Uma grife à beira do abismo

Conhecida por suas roupas elegantes e preços elevados, a marca Andrea Saletto afunda em meio a processos trabalhistas e tributários, além de ter dívidas estimadas em mais de 3 milhões de reais

Por Carla Knoplech
Atualizado em 5 jun 2017, 14h34 - Publicado em 25 abr 2012, 19h48
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Perfil

Andrea Saletto

Idade: 59 anos

Naturalidade: Rio de Janeiro (RJ)

Formação: é arquiteta, mas atua como estilista há 35 anos

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Família: viúva do empresário

Hélio Meira

de Vasconcelos,

tem duas filhas

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Raros estilistas brasileiros con­seguiram reunir tantos predicados como a carioca Andrea Saletto. Por quase três décadas, sua assinatura é sinônimo de qualidade e elegância entre mulheres bem-sucedidas. Sua lista de clientes inclui a atriz Maitê Proença e as jornalistas Gloria Maria e Marília Gabriela. Nos últimos anos, no entanto, tal imagem começou a se desintegrar em meio a uma barafunda de dívidas, despejos e disputas judiciais. As roupas ainda estão à venda no Fashion Mall, na única loja que sobrou de uma rede que chegou a ter catorze unidades espalhadas por Rio, São Paulo e Curitiba. Mas os adesivos na vitrine oferecendo descontos de até 70% nas peças, cinco processos no Tribunal de Justiça do Rio, dez no Tribunal Regional do Trabalho, cinco na Justiça Federal e um rombo nas contas estimado em mais de 3 milhões de reais deixam claro que a marca passa por uma fase para lá de crítica. ?Nunca vivi um momento como este. Estou tentando me reerguer e pagar salários atrasados, mas está cada vez mais difícil?, disse Andrea em uma curta entrevista por telefone a VEJA RIO.

A estilista não é a única a passar por dificuldades. As pessoas que trabalham – ou trabalharam – para sua grife têm sofrido na pele as consequências dramáticas da derrocada. Desde o início do ano passado, vários dos acordos trabalhistas têm sido sistematicamente descumpridos, da mesma forma que deixaram de ser recolhidos os impostos e contribuições previdenciárias. Cristina Ourivio tinha vinte anos de casa quando se afastou do comando da fábrica em 2009. Com uma indenização de 80?000 reais por receber, foi obrigada a recorrer à Justiça do Trabalho para fechar um acordo em que o pagamento seria efetuado em quarenta parcelas. Por treze meses, o acerto foi cumprido à risca, até que, em setembro do ano passado, os depósitos pararam de ser feitos. ?A situação já era crítica quando eu trabalhava lá. Eu tinha de escolher a quem ia pagar a cada mês. Não entendo como uma empresa assim continua a funcionar?, afirma ela. Outra funcionária, a ex-gerente Mônica Macedo deixou o cargo em 2010 e se viu metida em uma enrascada que beira o surreal. Fiadora da extinta loja do Rio Design Leblon, ela recebeu há três meses a notícia de que devia 267?000 reais ao shopping. Intimada por um oficial de Justiça, teve três dias para pagar a conta, sob pena de ver penhorado seu único imóvel – o apartamento onde mora, em Ipanema. Mônica pediu empréstimos, quitou a dívida (com um desconto de 100?000 reais) e agora se prepara para cobrar o prejuízo da ex-patroa. ?Foi a maior decepção de toda a minha vida?, lamenta.

Às vésperas de completar 60 anos, Andrea Saletto sempre foi conhecida como empresária dedicada. Para não perder tempo, convocava sua manicure à oficina que mantinha em Botafogo, que chegou a empregar 100 costureiras. Em 2002, quando a grife vivia seu auge, expandiu os negócios para uma segunda marca, a Permanente, com modelos vendidos a preços mais baixos e comercializados em dois pontos, na Barra e na Gávea. Paralelamente, foi criada uma terceira ramificação, a AS, uma versão mais despojada da grife-mãe. A diversificação acabou se revelando um erro estratégico. Com seu alto custo, a Permanente se mostrou incompatível com a proposta mais popular ? e não se pagava. Para piorar, a AS nem sequer chegou a se firmar no mercado. Em 2008, os prejuízos com as aventuras minaram o negócio principal.

A crise pela qual passa a marca é mais um exemplo dos riscos a que está sujeito quem cria ou vende moda no Rio. Nem sempre o talento que se revela nos croquis se reproduz nas planilhas contábeis. Há dois anos, a Mara Mac sofreu uma barulhenta devassa nas contas promovida por fiscais da Secretaria Estadual da Fazenda sob a acusação de sonegação de impostos. Em 2004, outra grife famosa, a Alice Tapajós, soçobrou em meio a um escândalo que envolvia laranjas, falsificação de documentos e fraudes. ?Muitos estilistas não percebem que há uma enorme diferença entre fazer moda e dirigir uma empresa do ramo. As marcas só se tornam sólidas com um bom plano de negócios por trás?, diz o consultor Luiz Antonio Secco. É bom lembrar que nenhum criador é obrigado a ter destreza com números. Basta contratar um administrador competente.

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Do glamour à crise

Criadora de peças arrojadas e sofisticadas, a estilista enfrenta dificuldades desde 2008

1983: Andrea lança a primeira loja com o seu nome na Gávea. Aos 25 anos, desponta em meio a um cenário efervescente da moda carioca, com uma proposta autoral que desafia a supremacia das confecções industriais

1990: Firma-se no mercado do Rio e torna-se referência de qualidade e bom gosto, com duas lojas de varejo na Zona Sul e uma terceira filial em São Paulo. Também passa a ser revendida em multimarcas de todo o país

1999: Lança uma nova linha de produtos, a Permanente, com uma proposta mais popular e unidades na Gávea e na Barra da Tijuca

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2002: É o auge da marca, com catorze lojas espalhadas pelo Brasil. A linha Permanente começa a ser vendida na Galeries Lafayette, em Paris

2008: Começam os problemas financeiros. É fechado o ponto de maior faturamento, no MorumbiShopping, em São Paulo. A Permanente perde as unidades próprias e a marca passa a ser vendida nas lojas Andrea Saletto

2010: É o momento mais crítico da grife. Com aluguéis e salários atrasados, funcionários começam a deixar a empresa e lojas são fechadas

2012: A marca mantém apenas uma loja, no São Conrado Fashion Mall, e sua proprietária acumula processos cíveis, trabalhistas e tributários, tanto na Justiça estadual quanto na federal. As dívidas ultrapassam 3 milhões de reais

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