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Por André Heller-Lopes, diretor de ópera
A volta do Dito Erudito
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Tecnologia: caminhos de um novo moderno

Um ensaio geral via internet traz várias surpresas e considerações sobre ópera e tecnologia no novo normal

Por André Heller-Lopes Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 29 jan 2021, 19h43 - Publicado em 29 jan 2021, 19h37

Um dos clichês da ópera moderna é o saco de plástico. Melhor dizendo, da ópera “mUderna.” Nos anos 1980 e 90, parecia impensável uma encenação (dita) contemporânea que não trouxesse um personagem munido de saco de plástico. A roupa preta do visual ‘grunge‘, acompanhada de olheiras profundas e cabelos desgrenhados (no melhor estilo “dormi-de-coque”) até eram negociáveis; o saco plástico, não. O mundo deu voltas, o incontornável gelo seco que assolava a cena moderna dissipou-se. Eis-nos face a um novo moderno, e talhado para o ‘novo normal’: a tecnologia da comunicação.

Foi na semana passada que tive meu primeiro ensaio por Skype. Um ensaio geral da ópera La Finta Giardineira, de Mozart, que encenei na Polônia em 2018. A trama é simples, bucólica mesmo, com toques engraçados: após sobreviver a uma tentativa de assassinato, uma Marquesa disfarça-se de jardineira. O ex-noivo, ciumento, é o principal suspeito. Para piorar, a presença da jardineira desperta o ciúme das outras mulheres — o que resulta eu novas ameaças à sua vida. Com tantos crimes, minha encenação partia da idéia do ‘mistério’ e do ‘possível assassinato’, jogando com os famosos detetives da literatura policial. Assim entraram na história Poirot, Marple, Inspetor Cloueau e até um anti-herói polonês, Kapitan Kloss.

Voltemos à tecnologia. Semana passada, fiz o primeiro ensaio geral por Skype da minha carreira. Já passei por ensaios tão distintos quanto uma Valquíria remontada à toque de caixa, com Plácido Domingo e apenas alguns dias após o ataque ao metro de Londres, ou a estréia mundial da ópera The Tempest, onde tudo era tão lento que ficar olhando para uma parede recém pintada, à espera de que a tinta secasse, pareceria mais animado. Algo assim, via internet, no entanto não é nem de longe o padrão. E foi assim que eu, direto da minha sala no Rio de Janeiro, acompanhei o trabalho de 7 talentosos cantores, um maestro e toda uma orquestra naquela tarde. Eles cantavam direto da Opera Slaska, na Silésia e eu descobria, num misto de maravilha e orgulho, como tudo do espetáculo de 2018 parecia estar no seu lugar certo. Para essa nova versão alguns novos cantores juntaram-se ao elenco original, todos devidamente testados. A orquestra foi colocada na platéia. Sim, como fazia-se antigamente, nos famosos e históricos bailes de Carnaval do Theatro Municipal, as cadeiras foram retiradas para dar lugar a um grande espaço onde os instrumentistas puderam tocar com o devido distanciamento. O som, aliás, ficou incrivelmente bom. Vale à pena reforçar que, mais espertos que muitos teatros no Brasil, as casa de ópera e balé da Europa e EUA guardam toda cenografia e figurinos, assim como a memória do projeto de luz. É o melhor aproveitamento do investimento feito para a montagem de um espetáculo, e a melhor forma de recuperá-lo.

Assim ensaiado, o espetáculo foi ao ar no sábado dia 23 de janeiro por ‘streaming’, e continua disponível na plataforma do teatro. O público já bateu alguns milhares de espectadores e, poucos dias depois, uma revista especializada alemã publicou uma criticas cheia de elogios. Verdade seja dita, o caminho já vinha sendo pavimentado pela a transmissão de espetáculos em salas de cinema. Mas nada mesmo substitui o vivo; e nisso os streaming podem ganhar muitos pontos. Com a pandemia e seu pós, a nova estrela da ópera, dança e música de concerto promete ser as inovações tecnológicas no campo da comunicação do espetáculo. Esse importantíssimo parceiro do estimulo e acesso ao espetáculo é também a maior defesa dos artistas contra seu maior inimigo: o silencio imposto pela inexistência de Arte.

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Tecnologia pode ter virado sinônimo do encontro desta Arte de 400 anos com a (verdadeira) modernidade.

André Heller-Lopes,
Encenador e especialista em óperas, duas vezes Diretor Artístico do Municipal do Rio, é Professor da Escola de Música da UFRJ.

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