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Por Cristiana Beltrão, restauratrice e pesquisadora de gastronomia e alimentação
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Adeus, camarão: a temporada do defeso

Os estoques estão diminuindo. Que tal comer lagostim? Siri? Deixem o animal transar em paz

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Atualizado em 12 mar 2020, 18h19 - Publicado em 12 mar 2020, 07h12

Era o primeiro mergulho da vida, em Angra. De máscara e snorkel, afundei o rosto na água gelada e vi o mar dançar em silêncio.

Naquela paisagem psicodélica flutuante, o sol brilhava em flashes sobre as pedras, enquanto algas e lindas anêmonas de cores extraterrestres sacudiam os cabelos; cardumes mudavam de direção em coreografias bem ensaiadas e pude tocar, pela primeira vez, numa estrela do mar. Foi lindo.

Dormi com as costas ardendo, já faz mais de 30 anos, e acordei hoje com a cena pregada na testa por conta do defeso do camarão que acontece, anualmente, de 1 de março a 31 de maio.

Camarão, vocês devem concordar, é bicho feio. Parece uma barata vermelha e estressada que devia ter asas, mas na falta de jeito, tenta correr pelo fundo do mar com aqueles ‘cambitinhos’ aflitos e apressados e ainda esfrega as patinhas num gesto conspiratório, como as moscas. Eca.

Nunca liguei para as aparências, por isso acho todo o amor pelo crustáceo justificável. Só não engulo, sinceramente, a dificuldade de respeitarmos o período de reposição dos seus estoques.

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A situação fora do defeso já é bem ruim. Pra ficar fácil de entender, ponha na cena linda de minha infância um barco de arrasto. “Ei, ei, ei, vem chegando o arrastão” e vruuffff!,  para cada quilo de camarão pescado, até 14kg de outras espécies são mortas por acidente. É arraia, filhote de tubarão, anêmona, estrela do mar, ouriço… e todo o mar da minha lembrança morre embolado na rede, desimportante. A devastação pode chegar a uma área que equivale a 5 campos de futebol… por vez.

E só piora. Há quase 4 milhões de barcos pesqueiros circulando pelo mundo, hoje, e o rendimento de cada um deles, seja na pesca artesanal ou industrial é de 1/5 do que era em 1950. E mais: os barcos industriais viajam o dobro da distância que percorriam há 70 anos e voltam com um terço do volume de então. É cada vez mais esforço para menos resultado.

O cheiro não anda bom.

Pode comer camarão congelado? Pode, mas percebam que não está adiantando. Alguém pescou mais, antes, pra dar conta desse seu depois. Os estoques, como disse, estão diminuindo. E nem quero falar do sabor de camarão de cativeiro, por vezes tão modificado pela ração pobre que nem peixe aceita como isca…

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Nosso desconhecimento do assunto me faz passar uma vergonha imensa ao abrir o Instagram nesse período, com foto atrás de foto de camarão. Fica um lamento doído pela ignorância – prefiro não acreditar na maldade – de quem serve e de quem come.

Educação alimentar não é etiqueta. É saber variar a dieta, respeitar as estações e entender o impacto daquilo que está no prato. Nossa obsessão pelas mesmas comidas é infantil e faz um estrago danado. Como uns meninos mimados, chutamos a porta do quarto pra ganhar mais um chocolate.

Que tal comer lagostim? Siri? Mudar de assunto?

Em relacionamentos de longo prazo, às vezes dar um tempo é fundamental. E garanto que o amor volta mais forte e maduro. Deixem o camarão transar em paz.

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