Vida marinha em risco: cariocas alertam sobre a poluição pelo plástico
No início da Década do Oceano, profissionais que se dedicam à preservação dos mares falam sobre a sujeira nas praias, ainda mais afetadas na pandemia
O tempo feio naquele sábado, 2 de janeiro, era o cenário ideal para a expedição planejada pelo fotógrafo e biólogo marinho Ricardo Gomes, 53 anos. Ele partiu para a Praia de São Conrado com o objetivo de registrar a poluição que, nesse trecho da orla, costuma aumentar em dias chuvosos. Tinha uma ideia do que iria encontrar, mas mesmo assim tomou um tremendo susto. Flagrou um verdadeiro “tsunami”, como definiu: eram centenas de garrafas PET que, ao vento, trazidas com a chuva e levadas pelas ondas, produziam um “som lúgubre, tenebroso”.
A cena, postada no Instagram, rodou o mundo – teve mais de 4 000 compartilhamentos em contas como a de Kelly Slater, o surfista-estrela com 2,7 milhões de seguidores. Para o biólogo, a experiência à beira-mar foi reveladora e fez redobrar sua disposição para as campanhas de conscientização das quais participa, desde 2017, à frente da ONG Instituto Mar Urbano.
Ele não está solitário nessa cruzada. O ano de 2021 deu a partida à Década do Oceano, segundo estabeleceu a ONU. Na lista de objetivos até 2030 estão o mapeamento e a proteção de ecossistemas, além do uso sustentável do espaço marítimo e da identificação e remoção de fontes de poluição. Por aqui, um passo importante veio da Oceana Brasil, criada em 2016, braço nacional da maior organização voltada para a conservação dos oceanos.
A ONG acaba de lançar o relatório Um Oceano Livre de Plástico: Desafios para Reduzir a Poluição Marinha no Brasil. “O trabalho traz bons dados nacionais, uma lacuna que tínhamos antes, e dá uma ideia de quanto de resíduos estamos produzindo, de seu impacto na fauna marinha e de nossa responsabilidade”, avalia a cientista marinha Lara Iwanicki, integrante da Oceana Brasil e autora do estudo, ao lado do diretor-geral Ademilson Zamboni.
Os números são expressivos. No Brasil, a cada ano, os brasileiros lançam ao mar 325000 toneladas de plástico, o que representa 70% dos resíduos encontrados em limpezas de praia no país. E a fauna sofre. Segundo estudos feitos nas regiões Sul e Sudeste (que respondem por pouco menos de 25% da costa brasileira), um a cada dez animais achados com plástico no organismo morreu por causa disso. Em praias cariocas, o problema é agudo.
“Contando apenas a população local, sem considerar os turistas, o Rio consome 15,4 bilhões de itens descartáveis por ano. São sacolinhas, copos, talheres, embalagens em geral”, enumera Lara Iwanicki, que ressalta: boa parte disso vai parar no mar. A pandemia ainda fez subir o consumo de plástico em mais de 25%, efeito, entre outras coisas, da explosão do delivery.
Formado em biologia marinha pela UFRJ, Ricardo Gomes tornou-se fotógrafo profissional, com as lentes sempre sensíveis aos encantos da natureza. Em 2017, uniu suas duas facetas no documentário Baía Urbana, uma viagem pela rica e colorida biodiversidade que resiste nas profundezas da Baía de Guanabara. “Sempre houve o discurso de que a baía estava morta. Não, não está, mas precisamos trabalhar por ela”, afirma.
O documentário ganhou grande visibilidade e fez boa carreira internacional ó foi exibido na primeira Conferência da ONU Sobre os Oceanos, em Nova York, e premiado no tradicional Festival Internacional de Cinema Ambiental da Serra da Estrela, em Portugal. A boa acolhida de Baía Urbana inspirou a criação do Instituto Mar Urbano, ainda em 2017, ONG que, segundo o fundador, é “uma janela aberta para o fundo do mar”.
Além de desenvolver produções audiovisuais, Ricardo, um time de voluntários e até sua filha Nina, de 4 anos, buscam conscientizar a população sobre a importância de conhecer e preservar o mundo marinho. Em parceria com a empresa pública de limpeza urbana Comlurb, o Instituto tomou parte de um mutirão, em 23 de janeiro, nas águas próximas à Mureta da Urca, ponto de encontro dos cariocas e turistas que se debruçam ali munidos de comes e bebes emoldurados pela bela paisagem.
O resultado da varrição naquelas águas, em que ainda são encontradas espécies como o cavalo marinho, não dá nenhum orgulho. Em um único dia, somando o saldo da limpeza das pedras na orla com o da operação subaquática, foram recolhidas quase 20 toneladas de resíduos, entre copos e talheres de plástico, restos de eletrodomésticos e pneus velhos, a maior parte empilhada à beira-mar.
Ricardo já visitou e clicou dezenas de vezes um pedaço morto de praia na Ilha do Fundão, no campus da UFRJ, bem atrás da Faculdade de Educação Física. A areia está tomada por lixo, com trechos onde camadas de matéria plástica têm pelo menos meio metro de profundidade. “Estudei na UFRJ. Já visitei esse lugar incontáveis vezes e sempre esbarro com a mesma pilha de lixo, trazida e recomposta pela maré. Só vai mudar com mais saneamento e educação”, alerta.
Nos mergulhos em que registra o embate entre vida e sujeira nas profundezas, o fundador do Instituto Mar Urbano sempre se lembra das duas últimas frases do documentário Baía Urba na. É quando o narrador, o músico Pedro Luís, diz: “Precisamos cuidar e respeitar o oceano como se nossas vidas dependessem disso. Porque elas, de fato, dependem”.
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