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Por Cristiana Beltrão, restauratrice e pesquisadora de gastronomia e alimentação
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O que comer na Primavera?

Não, eu não vou falar de alcachofras...

Por Cristiana Beltrão Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 25 set 2020, 10h40 - Publicado em 22 set 2020, 17h33

Me lembro, como se fosse hoje, de minha primeira Primavera. Quer dizer… a primeira como leitora esfomeada de publicações gastronômicas e muito antes de decidir abrir o negócio. “Mas alcachofra é uma flor? Ora vejam!…”.

Desde meu primeiro “ora vejam!” e ainda pelos 5, 9 ou 15 anos seguintes, a maioria das manchetes trazia sempre as mesmas “novidades” na estação: alcachofras e flores de abobrinha, que depois perderam o posto para as flores comestíveis e o “rosé para beber à beira da piscina”.

Tudo bem que já nasci ranzinza e a idade não ajuda, mas sempre achei que da nossa linda Primavera devia brotar muitos outros assuntos.

Quando criança passava o Inverno sonhando com o pipocar das “bolotas pretas” coladas ao tronco camuflado da jaboticabeira da nossa fazenda. Era assim que eu sentia a entrada da estação. Trepava na árvore, me sujava toda e guardava um monte de frutos num saco improvisado feito da barriga da minha saia. O que não devorava, virava geleia.

Tem muita gente bebendo agora um vinho de jaboticaba, aliás, aqui no Noroeste Fluminense e não um rosé na beira da piscina. Em Varre-Sai, a maior colônia de descendentes italianos do Estado do Rio (são 70% do município, sabiam?), a bebida é tradição desde que os primeiros imigrantes se estabeleceram por lá, no fim do século XIX. Não encontraram uvas, mas isso nunca foi motivo para deixar de beber, não é verdade?

Enquanto todos só falam de alcachofras, as vacas, cabras e ovelhas – que sabem das coisas – ruminam os verdes vibrantes que acabaram de brotar nos pastos, passada a secura do Inverno. O leite primaveril é, portanto, o mais perfumado de todos, o que faz de outubro um ótimo mês para se comer queijos frescos.

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cebola primavera da Fazenda Cafundó (Delei (chefe da horta)/Arquivo pessoal)

Conversando com a Celina Vargas, da Fazenda Cafundó, fornecedora querida de muitos anos, lembramos das inflorescências comuns que as manchetes esnobam, que estão no auge, agora. É o caso dos brócolis, da couve-flor ou a de bruxelas, buquês na sua melhor fase. Salivei ao falarmos também da florzinha amarelinha de mostarda, picante e única. Conhecem? Aliás, entre os orgânicos que Celina cultiva, joia rara é a “cebola primavera”, que só aparece nessa época do ano; mais doce que a comum e perfeita para se comer crua, em saladas. Não digam que não avisei.

Além de tudo isso, simplesmente adoro o pouco explorado romanesco (na capa deste post), hortaliça extraterrestre que me lembra sempre um brócolis de saia rodada, numa versão meio “ala das baianas marcianas”.

As cores de Primavera não vêm só das flores. Vêm das cenouras roxas, das beterrabas amarelas, do rabanete-melancia, variedade menos picante que o comum, de interior rosa-fluorescente, iluminado. Quer bulbo mais primaveril?

E por que não comer peixinhos-da-horta, o PANC para veganos saudosos de proteína? Que planta da época é tão cheia de personalidade que lembra peixe quando empanada e frita?

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Tem de tudo na Primavera, até mel.

Apesar de estarmos na entressafra da colheita de méis em grande parte do País, existem alguns no Mato Grosso (Xingu) e no Pará (região de Santarém) de uma abelha que está no auge da produção agora, de agosto a outubro. É o que me diz o Jerônimo Villas-Bôas, melhor referência para assuntos melados, que ficou me tentando com a descrição do mel ácido, cítrico e com notas de maracujá da abelha que passeia nessas regiões, chamada canudo (ou tucano). Babei.

E seguimos mergulhando em novidades. No litoral paulista é tempo da pescada-foguete, da cabrinha, polvo, goete, perna-de-moça, palombeta e da pesca artesanal da oveva. Quem me conta é a craque Cintia Miyaji, bióloga consultora em sustentabilidade na pesca. Já na costa fluminense, é tempo de dourado, sapo, espada, guaivira e olhete, me diz Francyne Vieira, analista de recursos pesqueiros da Fiperj.

Sim… peixe também tem época, de comer e de não comer. Estão proibidos agora a tainha, perumpega, corvina e carapeba da Lagoa de Araruama. Também no defeso, os deliciosos caranguejos uçá e guaiamum, além dos meus queridos mexilhões, vale lembrar.

Podia escrever outras dez páginas de desejos do momento, mas fazendo justiça às alcachofras, flores de abobrinha e as outras comestíveis, deixo aqui minha declaração de amor. Jamais recusei um prato e espero que estejam sempre à minha volta, mas é importante lembrar que educação alimentar não é etiqueta e Primavera não é samba de uma horta só.

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