Sem trotes: calouros mais do que veteranos conhecem rotina do campus
Dois anos de aulas remotas depois, os estudantes finalmente têm o gostinho da vida universitária com a volta às salas de aula
Após um intenso ano de estudos para o Enem, Mateus Rameh, então com 18 anos, estava cheio de expectativas: tinha passado para o disputado curso de cinema na Universidade Federal Fluminense (UFF) e contava os dias para estrear na tão esperada vida universitária. Em março de 2020, pouco antes do início das aulas, foi conhecer o campus, fez a matrícula, escolheu suas disciplinas e ainda almoçou com futuros colegas. Logo depois, tudo mudou. O mundo ingressou em uma esticada quarentena e a universidade adiou o princípio das atividades em duas semanas — que acabaram virando dois anos de muita lição a distância.
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Pois agora, ele e tantos outros veteranos calouros podem finalmente pisar na sala de aula, uma experiência “mágica e emocionante” para Mateus. No 5º período de engenharia ambiental da mesma universidade, Barbara Stanzig, 20 anos, só travou nestes dias contato olho no olho com estudantes e professores. Está em plena fase de adaptação. “A pandemia afeta a saúde mental, tira o foco, por isso puxei menos matérias. Preciso reaprender a estudar e engatar na rotina”, diz.
Mateus e Bárbara compõem esta geração que entrou para a faculdade justo quando o novo coronavírus impôs o isolamento social — e isolados eles ficaram, esperando a hora de vivenciar a experiência completa. Não são exatamente calouros, mas muitos se sentem assim em algum grau. A fase do ensino remoto lhes exigiu um esforço de concentração e ajustes sem precedentes. No caso da UFF, os alunos ficaram seis meses sem aulas até que o modelo a distância fosse implantado. “Eu me desligava muito fácil, sentia que a aula estava acontecendo na tela e eu lá, em um mundo à parte”, conta Mateus. Os universitários foram os mais atingidos entre todos os estudantes: enquanto a maioria das escolas voltou ao presencial no segundo semestre de 2021, o ensino superior começa a promover agora esse retorno, grande parte ainda no sistema híbrido. “Já era hora”, decreta Andrea Ramal, doutora em educação pela PUC-Rio, que avalia os prejuízos acumulados. Afinal, todos foram pegos de surpresa pelo sacolejo pandêmico e tiveram de instantaneamente embalar no estudo a distância, modalidade que requer autodisciplina, capacidade de organização pessoal e muita motivação. “Cabe neste momento às universidades ajudar esses jovens, para que não fiquem para trás”, afirma a especialista.
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Uma das primeiras instituições a voltar à rotina presencial, a PUC-Rio se mostra atenta à delicada transição. “Há uma expectativa muito grande sobre esses estudantes que nunca estiveram no campus. Nossa preocupação é acompanhar sua inserção, com acolhimento individual sempre que necessário”, diz a coordenadora de graduação Daniela Vargas. Ela avalia que bons aprendizados foram extraídos dos tempos de aula exclusivamente virtual, como o uso das plataformas digitais como forma de comunicação e fonte de saber. A universidade na Gávea retornou no início de março com 65% das atividades in loco, priorizando laboratórios e disciplinas práticas. Certos protocolos foram adotados, como a exigência do passaporte de vacinação, a redução de alunos em sala e a orientação do uso de máscaras em ambientes fechados, mesmo com a queda de obrigatoriedade no município. Para o segundo semestre, tais medidas serão reavaliadas.
A jovem geração de hoje foi profundamente marcada pela experiência de assimilar conhecimento sem estar frente a frente com o mestre nem ao lado da turma. Aluna de estudos de mídia da PUC, Nina Fragale, 19 anos, se diz calejada: depois de concluir o ensino médio a distância pela Escola Parque já na pandemia, fez o vestibular por uma plataforma virtual. “A câmera ficava aberta e mandavam uma mensagem se você se mexesse muito, como forma de controle”, conta. No segundo semestre de 2021, passou também para o curso de jornalismo na UFF. Tirou de letra a maratona de aulas remotas. Era uma das poucas a deixar câmera e microfone abertos e participava ativamente no universo on-line — a sala cheia costuma deixá-la mais inibida. Conheceu a melhor amiga da faculdade e até o namorado, colega de curso, nos grupos virtuais de trabalho. Página virada, agora está adorando a vida no câmpus. “Tem essa dinâmica social que a gente tinha perdido. Encontrar as pessoas, especialmente os professores, circular entre várias turmas, mais velhas ou mais novas, conhecer outras matérias, tomar uma cerveja na padaria”, enumera Nina.
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E assim a vida dos universitários vai entrando no ritmo. Recentemente, as atividades pedagógicas presenciais nos 176 cursos de graduação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) também retornaram. Outras instituições, como a Unirio, ainda estudam essa volta. A previsão é que aconteça ainda no primeiro semestre de 2022, já que a pandemia arrefece e o dia a dia vai tomando ares de normalidade. A educadora Andrea Ramal reforça a importância do ensino presencial, sobretudo no começo da universidade. “Frequentar uma faculdade vai muito além das lições ensinadas em sala de aula: inclui ir à biblioteca, assistir a palestras, conhecer outros departamentos e frequentar atividades interdisciplinares”, reforça. Além disso, diz, a vida ao vivo e em cores promove uma vital troca de experiências, de visão de mundo e expectativas de carreira. Mateus, o aspirante a cineasta, se sente aliviado com esse contato e acredita que isso vai lhe abrir a visão e ampliar sua experiência. “Agora só temos dois anos pela frente, vou tentar passar o máximo de tempo na faculdade e aproveitar cada momento”, garante o entusiasmado veterano calouro.