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Por Rita Fernandes, jornalista
Um olhar sobre a cultura e o carnaval carioca
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Vem pro Bola, meu bem!

O mais antigo bloco de rua do Rio pede ajuda para seus músicos, parados desde o início da pandemia, e lança campanha solidária de financiamento coletivo

Por Rita Fernandes
10 nov 2020, 16h10

Quando a gente fala de carnaval no Rio de Janeiro, a primeira imagem que vem é a do Cordão da Bola Preta, nosso bloco centenário. Ir ao Bola não é somente ir a um desfile de carnaval de rua, é uma experiência completa. Quem é habitué sabe do que estou falando. Ir ao Bola começa com a escolha da fantasia. Reza a tradição que a gente tem que vestir algo branco com bolinhas pretas. Por isso, proliferam vestidos, camisas, sarongues, túnicas e um universo diverso de fantasias com o tecido tradicional do bloco, fundado pelo Caveirinha e seus amigos em 31 de dezembro de 1918.

Depois da fantasia, vem o desfile propriamente dito. Mas o curioso é que “ir ao Bola Preta” não significa necessariamente entrar na muvuca, enfrentar aquela multidão de mais de 1 milhão de pessoas. Você até pode se aventurar lá na meiuca, mas pode também ficar nas bordas tentando sobreviver ao furdunço. Pode, ainda, se plantar em dos muitos bares, quiosques ou tendas que vão se espalhando pela região do Centro e nem ver o bloco passar. Não importa, tudo isso faz parte dessa experiência chamada Cordão da Bola Preta.

Quando o desfile era na Avenida Rio Branco, lugar de origem do bloco, aí mesmo que é o território do Bola se espalhava de ponta a ponta ao longo da avenida, da Candelária à Cinelândia, onde ficava a antiga sede e se dava a saída do Cordão. Nas ruas do entorno – Carioca, Sete de Setembro, Ouvidor, Rosário, Alfândega – a multidão ia se espalhando e tomando lugar aqui e ali. Nosso ponto de encontro, depois das delicias de percorrer as ruas e ver aquela gente toda fantasiada, era sentar no Bar Luiz, na Rua da Carioca. Ali se encontrava o pessoal do Simpatia, do Suvaco, do Barbas, do Bloco de Segunda e de outros que começavam a fazer carnaval de rua na cidade nas décadas de 1980 e 1990.

 

Hoje, quase 102 anos depois, o Bola pede socorro. Foi lançada no site Benfeitoria uma campanha solidária de financiamento coletivo para ajudar o Centro Cultural Cordão da Bola Preta e as famílias dos músicos, produtores e profissionais a pagar suas contas. A campanha chama “Vem pro Bola, meu bem” e a meta inicial é arrecadar 40 mil reais para ajudar os mais de 50 músicos que estão sem trabalho. Com a pandemia da Covid-19, todos os shows, apresentações e aluguel da sede para eventos foram cancelados e a situação ficou muito difícil para quem vivia daquele calendário que ocupava o ano todo.

Baile no Bola Preta nos anos 1930. (Arquivo do Bola Preta/Divulgação)

Resistência e tradição

O Cordão da Bola Preta é o mais antigo e importante cordão carioca, o único que sobreviveu até hoje. O bloco tornou-se o principal ícone do carnaval de rua carioca e disputa com o Galo da Madrugada, de Recife, o título de maior bloco do Brasil. Foi fundado por um grupo de amigos boêmios, entre eles Álvaro Gomes de Oliveira – o Kaveirinha –, Chico Brício, Eugênio Ferreira, João Torres e os três irmãos Oliveira Roxo, Jair, Joel e Arquimedes. O nome do bloco foi dado por Kaveirinha.

Pedro Ernesto, presidente do Bola há 13 anos, conta no meu livro “Meu Bloco na Rua” que, no carnaval de 1917, houve uma dissidência de um grupo de associados do tradicional Clube dos Democráticos, liderada pelo Kaveirinha e por Chico Brício. Entre chopes e conversas no Bar Nacional, que funcionava na Galeria Cruzeiro (atual Edifício Avenida Central, na Avenida Rio Branco), resolveram fundar um cordão, denominado ironicamente de “Só se bebe água” – a única bebida que não consumiam quando se reuniam.

O símbolo do grupo era um barril de chope com 18 torneiras (número de fundadores do cordão). Logo depois o nome seria trocado para “Cordão da Bola Preta” no episódio em homenagem à “linda mulher com vestido branco de bolas pretas”, que teria passado por ali e pela qual Caveirinha teria se apaixonado. Assim, o Cordão da Bola Preta surgiu no dia 31 de dezembro de 1918, curiosamente o mesmo ano em que a gripe espanhola assolou a cidade causando mais de 15 mil mortes.

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O bloco possui como hino uma das marchinhas mais conhecidas em todo o Brasil, a Marcha do Cordão da Bola Preta, famosa pelo verso “quem não chora, não mama, segura meu bem, a chupeta, lugar quente é na cama, ou então no Bola Preta”, composta por Nelson Barbosa e Vicente Paiva.

Nos últimos anos, o Bola Preta tem trazido em seu desfile muitos artistas famosos, como a atriz Leandra Leal, que desfila como porta-estandarte do bloco e a cantora Maria Rita, que é a madrinha. Leandra, inclusive, gravou um vídeo para ajudar na campanha.

A atriz Leandra Leal é porta-estandarte do bloco e está ajudando na campanha solidária para ajuda aos músicos do Cordão. (Arquivo do Bola Preta/Divulgação)

Carnaval 2021

Para completar a situação de crise, tudo indica que o Bola não vai fazer carnaval em 2021, acompanhando a decisão de várias e ligas e blocos, por causa da inexistência de condições seguras de saúde dentro do contexto da pandemia, como indicou o coordenador do Grupo de Trabalho Multidisciplinar para o Enfretamento do Coronavírus da UFRJ Roberto Medronho, em reunião recente. Para Pedro Ernesto, seria uma total irresponsabilidade colocar o bloco sem as condições necessárias de imunização da população, e isso ainda está longe de acontecer.

Caso essa situação permaneça, para o bloco ícone do Rio de Janeiro não será viável fazer carnaval no segundo semestre de 2021, e o melhor será mesmo adiar para uma grande celebração em 2022. “Temos que descolar nossa decisão da das escolas de samba, pois temos universos muitos diferentes. Eu gosto e frequento o sambódromo, mas a realidade do carnaval dos blocos e a das escolas é muito diferente”, diz Pedro, que torce para que tudo isso passe muito rapidamente.

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Quem puder contribuir com a campanha do Bola, basta acessar https://benfeitoria.com/vemprobolameubem .

Vamos lá, vamos ajudar a salvar o maior bloco do carnaval de rua do Brasil!

Rita Fernandes é jornalista, escritora, presidente da Sebastiana e pesquisadora de cultura e carnaval.

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