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Por Lelo Forti, mixologista
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2020: o início, o fim, o meio

Histeria, pânico, desespero, desemprego, incertezas, falência, fome, miséria. Uma crônica do mundo em meio ao coronavírus, antes do recomeço

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Atualizado em 13 abr 2020, 18h57 - Publicado em 13 abr 2020, 18h57

O ano foi 2020. Tudo funcionava perfeitamente. Tínhamos internet rápida, éramos todos felizes nas redes sociais. O mundo tava todo conectado e as pessoas também. Bebíamos muito. Tínhamos aplicativos de relacionamentos à disposição de um toque e podíamos assistir ao que quiséssemos na internet a qualquer hora. Bastava pagar caro pelo serviço.

Os bares viviam cheios. Os clientes bebiam sem parar. Gim-tônica era a bebida do momento e nunca os clássicos foram tão clássicos.
Vivíamos uma bolha social muito bacana. O mundo tinha mais de 7 bilhões de pessoas. Existiam dezenas de diferentes religiões, seitas, grupos sociais, pessoas divididas pela opção sexual, pela raça, pela crença.

Sem falar no campo político. Era esquerda vermelha, direita amarela. Acreditem. Nós protestávamos batendo panela nas janelas. Tínhamos corrupção em todas as esferas políticas. A receita era sempre igual: entra grupo, sai grupo, o resultado era o mesmo: corrupção, desvio de verbas, maracutaia, peculato, formação de quadrilha, 171, etc… Cultuávamos o corpo, a beleza física, os excessos.

O mundo era imenso, populoso, poluído, desigual. A camada de ozônio pedia socorro e o aquecimento global tava no CTI. O capitalismo imperava. Quanto mais dinheiro, mais poder. Quanto mais poder, mais dinheiro. Vivíamos uma sociedade doente, onde TER era melhor do que SER. Mas adorávamos. Éramos avaliados pela quantidade de “amigos” virtuais e quanto mais likes tivéssemos, mais populares éramos. Incrível.

Gostávamos de ostentar uma vida de privilégios sociais, viagens, passeios, vestimentas. Isso tudo virtualmente, é claro, porque no dia a dia nem bom dia dávamos ao invisível porteiro, vizinho ou balconista. Carros eram acessórios de luxo. Mansões abrigavam poucas pessoas. Muitas pessoas dividiam o mesmo cômodo. Bancos engoliam pessoas. Pessoas engoliam pessoas.

Lembro do Brasil: tínhamos 220 milhões de brasileiros, vivendo em diversos brasis, dentro de um mesmo país. O rico ficava mais rico, e o pobre, claro, ficava mais pobre. Nunca se bebeu tanto como naquele ano. Nunca se comeu tanto naquele ano. Nunca morreu tanto como naquele ano.

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De repente tudo mudou. O invisível surgiu. Rápido como o vento. Forte como uma tempestade. O MUNDO RESETOU. Cansado de sofrer, o planeta mostrou sua força e fez acontecer o inimaginável. Ficamos reféns de um vírus. Mais forte que uma gripe. Letal como veneno de cobra. Muitos morreram. Muitos ainda viriam a morrer. Outros milhares nem sintomas tiveram. Dezenas de milhares de idosos morreram. Sistemas de saúde globais colapsaram. Ninguém achava a cura. Não tinha vacina. Não tinha respiradores. Não tinha leitos.

De repente tudo mudou. Tudo parou. Os ricos dividiam leitos hospitalares com os pobres. Entregadores de comida, antes invisíveis aos olhos da sociedade, eram aplaudidos e enaltecidos em programas de TV.Profissionais da saúde viraram heróis sem capa preta ou sem precisar voar. Balconistas de supermercados, farmacêuticos, frentistas, açougueiros, padeiros, policiais, bombeiros e tantos outros profissionais continuaram a trabalhar para manter, de alguma forma, o modelo que tínhamos de uma sociedade livre.

Muitos adoeceram. O mundo resetou. Rios ficaram mais limpos. Animais voltaram a procriar. O ar ficou mais puro. Nunca se ouvira o som do mundo como naquele 2020. A devastação do planeta diminuiu. Dava até pra ver as estrelas nas grandes cidades. Fomos aprisionados pelo vírus e pelo medo. Ficar em casa passou a ser a única opção. Voltamos a ler livros físicos, antes souvenir de estantes. Voltamos a conversar face a face. Abraçamos mais nossos filhos. Conversamos mais com nossas mulheres. Nossos maridos passaram a ajudar mais. Amigos verdadeiros apareceram. A balada era em casa com a família. Nos arrumávamos pra sair do quarto e ir direto pra balada, na sala, e curtir, de graça, um show na TV. Tornaram-se famosas as Lives do Instagram. Artistas antes inacessíveis, agora faziam de tudo pra conquistar audiência com seus fãs. Tudo de graça.

Operadoras de TV por assinatura, antes privilégio de 5% da população, agora chegavam aos lares de milhões, tudo de graça. Inventamos delivery de tudo. De comida tradicional até entrega de drinques. Sim. Passamos a beber em casa nossos drinques favoritos dos bares que amávamos. Sem fila. Sem demora.

Programas culinários chatos deram lugar a ensinamentos de higiene, (pasmem: em 2020 a audiência televisiva do planeta ensinava a população global a LAVAR corretamente as mãos). Nunca se discutiu tanto saúde, como em 2020. Paramos de brigar e passamos a discutir soluções, ideias e pensamentos contra nosso inimigo comum.

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Um vírus, com nome de cerveja, vindo, mais uma vez de um país asiático e extremamente populoso, devastou o planeta. Não matou tanto quanto a gripe espanhola, ou como as guerras do século XX, mas destruiu sonhos, faliu famílias, gerou pânico em massa e trouxe o caos na economia globalizada e fragilizada pelo capitalismo selvagem. Mas também nos mudou. Nos fez sermos novamente humanos. Solidários, capazes de ajudar e fazer o bem. Dividimos comida. Criamos redes do bem. A internet passou a ser uma ferramenta de ajuda. Nunca doamos tanto. Doamos de tudo. Doamos nosso tempo, nossas palavras, nosso sorriso. Dividimos nossa angústia com psicólogos sociais, médicos, amigos, familiares. Tudo pela internet. Tudo de graça.

Governantes construíram hospitais de campanha mundo afora. Nações se uniram pra trocar informações, dados, equipamentos. Paramos uma guerra milenar no Oriente Médio. Sobrevivemos. Foi sofrível? Foi. Foi danoso? Foi. Mas foi necessário. Eu sobrevivi. Me reinventei como muitos. Bebi como tantos. Perdi amigos como muitos. Adiei coisas. Repensei tudo. Valorizei mais.Passamos a valorizar as pessoas, independente da sua classe social ou posição profissional.

Vocês não fazem ideia do prazer que dava receber um drinque em casa das mãos desse entregador. Dava vontade de abraçá-lo, mas não podia por causa da epidemia do vírus, altamente contagioso. Passamos a estudar com nossos filhos. Cozinhar, lavar e passar eram os compromissos prazerosos do dia. Conversar com os vizinhos era um charme prazeroso que fazíamos nas varandas de nossos prédios. Melhor ainda, começamos a perceber que existiam famílias ao nosso lado. Vidas. Sonhos.

Foi assustador. Mudou tudo. Trouxe o caos, mas nos trouxe a reflexão e a libertação. Espero que esse RESET GLOBAL tenha mudado o modo de encarar a vida das gerações futuras e que tenha sobrado uma lição. Se isso não serviu de aprendizado, espero que você tenha aí algo para beber, assim como nós tivemos graças às pessoas simples que mantiveram a fé, mesmo contra a vontade, pois, pra nós, parar nunca foi uma opção. Espero que tenhamos evoluído. Feliz 2021.

Cheers!

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Lelo Forti é mixologista e sócio do Stuzzi.

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