Repaginada, Bienal do Livro renova passaporte para o mundo além das letras

22ª edição usa e abusa de tecnologia e criatividade para criar experiências que convidem as jovens gerações à leitura

Por Paula Autran
6 jun 2025, 06h01
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 (Bienal do Livro/Divulgação)
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É raro encontrar um carioca com mais de 40, 50 anos que não traga na memória a lembrança de adentrar os pavilhões do Riocentro com algum dinheiro no bolso e a expectativa de descobrir, entre infinitos corredores, um livro para chamar de seu. Desde 1983, a Bienal do Livro tem desempenhado o nobre papel de estimular o público a se aventurar por muitos mundos imaginários, ajudando a sedimentar um hábito que é preciso cada vez mais cultivar. Nos últimos anos, porém, diante do predomínio inconteste das telas no cotidiano de gerações diversas, o desafio de manter o encantamento de folhear páginas (de papel mesmo) exigiu uma reinvenção. O evento foi sendo remodelado de forma radical para atrair sobretudo a turma jovem, naturalmente mais afeita à maratona virtual. Agora, em sua 22ª edição, entre os dias 13 e 22 de junho, essa história atinge um novo patamar. Sob o conceito de book park, a ideia é transformar a literatura em uma experiência a ser vivida em toda a sua plenitude ali mesmo, nos pavilhões, de forma sensorial e coletiva. Cerca de 600 000 visitantes são esperados para imergir em um circuito que inclui roda-gigante, labirintos e escape rooms inspirados em icônicos personagens e tramas. Pode-se dizer que é uma espécie de Disney da literatura – e a causa é boa. “Eventos ancorados no entretenimento funcionam como portas de entrada para o universo da leitura”, acredita o secretário municipal de Cultura, Lucas Padilha.

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Fenômeno além das páginas: os números da Bienal do Livro (./Veja Rio)

A presente Bienal ajudou a agitar os bons ventos que levaram o Rio de Janeiro a conquistar o título de Capital Mundial do Livro em 2025, honraria concedida pela primeira vez a uma cidade de língua portuguesa. Em um país onde, de acordo com a mais recente edição da pesquisa Retratos da Leitura, 53% da população se declara não leitora – fatia que de forma inédita (e triste) ultrapassa a dos leitores habituais -, um dos maiores acontecimentos do calendário cultural carioca, atrás apenas de Réveillon, Carnaval e Rock in Rio, revela sua potência, o que é um bom sinal: na edição que passou, foram comercializados 5,5 milhões de livros, o que é equivalente a uma média de nove exemplares por visitante. A guinada por lá teve início há 25 anos, com a criação do Café Literário, dedicado a conversas com autores. “Foi nesse momento que deixamos de ser apenas uma feira de livros para nos tornarmos um evento de cultura, literatura e entretenimento, que, não por acaso, também abriga uma feira de livros”, lembra Tatiana Zaccaro, diretora da GL Events, parceira do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel) na realização do mais grandioso encontro literário do país, reconhecido como Patrimônio Cultural Imaterial do Estado.

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Alta tecnologia: se bem usados, games, redes sociais e streaming são aliadosdos leitores, que vão encontrar várias atrações conectadas às novas mídias (Marcelo Luzio/Divulgação)

O passo seguinte foi gestado no cenário pós-pandemia, a partir de vasta pesquisa qualitativa e quantitativa que fez os organizadores repensarem os moldes da celebração literária. O diagnóstico conduziu a um caminho em que seria muito bem-vindo criar janelas no evento para estabelecer vínculos afetivos com o público. E assim nasceu o conceito de book park, que resultou em robusta expansão do leque de atividades lúdicas inspiradas em grandes obras. A roda-gigante é um exemplo: contará com dezesseis cabines decoradas com personagens como os das franquias Percy Jackson, de Rick Riordan, e Turma da Mônica, de Mauricio de Sousa. Também prometem atrair grandes filas as salas temáticas que se miram em thrillers à la Agatha Christie. O escritor e roteirista Raphael Montes divide protagonismo com a dama do suspense na atração. Seu suposto sumiço é um dos mistérios a ser desvendado. “Só não posso garantir que os participantes saiam ilesos. Quem conhece meus livros sabe que não costumo poupar muitos personagens”, brinca o autor de Jantar Secreto e Bom Dia, Verônica, cuja adaptação para a TV virou sucesso na Netflix.

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Ao longo dos dez dias, serão oferecidas 200 horas de programação, com a presença de 350 escritores. Entre os nomes de destaque figuram o imortal da Academia Brasileira de Letras Ailton Krenak, a premiada Conceição Evaristo, Marcelo Rubens Paiva, Itamar Vieira Junior, além de personalidades internacionais como a nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie (que participará de uma conversa com a atriz Taís Araujo), a cubana Teresa Cárdenas, o mangaká japonês Nagabe e a britânica Cara Hunter, que lança Assas sinato na Família pela editora Trama. “O engajamento dos leitores brasileiros sempre me impressionou. Eles mergulham nas tramas com atenção e enviam perguntas profundas pelas redes sociais”, observa Cara. A curadoria do evento, que se pretende plural e propositiva, reúne figuras como o ator Lázaro Ramos, as escritoras Thalita Rebouças e Clara Alves, e o historiador Luiz Antonio Simas, espelhando a diversidade de temas e vozes.

O espaço físico do evento também se expandiu — agora com 130 000 metros quadrados, 44% a mais do que em 2023 — e comportará novidades como um concurso de fantasias e um karaokê literário, onde uma banda ao vivo acompanhará os que se dispuserem a entoar canções que tomam inspiração em célebres narrativas. Haverá ainda ambientes instagramáveis em profusão e ativações interativas, concebidas por editoras e marcas para despertar a atenção de visitantes para seus estandes. No do Grupo Editorial Pensamento, destaca-se um ambiente com trilha sonora inspirada em Os Fantasmas da Baía Looking Glass, de Catriona Ward. Já a Intrínseca, em parceria com a Forneria Original, recria a pizzaria Freddy Fazbear’s, da série de videogames e livros Five Nights at Freddy’s – o que inclui a venda das pizzas. Na área da Rocco, a comemoração das bodas de prata do primeiro livro da saga Harry Potter no Brasil terá interação com cosplayers de personagens da saga. E a Faber-Castell aposta no olfato, com uma parede que permite experimentar as criativas fragrâncias de seus marcadores de texto: guaraná, bala de canela e menta. “É um momento estratégico de conexão com o consumidor”, resume Leonora Monnerat, diretora-executiva da HarperCollins Brasil, cujo estande terá 400 metros quadrados (60% maior do que o anterior) e entrada cenográfica, com o guarda-roupa de As Crônicas de Nárnia.

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É para somar: “Qualquer narrativa pode começar ou terminar nas páginas de papel”, defende Tatiana Zaccaro, diretora da GL Events, que aposta nas experiências para atrair novos leitores (Marcio Mercante/Divulgação)
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Em plena era das telas e da hiperconectividade, a tecnologia se converte em aliada nesta Bienal, que, no lugar de se digladiar com ela, faz uso de suas possibilidades para engrandecer a experiência. A Bienal envereda pela cultura da convergência, conceito formulado pelo pesquisador americano Henry Jenkins para descrever o diálogo entre diferentes mídias. “Redes sociais, jogos e plataformas de streaming, quando bem utilizados, não rivalizam com o livro, mas é justo o contrário”, argumenta Tatiana Zaccaro, evocando a noção de leituras elásticas, em que as narrativas se expandem para além do papel. “Trouxemos os criadores da série Bridgerton, que explodiu na Netflix e alavancou a venda dos livros”, conta. Outro fenômeno contemporâneo decisivo é o advento dos booktokers, influenciadores literários oriundos do TikTok, capazes de esgotar edições inteiras com uma simples recomendação, incorporados ao evento.

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Novidades na sacola: lançamentos aguardados (./Veja Rio)

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Sob essa moldura, surpreende a delicadeza nostálgica do espaço da Lura Editorial, que disponibilizará uma sala equipada com máquinas de escrever para uso livre. “Num evento em que a tecnologia dita boa parte das ativações, oferecemos um oásis onde o visitante poderá ouvir o claque-claque das teclas e, por instantes, experimentar o ritual de escrita dos autores que nos precederam”, explica Aline Conovalov, editora à frente do projeto. Calma que ainda tem mais: a Biblioteca Fantástica, um playground literário onde o intuito não é guardar livros, mas mergulhar neles, literal e simbolicamente, merece a visita. Ambientes cenográficos, trilhas sonoras e mediadores fantasiados compõem a imersão sensorial voltada para a criançada. “A criança lê com o corpo inteiro”, observa a professora e mestre em educação Rona Hanning, da LERConecta, uma das responsáveis pela curadoria. “É preciso tirar o livro do pedestal”, completa Raphael Montes. Se depender da Bienal, as páginas continuarão muito abertas e sempre prontas para receber novos leitores.

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Oportunidades únicas: palestras, bate-papos e atividades interessantes na programação (./Veja Rio)

 

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