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Batalha de milhões: decisão da Justiça acirra disputa no Cristo Redentor

O Alto Corcovado, área em que está fincado o maior cartão-postal do Brasil, tornou-se o centro de um embate entre Igreja, União e Prefeitura

Por Carolina Ribeiro, Fernanda Thedim Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 15 ago 2025, 19h02 - Publicado em 15 ago 2025, 06h00
Braços Abertos: entorno do Cristo Redentor tem novo capítulo da disputa entre Governo Federal e Arquidiocese
Braços Abertos: entorno do Cristo Redentor tem novo capítulo da disputa entre Governo Federal e Arquidiocese (Leo Lemos/Veja Rio)
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A mais famosa estátua do Brasil, um monumento art déco de 38 metros de altura e braços abertos sobre a Guanabara, atraiu em 2024 público recorde de 2,3 milhões de pessoas. Para alcançar o topo do cartão-postal, cada visitante desembolsou de 58 a 185 reais, a depender do meio de transporte escolhido até chegar à bilheteria a pé, de trem ou em vans com condutores credenciados. O que poucos sabem é que, por trás da vista incomparável, que proporciona os mais lindos cliques lá de cima, se desenrola uma disputa daquelas. De um lado, está a Arquidiocese do Rio de Janeiro, guardiã do Cristo Redentor e da capela aos seus pés e, do outro, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, o ICMBio, responsável pela gestão federal do Parque Nacional da Tijuca há quase duas décadas, quando instituiu regras de acesso, transporte e exploração comercial. No centro da contenda, o controle de uma área de 6 700 metros quadrados, onde se localiza a estátua e toda a estrutura no entorno, mais conhecida como Alto Corcovado. Visto sob uma moldura mais ampla, trata-se de um quinhão mínimo do parque, equivalente a 0,02% de sua área total, mas recheado de interesses e cobiçado pelas polpudas cifras que giram por lá.

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A tensão ganhou novo capítulo em junho, com a decisão da juíza Maria Alice Paim Lyard, da 21ª Vara Federal, que atiçou a polêmica ao reafirmar, após um arrastado processo, que o pedaço em volta da estátua pertence à União. “Apesar de haver construído o monumento do Cristo Redentor sem ajuda do poder público, a Igreja não detém nenhum direito sobre o terreno em que foi erguida a estátua, pedestal e capela”, sentenciou a magistrada na ação movida pelo ICMBio em 2020, pedindo a reintegração de posse das lojas do complexo do Alto Corcovado, antes alugadas diretamente pela cúria aos comerciantes. É verdade que essa situação já havia mudado desde 2021, com a tomada de posse do ICMBio, através de uma liminar, mas os lojistas, que perderam o espaço, nunca deixaram de brigar para reavê- lo. “Entramos como terceiro interessado para a manutenção dos lojistas, mas a juíza em primeira instância entendeu que as lojas não fazem parte do santuário”, argumenta Claudine Milione, diretora jurídica da Mitra. “Para a gente, essa decisão era muito clara. Está tudo documentado. O que muda é que agora temos uma maior segurança jurídica para utilizar os recursos públicos na modernização da infraestrutura. Uma dessas lojas, por exemplo, dará lugar a um banheiro com acessibilidade”, afirma Viviane Lasmar, chefe do Parque Nacional da Tijuca. Ainda cabe recurso, mas o clima no ICMBio após a batida do martelo judicial era de final da Copa do Mundo com vitória para o órgão ambiental.

Alto Corcovado: equipe de reportagem visitou local e conferiu os principais pontos do embate
Alto Corcovado: equipe de reportagem visitou local e conferiu os principais pontos do embate (Leo Lemos/Veja Rio)

O reconhecimento da posse pelo órgão federal colide com três projetos de lei em tramitação em Brasília. Dois deles, apresentados em 2024 por parlamentares fluminenses entre eles os senadores Carlos Portinho, Flávio Bolsonaro e Romário, todos do PL, e o ex-deputado federal Washington Quaquá, do PT, atual prefeito de Maricá , buscam ampliar os poderes da Igreja sobre as cercanias do Cristo e, como desdobramento natural, sobre os vultosos dividendos gerados com a lucrativa bilheteria. No ano passado, foram arrecadados 137 milhões de reais. A maior fatia do generoso bolo ficou com as concessionárias responsáveis pelo transporte de trens e vans. O ICMBio recebeu 40 milhões, que irrigam os cofres do Sistema Nacional de Unidades de Conservação e dão um gás à gestão de 75 parques nacionais. Já a Igreja contabilizou 11,4 milhões de reais, a partir de um acordo que garante à Mitra 6 reais por ingresso vendido. A verba, segundo a entidade, cobre as despesas de manutenção da estátua. Mas a cúpula católica quer mais e pede para que esse valor passe para 10 reais. O ICMBio cobra uma prestação de contas para justificar o aumento.

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Cifras polpudas: Cristo Redentor em números (Reprodução/Veja Rio)

Os textos na fila de votação preveem recortar a área do platô do Cristo do Parque Nacional e transferi-lo para a Mitra Arquiepiscopal, concedendo à Igreja liberdade para gerir o lugar sem “amarras burocráticas”. “Espero que ainda este ano a gente avance no plenário. Se houver necessidade de junção dos projetos para maior rapidez, não haverá problema”, diz Portinho, aventando uma possível articulação na arena política. A campanha pelo lado episcopal envereda ainda por outras frentes. Em carta endereçada a Geraldo Alckmin, em agosto de 2024, o padre Omar Raposo, reitor do Santuário Cristo Redentor, anexou fotos que mostravam o “estado de degradação das estruturas do maior ponto turístico do Brasil” e pediu que o vice-presidente intercedesse “para que se encontre uma solução capaz de desafetar a área conhecida como Alto Corcovado através da redefinição dos limites da Unidade de Conservação”. Em julho, o sacerdote fraturou sete costelas após capotar em uma van na Venezuela e está em recuperação. Procurado por VEJA RIO, ele respondeu por mensagem: “Apresentei com clareza minhas preocupações em relação à precariedade da infraestrutura local”.

CPIMJAE – CPI da Manipulação de Jogos e Apostas Esportivas
Em votação: projeto de lei de Carlos Portinho prevê transferência na gestão do Alto Corcovado (Pedro França/Divulgação)

Em meio ao enrosco, a municipalização do Alto Corcovado também entrou em debate, com uma proposta do deputado federal Pedro Paulo (PSD-RJ), em março, de transferir toda a administração do Parque Nacional da Tijuca para a prefeitura. O projeto de lei, que aguarda o parecer da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados, foi protocolado três dias após a morte do turista Jorge Alex Duarte, de 54 anos, vítima de um infarto nas escadarias do Cristo. O posto de primeiros socorros estava fechado, e o enfermeiro demorou a chegar. O ICMBio atribuiu a falha à concessionária Trem do Corcovado. No contrato firmado com a empresa, vigente desde 2014 por vinte anos, é dela a responsabilidade de manter em funcionamento o posto de atendimento emergencial que deve permanecer aberto durante todo o horário de visitação, com uma equipe mínima de dois socorristas. Desde então, como medida adicional, uma ambulância com UTI móvel foi instalada no local pelo próprio órgão ambiental, que arca com a despesa de 100 000 reais por mês.

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A visita mais recente da reportagem ao Cristo expôs uma sequência de falhas que escancaram o resultado do jogo de empurra na gestão do monumento. O banheiro feminino exalava mau cheiro, enquanto uma visitante se queixava até mesmo da falta de sabão para lavar as mãos. Para frustração dos turistas, não havia sinal de internet no alto, o primeiro bebedouro para quem vai encarar a sequência de degraus estava lacrado com fita amarela e preta, a escada rolante que desce do platô parou de funcionar por alguns minutos, e o posto de saúde encontrava-se fechado no horário de almoço do enfermeiro. “A manutenção dos serviços operacionais é de responsabilidade do Trem do Corcovado, e a infraestrutura cabe ao parque”, esclarece Viviane Lasmar. “Infelizmente, os banheiros são velhos e fora do padrão do que a principal atração turística do Rio deveria ter”, lamenta Sávio Neves, presidente da concessionária à frente do transporte sobre trilhos, que também defende a transferência do Alto Corcovado para a Igreja. “Existe um mau entendimento de que a Mitra pretende privatizar o Cristo. O que está sendo discutido é a gestão do monumento. Todos os lugares dos quais a Igreja toma conta são bem cuidados. Acesso, segurança e conforto funcionam bem”, garante.

Apesar de reclamar da “vexaminosa qualidade das instalações”, a Mitra também deixa a desejar naquilo que lhe compete, descuido que salta aos olhos de quem visita a estátua. Na Capela Nossa Senhora Aparecida, um funcionário guardava vassouras em um armário de portas escancaradas em pleno horário de visitação, e um tapete vermelho estava enrolado debaixo do altar. No platô, pilhas de cadeiras ocupavam a área destinada ao público. Ali, três fotógrafas ligadas ao Santuário Cristo Redentor abordavam turistas oferecendo um pacote de sete fotos digitais a 150 reais serviço promovido em um quiosque de vidro instalado pelo santuário sem autorização em frente às escadas rolantes. Próximo aos banheiros, uma sala “emprestada” pelo órgão federal durante uma campanha de arrecadação de agasalhos foi transformada, em 2024, numa capela adaptada com urna para arrecadação de dinheiro. Ali, uma mulher às lágrimas rezava ajoelhada. Outra prática questionada pelo ICMBio, mas já incorporada à rotina, é a bênção do padre Damasceno no horário de abertura do parque, tumultuando o desembarque dos elevadores. O sacerdote vive em uma modesta casa paroquial próxima à encosta da estátua.

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Rave Católica: evento do Padre Guilherme no Alto Corcovado teve música eletrônica e efeitos especiais (Reprodução/Instagram)
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Nos últimos meses, o Cristo Redentor tem sido iluminado como nunca e não apenas por motivos religiosos. Em julho, foi tingido com tons de laranja para marcar o dia mundial do TDAH. Na semana passada, fez-se lilás, em apoio ao enfrentamento da violência contra a mulher e, na próxima terça (19), irá se colorir de vermelho, em referência ao Dia Nacional de Luta da População em Situação de Rua. Na agenda de celebrações, o ano passado somou 1028 batizados, 112 casamentos e 860 missas. Mas, camufladas entre causas nobres e ritos católicos, multiplicam-se atrações como uma certa “rave católica”, encabeçada por um padre português, com música e efeitos especiais, em janeiro, que viralizou na internet, além de desfile de moda, corrida de rua e até café da manhã no nascer do sol este último a 1 400 reais por pessoa. De acordo com documentos obtidos por VEJA RIO, os contratos firmados com a Igreja chegam a 150 000 reais por evento. “Já vimos shows de pagode, formaturas e uma série de eventos que não se configuram como atividade religiosa. Eu brinco com o padre Omar que o templo não pode virar uma grande micareta”, enfatiza a secretária municipal de Meio Ambiente e Clima, Tainá de Paula.

De olho: secretária municipal de Meio Ambiente, Tainá de Paula, diz que templo não pode virar micareta
De olho: secretária municipal de Meio Ambiente, Tainá de Paula, diz que templo não pode virar micareta (Reprodução/Instagram)

Um reajuste no termo de compromisso entre a Mitra e o ICMBio, em 2022, conferiu passe livre à Igreja para a realização de atividades fora do horário de visitação, das 7h às 19h. A Mitra afirma que a arrecadação é direcionada a projetos sociais e ambientais da cúria. “Trata-se de uma instituição privada que não tem de prestar contas, já que não recebe dinheiro público. Os balanços são publicados em Diário Oficial porque a Mitra é uma instituição de assistência social que preza pela transparência”, argumenta Claudine Milione, a diretora jurídica. Enquanto um lado aponta o descaso com a conservação da estrutura, o outro reclama de ocupações irregulares e desrespeito ao patrimônio, que é tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) desde 2009. Em abril, o órgão realizou por lá uma vistoria e encaminhou um relatório apontando instalações elétricas irregulares, um andaime ocupando espaço no platô e pontos de hidratação mal posicionados. Alguns foram resolvidos, mas a lista segue com vários pontos em aberto. Consultado pela reportagem, o Iphan informou que “até o momento a equipe técnica não verificou a necessidade de autuação, visto que os diálogos acerca das ações necessárias transcorrem normalmente”.

Meio Ambiente: reunião em maio reuniu Marina Silva e Padre Omar com promessa de melhorar diálogo
Meio Ambiente: reunião em maio reuniu Marina Silva e Padre Omar com promessa de melhorar diálogo (Guilherme Silva/Divulgação)
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Na última semana, uma cúpula formada pela secretária Tainá de Paula, o prefeito, Eduardo Paes, o presidente do ICMBio, Mauro Pires, e a chefe do Parque Nacional da Tijuca, Viviane Lasmar, se reuniu em tom cordial para discutir um modelo de cogestão para o complexo. A expectativa é de que até o fim do ano seja selado um acordo de colaboração para que a prefeitura atue na melhoria do acesso das estradas, por exemplo, e o ICMBio mantenha a gestão e conservação ambiental. “Faz parte da nossa expertise olhar para a atividade turística de forma a buscar melhorias o tempo todo”, argumenta a chefe do parque. A secretária mantém a interlocução com a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, que anunciou investimento de 75 milhões de reais para melhorias na área. O plano inclui a substituição de elevadores, instalação de novas escadas rolantes com plano inclinado, reforma de banheiros e reforços estruturais. As obras estão sendo realizadas em fases, com a primeira já em andamento. Na segunda etapa, o projeto elaborado pelo escritório Prochnik Arquitetura prevê a construção de um espaço de alimentação e um novo mirante com vista panorâmica, onde hoje ficam as lojas sob disputa judicial. A expectativa dos órgãos federais é de que a parte superior do Corcovado esteja totalmente revitalizada até o verão de 2027.

Projeto de revitalização
Projeto de revitalização: Marina Silva anunciou investimento de 75 milhões de reais (ICMBio/Divulgação)

Símbolo nacional e uma das sete maravilhas do mundo moderno, o Cristo Redentor começou a ser idealizado no fim do século XIX, mas só saiu das pranchetas nos anos 1920, por meio de uma campanha de arrecadação promovida pela arquidiocese. A estátua, projetada por Heitor da Silva Costa (1873-1947) com colaboração do artista Carlos Oswald (1882-1971) e execução do escultor francês Paul Landowski (1875-1961), foi inaugurada em 12 de outubro de 1931. De lá para cá, passou de ícone religioso a cartão-postal de envergadura global. Em meio a leis, projetos, ofícios, contratos e decisões judiciais, a ministra Marina Silva se reuniu com o padre Omar, no fim de maio, reiterando a intenção de melhorar o diálogo e reforçar a parceria institucional. A disputa, no entanto, ganhou um novo capítulo agora e segue aberta em Brasília, nos bastidores e no topo da montanha. Do Alto Corcovado, o Cristo Redentor continua a tudo testemunhar, sempre de braços bem abertos.

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