O que dizem as cores do vinho
O exame visual de um vinho pode nos revelar muito sobre ele, antes mesmo que sintamos seus aromas ou sabores
O exame visual de um vinho pode nos dizer muito sobre ele, antes mesmo que sintamos seus aromas ou sabores. A aparência nos informa sobre idade, sanidade, corpo, viscosidade, acidez, efervescência, adstringência, teor alcoólico, tipo de uva que o compõe (se de cascas grossas ou finas, se muito maduras ou ainda verdes). Sugere, também, se a safra foi ensolarada ou chuvosa, ou se veio de uma região próxima ou distante do Equador, se foi elaborado a frio ou a temperaturas maiores, ou mesmo se teve ou não amadurecimento em barris de madeira. Informações sobre todas estas características da bebida podem ser obtidas com um olhar atento, antes de serem confirmadas no nariz e na boca.
Para proceder ao exame visual, o ideal é inclinar a taça contra um fundo branco. No centro do recipiente analisamos a tonalidade; nas bordas, os reflexos. No que chamamos de “unha”, limite do líquido inclinado na taça, sempre incolor, podemos observar que quanto maior o halo aquoso, mais envelhecido será o fermentado.
Ao girar o líquido no copo, podemos avaliar sua viscosidade ou fluidez, que é uma boa indicação de corpo, peso e, sobretudo, teor alcoólico. Formam-se que chamamos arquetes, lágrimas ou pernas, pequenos arcos de líquido que escorre pelas paredes do vidro. Quanto mais um vinho “chora”, ou mais numerosas e finas são suas “pernas”, mais álcool ele conterá. Quanto mais lentamente escorrerem estas “lágrimas”, mais densa será a bebida.
Convencionalmente, dividem-se os vinhos em tintos, brancos e rosados, sendo os últimos, muitas vezes, considerados um caso particular dos tintos.
Estudamos as cores quanto à tonalidade, intensidade (claro, escuro) e brilho ou vivacidade. Normalmente, quanto mais escuro, mais encorpado. Quanto mais brilhante, mais ácido e jovem. Quanto mais esmaecido, mais velho e menos ácido. Os brancos escurecem com o tempo, enquanto os tintos clareiam. Com a idade, a cor de tintos e brancos convergem, encontrando-se no âmbar, quase marrom. Pode ser difícil distinguir, em um vinho de mais de 50 anos, por exemplo, se ele foi tinto ou branco.
O branco, que deveria ser chamado de vinho amarelo, varia entre vários tons desta cor. O amarelo assume também, na simbologia moderna, a representação de atenção, como nos sinais de trânsito. Numa análise cultural, os vinhos brancos evocam o sol e inspiram alegria e calor, simbolizam a tropicalidade e a fertilidade feminina. Brancos muito jovens têm reflexos esverdeados e grande brilho. O verde ocupa posição central no espectro eletromagnético, onde a retina encontra seu ponto de maior repouso. É a cor de maior passividade, menos agressiva; simboliza a natureza, a imortalidade, o jogo e o dinheiro. Os brancos mais velhos ou de sobremesa, por outro lado, evocam o ouro e o fruto maduro.
A cor dos vinhos brancos evolui da seguinte maneira:
Amarelo-esverdeado: Muito jovens, ligeiros, frescos e brilhantes. Têm equilíbrio acidezmaciez, tendendo para o primeiro. São normalmente obtidos a partir de uvas colhidas pouco antes de sua completa maturação e que sofreram processos como filtração, clarificação etc. Os reflexos verdes tendem a diminuir depois do primeiro ano de vida.
Amarelo-palha: Tonalidade dos brancos jovens que têm a balança acidez-maciez bem equilibrada. Obtidos a partir de uvas colhidas em plena maturação, que apresentam boa concentração de açúcar.
Amarelo-dourado: Vinhos com o equilíbrio acidezmaciez tendendo à maciez. Provém, via de regra, de uvas bem maduras. Essa coloração pode também ser obtida de várias maneiras como a maturação em barris de carvalho. O amarelodourado, se privado de brilho, pode indicar oxidação.
Amarelo-âmbar: Têm um equilíbrio acidez-maciez favorável à maciez. São feitos habitualmente com técnicas que produzem vinhos licorosos ou passificados. Pode significar aspecto negativo nos secos.
A cor dos tintos varia a partir do vermelho, do violáceo ao âmbar. O vermelho, tom das vestes de Baco, é arquetípico. Na física da luz está no limite do visível, derivando daí a agressividade de caráter instintivo, que, somada à sua identificação com o elemento mitológico fogo, faz com que também seja repleto de códigos culturais. O prostíbulo é a casa da luz vermelha, cor também do sangue de Cristo, da provocação nas touradas, da maçã do paraíso, da paixão, do coração, da pimenta. Fica-se rubro de vergonha, há o glamour do tapete encarnado e, no futebol, o dissabor do cartão vermelho.
Os tintos muito jovens tendem ao púrpura, cor associada às túnicas dos cardeais e, portanto, à autoridade e à seriedade. Pode-se interpretar essa autoridade como arrogância nos tintos jovens, que se tornam mais humildes com a idade. O violeta dos vinhos jovens é também a cor de menor luminosidade e, por isso, a que exige menor esforço do olhar. Isso pode ser entendido como uma contraposição à complexidade e ao esforço que os tintos envelhecidos exigem do degustador.
Os tons dos vinhos tintos provêm de substâncias chamadas de antocianos, taninos e leuco-antocianos. Os primeiros, responsáveis pela pigmentação azul-violácea, são efêmeros. Os taninos e leuco-antocianos, que são mais longevos, têm cores, respectivamente, rubi e amarela. Este é o motivo da mudança da cor dos tintos com a idade, os antocianos sofrem a ação do envelhecimento, causando perda dos tons violáceos e a primazia dos tons alaranjados.
Estas são as tonalidades que os vinhos tintos assumem ao longo de sua vida:
Vermelho-púrpura: Tintos muito jovens, que apresentam um equilíbrio acidez-tanicidade-maciez favorável aos dois primeiros.
Vermelho-rubi: Vinhos de jovem a pronto, com acidez-tanicidade-maciez em discreto equilíbrio.
Vermelho-granada: Vinhos que sofreram algum envelhecimento, cujo equilíbrio acidez-tanicidade- maciez tende ligeiramente ao último.
Vermelho alaranjado: Tintos que sofreram grande envelhecimento. Apresentam um equilíbrio acidez-tanicidade-maciez favorável ao último. Essa tonalidade pode ser considerada negativa se encontrada em vinhos jovens.
Em nossa cultura, o rosa é a cor da feminilidade, da ingenuidade infantil e do amor fraternal. Tem um efeito ao mesmo tempo tranqüilizador e tonificador. Nos vinhos, esta cor se traduz em bebidas alegres e sem compromisso ou, no caso dos espumantes, evoca certa classe e nobreza. Os rosados são obtidos de três maneiras possíveis: a partir de uvas com pouca matéria colorante (Pinot Grigio, Gamay, Grignolino etc), de misturas de uvas tintas e brancas, ou de uvas tintas parcialmente maceradas.
As tonalidades que os rosados podem assumir ao longo de sua vida são:
Rosado ou rosa tênue: Termo usado para descrever vinhos rosados com tonalidade que lembra a flor do pêssego. Por ser obtido de uvas tintas pouco maceradas, assumirá, na juventude, reflexos violáceos. Também pode ser obtido de uvas com pouca cor, como a Pinot Grigio e, neste caso, terá normalmente reflexos que lembrarão a cor das cascas da cebola.
Cereja: Apresentam tonalidades que lembram esta fruta. Os reflexos podem ir do violáceo ao alaranjado, determinando o grau de maturidade do vinho analisado.
Clarete: Está no limite entre rosado e tinto, podendo muitas vezes ser definido como um vinho tinto com pouca intensidade de cor. Este tipo de vinho normalmente tem boa vivacidade de cor, com reflexos violeta no primeiro ano de vida, evoluindo para alaranjado e perdendo frescor após dois anos da produção.
É preciso dizer que as tonalidades aqui relacionadas são só uma convenção, podendo ser infinitamente subdivididas, com diferentes graus de intensidade e variados reflexos. Como disse Goethe, “as cores são ações e paixões da luz”. Portanto, podem-se obter cores diferentes e igualmente belas, degustando- se à luz do dia ou de velas.