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Por Analice Gigliotti, Elizabeth Carneiro e Sabrina Presman
Psiquiatria
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O (agressivo) brasileiro cordial

Gestos de violência cotidiana se escondem sob a alegação de transtornos mentais aos olhos da opinião pública

Por Analice Gigliotti
Atualizado em 23 set 2021, 08h48 - Publicado em 22 set 2021, 15h12

Um dos conceitos sociológicos fundadores da nossa identidade, “o homem cordial” é uma das principais chaves de interpretação do Brasil. Vista e revista através dos anos, a expressão cunhada por Sérgio Buarque de Hollanda no clássico “Raízes do Brasil” traduziria o temperamento do homem brasileiro. Buarque se referia à raiz latina da palavra: cordis, relativo ao coração, cuore. Portanto, para Hollanda o brasileiro age conforme a emoção, e não a razão.

Não sou socióloga, mas a estruturação teórica de Sergio Buarque de Hollanda me vem à mente em um momento em que estamos assistindo casos extremos de violência no Brasil. Não, não são exatamente novidades. Somos um país assumidamente violento. Por trás de nossa aparente leveza e alegria, moram agressividade, ódio e intolerância. Se tais gestos eram acanhados até pouco tempo, agora se assumem tristemente orgulhosos, dentro e fora das redes sociais.

No entanto, no que tange a minha área – a Psiquiatria – tenho assistido reiteradamente crimes de diferentes ordens serem justificados por advogados sob a alegação de transtornos mentais de seus clientes. Não refuto que isso aconteça. Ao contrário é uma realidade concreta. Transtorno bipolar, transtornos de personalidade e esquizofrenia podem causar episódios de explosão bastante intensos, chegando ao ponto de quebrar objetos, de agredir fortemente pessoas e serem mais violentas. Isso se justifica porque estados psicóticos, como os que ocorrem em pacientes paranoides, podem levar a atitudes agressivas como uma forma de defesa. Um estudo americano, intitulado “Transtorno de personalidade e violência: qual a relação?”, evidenciou que a combinação de desregulação emocional, impulsividade, psicopatia e paranoia contribui para aumentar o risco de violência em pessoas com transtorno de personalidade.

Mas a correlação não pode ser válida para todos os casos. Uma patroa que agride fisicamente uma empregada doméstica ou uma babá – como temos testemunhado com frequência no Brasil – pode sim, eventualmente, sofrer de algum transtorno mental. Não é razoável supor que alguém em pleno juízo agrida, reiteradas vezes, um ser humano que lhe presta serviços. Porém, a grande maioria das pessoas que padecem desses males não comete qualquer ato violento, especialmente se estiver sob cuidados médicos.

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O sofrimento de quem realmente tem transtornos metais é significativo. Não são incomuns os sentimentos de culpa, arrependimento, vazio, tédio e até mesmo tentativas de suicídio para se aliviar da dor psíquica. Portanto, não é tolerável que transtorno mentais sirvam de tábua de salvação para encobrir a agressividade humana. Isso só aumenta o estigma relacionado aos pacientes que de fato sofrem com essas doenças. Parafraseando às avessas Sergio Buarque de Hollanda: é inaceitável que transtornos mentais sirvam de salvo conduto para pessoas que supostamente agem conforme a (falta de) razão, orientadas apenas pelo que deliberadamente nomeiam de “emoção”.

Analice Gigliotti é Mestre em Psiquiatria pela Unifesp; professora da PUC-Rio; chefe do setor de Dependências Químicas e Comportamentais da Santa Casa do Rio de Janeiro e diretora do Espaço Clif de Psiquiatria e Dependência Química.

 

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