um grupo de sessenta mulheres aproximadamente resolveu pôr o despertador para tocar todas as terças-feiras, religiosamente às 7 da manhã. A motivação era assistir às lives no Instagram da terapeuta e sexóloga Malu Paes Leme. Assunto: o livro Mulheres que Correm com os Lobos — Mitos e Histórias do Arquétipo da Mulher Selvagem, da psicanalista americana Clarissa Pinkola Estés. Sim, o best-­seller lançado há quase três décadas voltou com tudo. Tanto que, disponíveis por 24 horas, os vídeos de Malu ainda foram vistos por cerca de 35 000 pessoas — o número de seguidores que a carioca reúne na rede.

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O ótimo desempenho das discussões matinais em torno da obra se explica, segundo a sexóloga, por sua atemporalidade — foi o segundo título mais vendido no Brasil em 2020, de acordo com o ranking nacional do gigante Amazon. “A mulher está resgatando seu lugar no mundo, e ali encontramos justamente uma série de possibilidades para as quais não despertamos ainda”, frisa Malu, 31 anos. Curiosidade: depois de ela própria devorar o livro, decidiu trocar a carreira de chef para desenvolver um curso de práticas de autocuidado para o público feminino.

A SEXÓLOGA MALU PAES LEME: série de lives matinais em torno da obra lançada em 1992 -
A sexóloga Malu Paes Leme: série de lives matinais em torno da obra lançada em 1992 (Yulli Nakamura/Divulgação)

O interesse por Mulheres que Correm com os Lobos pode ser medido por outras várias iniciativas pipocando por aqui, que se debruçam sobre o mesmo texto sob diferentes lupas. No início de março, foi a vez de as amigas Julia Ramires, 31 anos, e Mirtiline Leitão, 37, começarem a promover encontros virtuais para discutir o tema. Elas se juntam a cada quinze dias pelo Google Meet com uma turma de mulheres para apresentar variadas perspectivas sobre o livro e dividir experiências pessoais que tocam em diversos aspectos levantados ao longo da obra. “É uma leitura que funciona quase como uma sessão de terapia. Ela escancara uma repetição de padrões que deixamos passar, muitas vezes sem nem notar”, observa Julia, recifense que veio para o Rio se tornar mestre em educação e atualmente cursa psicologia. Seguindo a mesma toada, a jornalista Barbara Nickel, 41 anos, e a linguista Mariana Bandarra, 40, criaram o podcast Talvez Seja Isso. Em dezoito episódios, disponíveis pelo Spotify, a dupla comenta, capítulo a capítulo, as análises da autora.

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DA TEORIA À PRÁTICA: Julia Ramires leva experiências pessoais para encontros on-line sobre o texto -
Da teoria à prática: Julia Ramires leva experiências pessoais para encontros on-line sobre o texto (Lara Moura/Divulgação)

A psicanalista americana associa, em sua obra, lendas e fábulas aos fundamentos terapêuticos propalados pelo psiquiatra suíço Carl Gustav Jung (1875-1961) para mostrar como a natureza instintiva da mulher foi sendo domesticada no curso da história. Em sua interpretação do clássico O Patinho Feio, do dinamarquês Hans Christian Andersen, publicado em 1843, Clarissa traz à tona os julgamentos herdados pela mãe, que se cansa de defender o filhote grandalhão e desajeitado das ofensas dos demais animais. A certa altura, já exaurida da sobrecarga de trabalho com toda a ninhada, ela acaba por revelar outra face de sua personalidade, intrínseca ao ser humano, na visão junguiana. “A mulher selvagem que a Clarissa busca apresentar é aquela que tem coragem de romper com os valores tradicionais, não exercendo apenas os papéis sociais que lhe são constantemente impostos”, resume Dulcinea da Mata Monteiro, integrante do Instituto Junguiano do Rio.

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Publicado originalmente nos Estados Unidos em 1992, Mulheres que Correm com os Lobos passou 145 semanas na lista dos mais vendidos do jornal The New York Times, foi traduzido para 35 idiomas e ganhou novo fôlego agora com a chamada quarta onda do feminismo, impulsionada pela internet. As vendas aumentaram depois que nomes de alcance internacional, como a atriz britânica, ativista e embaixadora da ONU Mulheres Emma Watson, passaram a recomendá-lo pelas redes sociais. No Brasil, as atrizes Vera Fischer e Cleo Pires também revelaram publicamente seu entusiasmo com a obra. Assim como os contos de tradição hereditária, o livro ganhou status de clássico e vem passando, em sequência, de mãe para filha. “A maior parte das ouvintes do podcast é de meninas jovens, na faixa dos 20 aos 30 anos, que conheceram o texto da Clarissa através da indicação de alguma mulher mais velha”, conta Mariana Bandarra, que, no segundo semestre, encabeçará uma performance com participação do público no centro cultural Oi Futuro, calcada na temática feminista.

A FILÓSOFA DJAMILA RIBEIRO (acima), autora do Pequeno Manual Antirracista: o livro está no topo da lista dos mais vendidos da Amazon, que traz outros títulos sobre o assunto, como Escravidão e Racismo Estrutural -
A filósofa Djamila Ribeiro (acima), autora do Pequeno Manual Antirracista: o livro está no topo da lista dos mais vendidos da Amazon, que traz outros títulos sobre o assunto, como Escravidão e Racismo Estrutural (./Divulgação)

Dona dos direitos da obra no Brasil, a Rocco aproveitou para relançar Mulheres que Correm com Lobos em uma edição comemorativa, com projeto gráfico rejuvenescido e capa dura — o livro alcançou o topo do ranking da categoria não ficção da editora em 2020. Os tempos pandêmicos acabaram por conspirar a favor da leitura e, em meio ao momento de reflexão, a chamada “literatura com causa” — focada em discussões sociais contemporâneas — ascendeu. Pequeno Manual Antirracista, de Djamila Ribeiro, é o único título à frente do best-seller de Clarissa na lista da Amazon.

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Nesse caso, em pouco mais de 100 páginas, a ativista e filósofa trata, em dez lições, das origens do preconceito racial e das melhores formas de combatê-lo. O assunto volta à listagem em nono e 17º lugares, respectivamente, com Racismo Estrutural, do advogado e filósofo Silvio Almeida, e Escravidão, de Laurentino Gomes, autor da trilogia de sucesso 1808, 1822 e 1889. “Há alguns anos os textos de não ficção, aqui na editora, superam em números os de ficção, mostrando um interesse cada vez maior por educação, literatura de formação e aprofundamento do conhecimento em geral”, diz Ana Lima, gerente editorial da Rocco. Eis aí uma boa notícia.

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