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Museologia de Terreiro: acervo Nosso Sagrado busca abrir caminhos

Mais de 500 peças apreendidas em centros de umbanda e candomblé aguardam data de exposição em meio a mudança de gestão do Museu da República

Por Paula Autran
3 out 2025, 06h01
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Mãe Meninazinha de Oxum e o curador Marco Antônio Teobaldo: em compasso de espera por reparação histórica  (Alex Ferro/Divulgação)
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No dia 8 de outubro de 1934, policiais deram uma batida nos fundos de um modesto imóvel na Rua Araújo Leitão, no Engenho Novo, onde funcionava o Centro Espírita Nossa Senhora da Conceição e São Jorge. Era uma ação de rotina pois, à época, a ordem era perseguir lideranças religiosas sob acusações de curandeirismo, espiritismo e exercício ilegal da medicina. Naquela ocasião, além de prender Mãe Luzia Cardoso, de 29 anos, os agentes confiscaram objetos sagrados, como uma imagem de Exu Ijelu, também conhecido como Caboclo Lalu. Esta é uma das 519 peças apreendidas em terreiros de umbanda e candomblé fluminenses entre 1890 e 1946. O conjunto ficou esquecido por décadas no Museu da Polícia Civil, no Centro, em caixas identificadas como Coleção de Magia Negra. Em 2017,
religiosos e comunidades tradicionais de matriz africana lançaram a campanha Liberte Nosso Sagrado e, três anos depois, o acervo chegou ao Museu da República, mas até hoje não foi exposto em sua totalidade. “É um direito de todos conhecê-lo”, afirma a iyalorixá Mãe Meninazinha de Oxum, de 88 anos, que desde o final da década de 1960 denuncia as violações de direitos que resultaram nas apreensões.

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Exu Ijelu: também conhecido como Caboclo Lalu, pertencia ao Centro Espírita Nossa Senhora da Conceição e São Jorge e foi confiscada em batida policial em 1934 (Oscar Liberal/Divulgação)

Essa luta quase centenária se tornou símbolo de uma nascente museologia de terreiro, abrindo as portas para um aspecto da cultura brasileira ainda ignorado por boa parte da população. Já faz sete anos desde que a iyalorixá procurou o museólogo Mário Chagas, então diretor do Museu da República e referência na chamada museologia social, em busca de apoio. Defensor da ideia de que os centros culturais devem ser ferramentas participativas e de uso comunitário, ele topou receber as peças, impondo a condição de que a guarda do patrimônio ó com 126 itens tombados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) desde 1938 ó fosse compartilhada com o grupo de religiosos. “Expliquei que deveria ser assim não só por sermos democratas, mas por sermos ignorantes no assunto”, conta Chagas, ciente de que se tratava de uma reparação cultural e histórica.

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Riqueza cultural: das 519 peças apreendidas em terreiros do Rio entre 1890 e 1946, 126 são tombadas pelo Iphan (Oscar Liberal/Divulgação)

Com o aval das entidades, o primeiro passo foi rebatizar a coleção de Nosso Sagrado, como pregava a vontade de Mãe Meninazinha. A mudança do nome foi oficializada pelo Iphan em março de 2023. “Ainda perguntei se não acrescentaria ‘afrobrasileiroí, mas ela respondeu: ‘Não é só do Povo do Axé, é do Brasilí”, rememora Chagas, observando que se tratam de bens que interessam inclusive aos ateus. Uma vez na instituição do Catete, as peças passaram por um processo de higienização e viraram objeto de pesquisa e conservação, sob orientação de líderes religiosos, de um grupo de museólogos da UniRio, onde Chagas dirige a Escola de Museologia. Além disso, um dossiê está sendo finalizado para permitir o tombamento do resto dos exemplares. Só faltava a exposição da totalidade do acervo, marcada para setembro do ano passado. Dois meses antes, porém, Mário Chagas foi exonerado e a mostra nunca aconteceu. “A parede já está até pintada e o projeto expositivo, pronto”, alega o curador Marco Antônio Teobaldo, filho de Santo de Mãe Meninazinha e responsável por cunhar o termo museologia de terreiro, numa dissertação de mestrado que mapeou 26 centros culturais em espaços como esse no Brasil. “Estamos a ponto de fazer uma nova campanha de libertação. A reparação histórica só se conclui com a exposição”, defende o ex-diretor do Museu da República.

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Nosso Sagrado: coleção ficou esquecida por décadas em caixas identificadas como Coleção de Magia Negra no Museu da Polícia Civil (Oscar Liberal/Divulgação)

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Na tentativa de entender o porquê da demora e saber quando a exposição acontece, a defensoria Pública da União oficiou o Instituto Brasileiro de Museus (Ibram). “São provas de crimes que viraram acervo por serem fruto de violência”, avalia a defensora pública federal Natália von Rondow. “O Estado ainda detém muitas dessas peças, que
contém Orixás. Reparar é mais do que devolver”, reforça ela, citando coleções em situação semelhante em Alagoas, Pernambuco e Bahia. Segundo o Museu da República, não há perspectiva de abertura da exposição. “Com a mudança de gestão em agosto de 2024, verificou-se que não havia orçamento disponível para todos os serviços necessários de montagem e produção, nem tempo hábil para viabilizá-la”, explica em nota a diretora substituta Ana Cecília Lima SantíAna. Fechado desde fevereiro para uma análise estrutural e consequente reforma, o prédio que foi sede da presidência teve apenas o primeiro piso reaberto ao público, em julho. A previsão é de que o Nosso Sagrado seja exposto no segundo andar. “A gestão atual tem o compromisso de realizar a exposição tão logo o Palácio do Catete reúna as condições necessárias para recebê-la”, afirma Ana Cecília. Que os Orixás ajudem.

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Acervo Nosso Sagrado: importante não só para o Povo do Axé (Oscar Liberal/Divulgação)

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Passado revisto
Instituições culturais
dedicadas à história negra (Arte/Veja Rio)

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