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Ele gosta de um corpo a corpo

Escolhido como um dos novos cardeais pelo papa Francisco e com vocação genuína para evangelizar, o arcebispo do Rio, dom Orani Tempesta, cai nas graças dos cariocas

Por Felipe Carneiro
Atualizado em 2 jun 2017, 13h14 - Publicado em 22 jan 2014, 17h54
Selmy Yassuda
Selmy Yassuda (Redação Veja rio/)
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No domingo passado (12), dom Orani havia acabado de celebrar uma missa na TV Educativa, no Centro, e assim que entrou no carro acionou o aplicativo do celular que transmite as missas do papa Francisco direto de Roma. Não demorou a sentir um estremecimento de alto a baixo. No fim da oração do Angelus, o santo padre anunciou a nomeação de dezenove cardeais, entre eles dom Orani João Tempesta. “Jamais imaginei que ouviria a notícia pelo rádio”, confessa. “Eu pensava que o Vaticano entrasse em contato antes por telefone ou carta.” Na verdade, o espanto se deu mais pela forma como a informação chegou do que pela novidade em si. Desde a realização da Jornada Mundial da Juventude na nossa cidade, no ano passado, vista pela Cúria Romana como um grande sucesso, o arcebispo do Rio era tido como barbada a uma vaga no Colégio Cardinalício. Outro indício nesse sentido é que a Arquidiocese do Rio de Janeiro alçou os seus últimos cinco titulares ao primeiro escalão da Igreja Católica. Apesar da emoção inicial, a revelação não abalou a rotina do religioso, que seguiu naquela jornada com seus compromissos da trezena de São Sebastião, celebração feita nos treze dias que antecedem a festa de um santo (veja o quadro na pág. 30). Visitou a Cruzada São Sebastião, no Leblon, rezou missa na paróquia do Arpoador e terminou o dia no Cristo Redentor. “A boa-nova chegou numa época especial para o carioca, às vésperas do dia do padroeiro. Ganhamos mais um motivo para celebrar”, destaca.

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No caso de dom Orani, dizer que ele se envolve nas causas de corpo e alma não é um lugar-comum. Apesar de radicado na cidade há menos de cinco anos, está totalmente integrado a ela. Paulista de São José do Rio Pardo, até se transferir para cá ele havia estado no Rio poucas vezes, em viagens curtas para participar de cursos e encontros eclesiásticos. Superou a falta de intimidade com a cidade lançando mão de um trabalho pastoral onipresente. Em menos de dois anos, já havia visitado todas as 264 paróquias do município, além de boa parte de suas 600 capelas e igrejas menores. Em uma iniciativa que encheu de orgulho os cariocas, mergulhou fundo na campanha pela beatificação de Odetinha, falecida em 1939, aos 9 anos, que está em processo de se tornar a primeira santa nascida no Rio. Em outro empenho pessoal, conseguiu trazer a Jornada Mundial da Juventude, realizada em julho, que coincidiu com a primeira viagem internacional do papa Francisco. Levou ainda a palavra de Deus a locais como a Cidade do Samba, a Feira de São Cristóvão e o Museu de Arte Moderna. Num ato de desprendimento, buscou diálogo com líderes evangélicos, judaicos, espíritas e do candomblé. Nada, porém, com o intuito de inundar a imprensa de factoides. Definitivamente, dom Orani não é um sujeito mi­diá­tico. Ao contrário até, é monocórdio ao falar e cultiva hábitos frugais. Não frequenta restaurante nem cinema. Um de seus raros programas laicos mais recentes foi assistir a duas apresentações da Orquestra Sinfônica Brasileira na Cidade das Artes. Esteve também na Câmara dos Vereadores e na Alerj, para receber os títulos de cidadão carioca e fluminense, respectivamente. VEJA RIO também se rendeu à sua missão evangelizadora e o homenageou com o prêmio Carioca do Ano, numa solenidade no Copacabana Palace, em dezembro.

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É uma explicação simplista atribuir a ascensão apenas ao sucesso da Jornada Mundial ou à tradição da arquidiocese carioca. Dom Orani é o retrato fiel do que o papa Francisco aponta como o modelo de religioso para a Igreja: humilde, trabalhador e próximo do povo, com fôlego invejável para a peregrinação. Ao deixar a função, seu antecessor, dom Eusébio Scheid, aconselhou-o a ir ao encontro dos fiéis, entrar nas favelas, conhecer de perto a realidade de seu rebanho. Não demorou um mês para que Scheid, assustado com o ritmo do substituto, lhe sugerisse mais calma e que “fosse mais devagar”. Há relatos de visitas a favelas em que jovens armados com fuzil pararam a comitiva do arcebispo. Sem se intimidar, ele saiu do carro para conversar com os traficantes. Como parte do périplo, costuma celebrar ao menos seis missas no fim de semana, em paróquias diferentes. “Ele conhece cada cantinho da cidade e vive me dando puxões de orelha pelos problemas que vê”, diz o prefeito Eduardo Paes.

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A aproximação da arquidiocese com o povo não foi a única alteração por que passou a Mitra. Também houve mudanças radicais no departamento financeiro da Cúria Metropolitana, que vinha de um período turbulento, com o afastamento de seu antigo administrador, o padre Edvino Esteckel, que fez compras extravagantes de apartamento de luxo e carros importados, e a prisão de seu substituto, monsenhor Abílio Ferreira, que tentou sair do país com 52?000 euros escondidos nas meias e na cueca. Num gesto simbólico, uma das primeiras medidas de dom Orani no arcebispado foi abrir mão de seu salário. Em outro sinal de austeridade, adotou anel e crucifixo de metal não nobre. E pôs-se a trabalhar, e não só na evangelização, lembrando o tempo em que bateu ponto em um escritório de contabilidade, ainda na década de 60, em sua cidade natal.

Ser nomeado cardeal é uma prerrogativa de poucos. Dom Orani é o 21º brasileiro na história a ter esse privilégio. Ele integrará o Colégio Cardinalício, que vem a ser o principal conselho do Vaticano. Seus membros são selecionados pessoalmente pelo papa e têm basicamente duas atribuições: trabalhar na administração da Cúria e, quando o herdeiro de São Pedro morrer ou renunciar, eleger o substituto. A partir de 22 de fevereiro, quando receber das mãos de Francisco o anel e o barrete cardinalícios, dom Orani passará a usar, quando for a Roma, batina e solidéu vermelhos, que representam o sangue derramado por Jesus. No dia a dia, no entanto, seguirá usando vestes pretas com frisos na cor púrpura. Essa primeira leva de cardeais da era Francisco firma uma nova posição da Igreja. Três dos dezenove agraciados já passaram dos 80 anos, e, portanto, não exercerão nenhuma atividade. Dos nomeados que de fato integrarão o Colégio Cardinalício, apenas três são europeus. No conclave em que triunfou o papa Francisco, sessenta dos 115 eleitores eram do Velho Continente, sendo 28 deles italianos. É clara a intenção do sumo pontífice de descentralizar a escolha, ao prestigiar desta vez países periféricos, como Haiti, Chile, Burkina Faso e Costa do Marfim. “O papa foi coerente com seu discurso de atração pelos excluídos e marginalizados, em sua proposta de uma Igreja mais universal”, avalia dom Paulo Cezar Costa, bispo auxiliar da arquidiocese do Rio e professor do departamento de teologia da PUC-Rio.

Filho do lavrador Achilles Tempesta e da dona de casa Maria de Oliveira, já falecidos, Orani é o caçula de nove irmãos. Seu nome, inclusive, foi uma criação coletiva. Em 23 de junho de 1950, quando ele nasceu, sua irmã Maria de Lourdes estava lendo O Guarani, de José de Alencar, e fez uma corruptela do nome do livro com o de um tio querido, Orlando. Seu pai ainda conseguiu acrescentar João, em homenagem ao santo celebrado no dia seguinte. A vocação se manifestou na infância, visto que sempre gostou de ir à missa e aos 10 anos virou coroinha. Tão logo terminou o colegial, comunicou à família que entraria para um seminário. A princípio, o pai não gostou da ideia, mas não houve jeito de demover o jovem, cuja vida no Mosteiro de São Bernardo de Claraval, em sua cidade natal, o marcou para sempre. Tanto é que ele tem uma imagem da instituição pendurada em seu quarto no Palácio São Joaquim, na Glória, onde mora. Vêm daqueles tempos também o hábito de se levantar diariamente às 5 horas e sua propensão a ter sempre gente em volta. No café da manhã se reúne com seus auxiliares para conversar e definir a agenda. “Apesar de nos vermos pouco, ele é o mesmo menino de sempre, que manteve seus valores e temperamento”, emociona-se Ondina Tempesta, uma das duas irmãs ainda vivas.

A trajetória do novo cardeal passa por São José do Rio Preto, no interior paulista, onde foi ordenado bispo, em 1997, e por Belém do Pará, para onde foi transferido em 2004 para assumir a principal arquidiocese da Região Norte. Lá, ele se viu diante de outra realidade, em que era preciso encarar até três dias de barco para visitar as comunidades ribeirinhas. Agora, no Rio, as expedições mudaram de endereço e meio de transporte. É comum sair de casa de manhã e só retornar à noite, emendando um compromisso no outro. Passado o feriado do padroeiro, ele começará a se preparar para a viagem ao Vaticano. Antes de embarcar, irá a Brasília convidar pessoalmente a presidente Dilma para a cerimônia. Quando voltar da Itália, já como cardeal, tem um projeto que novamente o fará cair nas graças do carioca: dará início ao processo de beatificação do casal fluminense Jerônimo e Zélia de Castro Abreu Magalhães. “Eles são alvo de uma devoção enorme da população daqui. Vamos nos esforçar para que o Vaticano reconheça a santidade deles”, diz. O que se faz com fé tem sempre mais chance de dar certo.

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