“A mulher na janela”: onde se esconde o seu medo?
Filme sobre fobia faz pensar sobre como estará nossa saúde mental ao final da pandemia
Uma mulher por volta de 50 anos se tranca em casa por bastante tempo em decorrência do medo que sente do mundo exterior. Parece a história da vida de muitas pessoas no mundo pós-pandemia, certo? Mas, na verdade, é a trama do filme “A mulher na janela” (Netflix), inspirado no livro homônimo de A. J. Finn, pseudônimo do autor Dan Mallory, figura controversa no mundo editorial americano por suas mentiras compulsivas que mais lembram outro personagem da literatura – o talentoso Ripley.
No thriller – declaradamente inspirado em Alfred Hitchcock, porém sem a sua genialidade –, a atriz Amy Adams interpreta Anna Fox, uma terapeuta infantil que se recolhe em casa após um trauma (sem spoiler!), temerosa da vida lá fora.
A personagem padece de agorafobia, um tipo de transtorno no qual a pessoa sofre intensa ansiedade quando exposta (ou quando antecipa a exposição) a lugares e situações de onde possa ser difícil escapar ou em que uma ajuda não esteja disponível em caso de uma crise de pânico.
Situações como transporte público, filas, lugares muito fechados (como cinemas e elevadores) ou o contrário, muito abertos, além de multidões, espaços públicos ou estar sozinha fora de casa passam a se tornar um martírio. O sofrimento costuma ser intenso, levando ao evitamento total das situações temidas, a necessidade de ajuda de pessoas próximas ou de um enfrentamento com um temor acentuado e desproporcional. Em alguns pacientes, os sintomas relatados são coração disparado, dificuldade para respirar, dor ou pressão no peito, suor excessivo, dor de estômago, sensação de perda de controle ou de morte. O tratamento da agorafobia consiste, fundamentalmente, de psicoterapia. Ela costuma ser delicada porque, na prática, significa ajudar o paciente a enfrentar seus medos.
Não é a intenção do livro, lançado em 2018, e nem do filme recém-estreado, mas podemos fazer paralelos da trama com o momento atual do mundo. Há 14 meses respondendo aos ditames da pandemia, muitos pacientes confessam que se acostumaram à nova rotina. Sair de casa, portanto, tornou-se uma tarefa árdua. Outros, os fóbicos sociais, que no mundo pré-pandemia sentiam um desconforto intenso quando expostos a situações em que acreditavam ser julgados (como beber, comer ou falar em público), relatam que nunca se sentiram tão confortáveis entocados no intramuros do lar. Há ainda os que passaram a ver valor no home office, com a oportunidade de ficar mais em casa, sem saudade do tempo perdido no transporte até o trabalho e o papo furado no cafezinho.
Isso sem falar em outras fobias que a pandemia deixará como sequelas, como misofobia (medo de sujeira), germofobia (medo de germes e bactérias) e a coronofobia (medo excessivo de ter contato com o coronavírus).
Independente de quando e como vai acabar essa pandemia, é possível afirmar que, dificilmente, chegaremos ao seu fim no mesmo estado psíquico em que nela entramos. E você, já sabe onde se esconde o seu medo?
Analice Gigliotti é Mestre em Psiquiatria pela Unifesp; professora da Escola Médica de Pós-Graduação da PUC-Rio; chefe do setor de Dependências Químicas e Comportamentais da Santa Casa do Rio de Janeiro e diretora do Espaço Clif de Psiquiatria e Dependência Química.