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Por Patrícia Lins e Silva, pedagoga
Educação
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Prêmio Nobel de Física, mas podia ser Filosofia, História, Inteligência…

O evento deste ano conta uma fábula sobre a busca da humanidade por entender os fenômenos do mundo

Por Patricia Lins e Silva Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
27 out 2020, 15h56

           Um dos ganhadores do prêmio Nobel de Física em 2020 é o matemático inglês, Sir Roger Penrose. Ao ler a notícia, lembrei-me de um dia – há alguns anos – em que entrei numa livraria toda enfeitada com exemplares de um livro escrito por ele, recém-lançado na época. O título do livro é “O Caminho para a Realidade: um guia completo para as leis do Universo”, na tradução livre que fiz de ‘The Road to Reality: a complete guide to the laws of the Universe’. Infelizmente, não encontrei o livro com tradução para o português.

               O autor me causava (e ainda causa) um certo sentimento reverencial, pela sua fama de matemático e de pensador, que lhe valeu o título de sir que recebeu da rainha da Inglaterra. O mundo matemático me atrai e assusta, com as abstrações fascinantes e misteriosas. Atrevo-me a propor que nosso pensamento se funda com dois eixos principais e um deles é o raciocínio logico-matemático. O outro, é a linguagem, a expressão do pensamento… Para pensar em profundidade, a linguagem e a lógica se unem para tramar um corpo consistente na construção de hipóteses, teses, teorias, argumentos, manifestações artísticas…

          Eu pretendia passar bem longe do livro de Penrose, mas a curiosidade venceu e peguei um exemplar. Só para ver o índice, pensei. Mas abri no prólogo. E fiquei presa ali mesmo, de pé, sem conseguir largar. Era tão lindo que me encostei numa estante e fui até o final. Do prólogo e não do livro.

         O prólogo de Penrose é sedutor. Conta uma historinha, uma fábula, sobre a busca da humanidade por entender o mundo, a curiosidade, o questionamento, a vontade de saber, o conhecimento científico, a superação de mitos.

          Tudo começa numa noite em que o principal artesão do rei, Am-Tep, acorda e uma luz entra pela janela, como se fosse o dia clareando. Mas não podia ser. O dia começava na janela do outro lado. Foi espiar e viu uma enorme coluna de fogo que subia do mar ao céu. Em cima da coluna uma fumaça escura começou a se espalhar e engolir as estrelas. Subitamente, o chão rugiu, tremeu e uma violenta lufada de ar derrubou Am-Tep. Caído, ouviu as cerâmicas que produzia com tanto esmero se espatifarem no chão. Ainda tonto do baque, perguntou-se que deus poderia estar tão zangado para provocar tanta destruição. Será que a pintura da ânfora que tinha terminado pela manhã não tinha agradado? Levantou-se e olhou para fora. Uma onda do tamanho de uma montanha veio na direção da pequena vila costeira onde morava e se jogou na praia e encobriu o vilarejo e tudo o mais que havia no caminho. Não atingiu a casa de Am-tep, que ficava um pouco afastada, em cima de um morro.

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           Pensou no palácio do rei e nos prováveis sacrifícios que seriam feitos para aplacar tal fúria. Para tanta devastação, temia a necessidade de sacrifício humano e sabia que um único não seria suficiente.

         Assim que possível, Am-tep dirigiu-se ao palácio, que continuava de pé numa elevação próxima e, de longe, viu um bando de jovens já reunidos para serem  sacrificados. Enquanto os sacerdotes iniciavam os ritos, um barulho ensurdecedor seguido de um tremor de terra muito mais potente do que o anterior, provocou o desabamento das paredes e teto do templo, provocando a morte de todos.

          O lugarejo ficou arrasado e levaria um bom tempo para se recuperar. Am-tep jurou ir embora e, logo que possível, embarcou com a família para outras terras. Uma noite, alguns dias de viagem depois, ele olha as estrelas, como sempre fazia. E vem à sua mente um pensamento novo, surpreendente e importante. Toda a destruição que tinha testemunhado não mudara em nada o padrão das estrelas. Nada se movera. Se a catástrofe não significava nada para os céus, como sua pintura num vaso teria relevância para os deuses? Sentiu-se tolo. Intrigado, perguntava-se sobre o que controlaria o comportamento do mundo, com forças que podiam ser tão violentas e inexplicáveis. O assunto era tema de conversa com seu neto, mas não encontravam respostas.

                Mais de mil anos se passam e vem o tempo de Amphos, artesão de jóias e descendente de Am-tep, que tinha herdado a mesma curiosidade sobre os fenômenos a seu redor. Conhecia bem a história da catástrofe, que atravessara todas as gerações da família. Amphos pensava que os eventos que destruíam cidades e justificavam sacrifícios humanos eram terríveis para os mortais, mas insignificantes para os céus. Deviam ser o resultado de forças poderosas, sem relação com as ações humanas. Mas não conseguia descobrir uma razão para os comportamentos da Natureza.

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             Uma noite, Amphos olhou o céu e tentou distinguir as formas dos heróis e heroínas nas constelações celestes. Achou as semelhanças pouco convincentes. Os arranjos das estrelas pareciam grãos de sementes jogados aleatoriamente por um mortal e não um projeto de deuses. Eles poderiam ter arrumado melhor as estrelas. E um pensamento diferente assomou à sua mente: talvez as razões não estivessem nos padrões específicos das estrelas ou de quaisquer arranjos dispersos de objetos; talvez existisse uma ordem universal mais profunda para explicar o comportamento das coisas em si. O significado não está no arranjo das sementes no solo, mas pode estar nas forças internas que controlam o crescimento de cada semente, de modo que cada uma delas siga essencialmente sempre o mesmo curso. Para tornar isso possível, as leis da natureza deveriam ter uma precisão extraordinária. Amphos convenceu-se de que só existe ordem no mundo se as leis internas forem precisas. E também deve haver precisão em nossa maneira de pensar sobre esses assuntos.

             Um dia, chegou a Amphos a notícia de um sábio que vivia longe, que não confiava nos ensinamentos e tradições do passado, que dizia que as crenças precisavam apresentar conclusões precisas a partir do uso da razão. A natureza dessa precisão tinha que ser matemática, dependente da noção de número e sua aplicação a formas geométricas. Assim, o número e a geometria é que governam o comportamento do mundo e não os mitos e as superstições. 

             Como fizera seu antepassado Am-tep, mais de um milênio antes, Amphos partiu pelo mar a caminho de Crotona, onde morava e estudava o sábio junto com sua irmandade de 571 homens e 28 mulheres.

         O nome do sábio era Pitágoras.

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         Esta história de Sir Roger Penrose é um bom ponto de partida para conversar com os jovens sobre a busca da humanidade pelo entendimento dos fenômenos do mundo, pelos ‘por quês’ das coisas, a curiosidade, a vontade de saber, o conhecimento científico, a matemática, a razão. É uma boa história para discutir a natureza humana, o sentido da vida e a coragem de procurar o caminho da realidade.

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