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Por Analice Gigliotti, Elizabeth Carneiro e Sabrina Presman
Psiquiatria
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Ataque em SC: importância da identificação precoce de transtornos mentais

Crime bárbaro põe em evidência a necessidade de perceber padrões de conduta e encaminhar para ajuda especializada

Por Analice Gigliotti
Atualizado em 13 Maio 2021, 12h59 - Publicado em 12 Maio 2021, 20h17

A pacata cidade de Saudades, em Santa Catarina, de apenas 10 mil habitantes, foi cenário de um crime bárbaro, que deixou a cidade atônita e chocou o Brasil: Fabiano Kipper, de 18 anos, invadiu uma escola e, a facadas, vitimou três crianças e dois adultos. A matança só não foi maior porque as professoras se trancaram nas salas e protegeram dezenas de bebês. Após os assassinatos, o rapaz tentou por fim à própria vida, sem sucesso.

Kipper poderia ser rotulado como um adolescente “comum”: cursava o Ensino Médio, trabalhava em uma empresa, onde era visto como solícito e competente, e fugia ao estereótipo do usuário de álcool e drogas, associado com mais frequência à atitudes violentas. À medida que se ampliam as informações sobre o rapaz, no entanto, o cenário se desenha mais crítico: ele foi descrito por conhecidos como “introspectivo”, sofria bullying na escola e, por isso, desejava abandonar os estudos. “Era aquele perfil de jovem que, infelizmente, vemos muito hoje: se tranca no quarto e ninguém sabe o que faz”, resumiu o delegado do caso.

A fala do delegado serve de alerta para a importância de se identificar precocemente os sinais de transtornos mentais. Ainda que não haja possibilidade de diagnosticar a condição da saúde mental Fabiano Kipper no momento do crime, havia muitos indícios de que algo não ia bem com o rapaz: Fabiano se isolou socialmente, tinha dificuldade na vida escolar e na dinâmica familiar, fatores que devem ser considerados e observados com atenção. E se todas estas condições já eram uma realidade até o surgimento do coronavírus, foram ainda mais acentuadas depois da pandemia: ele não andava mais de bicicleta com os amigos e abandonou as aulas online. Diante do desinteresse do jovem nos estudos, a diretora da escola sugeriu que Fabiano tivesse um acompanhamento psicológico. Quando comprou as facas que seriam usadas no crime, explicou à família, em tom de brincadeira, que usaria as ferramentas para maltratar animais. Apesar de nativo digital, não tinha celular ou perfil em nenhuma rede social de interação de jovens, como Facebook, Twitter ou Instagram. Portanto, havia fatos consideráveis de que Fabiano necessitava de acompanhamento médico.

Alguns sinais de que uma doença mental pode estar se iniciando são: tristeza ou irritabilidade duradouras; alternâncias de humor; medo, preocupação ou ansiedade excessivas; piora no desemprenho acadêmico, isolamento social e mudanças drásticas nos hábitos alimentares ou de sono. Professores carecem de treinamento para detectarem precocemente padrões de comportamento nos jovens; já pais e responsáveis precisam aumentar a consciência a respeito da necessidade de acompanhamento especializado, já que boa parte dos transtornos mentais tem início na adolescência. Muitas vezes os preconceitos que cercam as doenças mentais impedem o correto tratamento. Ainda que apenas uma minoria dos indivíduos com transtorno mental cometa crimes, é uma lástima que haja o estigma porque a consulta psiquiátrica, quando realizada no momento certo, pode salvar uma vida. Ou muitas, como se comprova no caso de Santa Catarina.

Segundo a Organização Mundial de Saúde, 25% da população desenvolverá algum transtorno mental. A identificação precoce é uma aliada na forma como a doença irá se apresentar, no prognóstico e, mais importante, no tratamento correto a ser adotado.

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Pesquisa conduzida pelo Ministério da Saúde, em 2014, analisou informações de 85 mil jovens entre 12 e 17 anos de escolas públicas e privadas de 124 municípios com mais de 100 mil habitantes e concluiu que um em cada três adolescentes brasileiros sofre de transtornos mentais comuns (TMC), caracterizados por tristeza frequente, dificuldade para se concentrar ou para dormir, falta de disposição para tarefas do dia a dia, entre outros sintomas. Portanto, os assassinatos de Santa Catarina se inserem numa triste linhagem de crime reincidente – e não apenas no Brasil, vide o caso do ataque a tiros em uma escola na Rússia, que deixou nove mortos e 20 feridos ontem.

Por tudo isso, é fundamental insistir que a forma mais eficiente de reduzir casos de atentados desse gênero é aumentando o suporte de assistência social e o atendimento na rede pública de saúde.

Analice Gigliotti é Mestre em Psiquiatria pela Unifesp; professora da Escola Médica de Pós-Graduação da PUC-Rio; chefe do setor de Dependências Químicas e Comportamentais da Santa Casa do Rio de Janeiro e diretora do Espaço Clif de Psiquiatria e Dependência Química.

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