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Por André Heller-Lopes, diretor de ópera
A volta do Dito Erudito
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Os 150 anos da estreia da Ópera Il Guarany

A data passará em brancas nuvens? Talvez. Mas não sem uma boa piada

Por André Heller-Lopes Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 15 set 2020, 11h17 - Publicado em 14 set 2020, 19h37

Em 2020 comemoram-se os 150 anos de estreia da ópera Il Guarany, de Carlos Gomes. Não foi uma estreia qualquer: lendas à parte, a ópera do compositor de Campinas que tinha conquistado a côrte do Rio de Janeiro e o apoio do Imperador Pedro II, subia à cena no maior templo da ópera italiana, o célebre Teatro Alla Scala, de Milão. Se não era então o mais importante teatro de ópera do planeta, só perderia (eventualmente) para a Opéra de Paris; nem o Covent Garden de Londres chegava-lhe perto. De um só golpe, a literatura de José de Alencar, com sua visão mítica do bom selvagem, e Carlos Gomes, com sua italianíssima ópera à moda brasileira, entravam no mapa mundi. Era muito para um jovem Império às voltas com sua identidade cultural pouco mais que recém-nascida.

A ópera nacional nasceu no Rio de Janeiro, e sem ela não teria talvez existido Carlos Gomes. Foi graças ao sucesso que tiveram suas duas primeiras óperas em português, que ele conseguiu ser enviado à Europa. E foi lá que a ópera O Guarani estreou e fez sucesso. Mais do que isso, fez respeitável carreira principalmente na Itália e por um bom tempo esteve no repertório. Muito importante, abriu portas para que Carlos Gomes assegurasse contratos para novas óperas. Obras de muita qualidade e que muitos argumentariam que, despido do exotismo indianista, têm melhor inspiração que o famoso Guarany. A história das apresentações da ópera, até pelo menos metade do século XX, está repleta de nomes de cantores estrelares gravando suas árias e duetos mais famosos (de Caruso a Plácido Domingo) ou mesmo endossando as vestes do índio Peri — melhor seria dizer, ‘despindo-se’ com as penas e tangas do amante de Cecy. Não é por coincidência que eu tive uma avó gaúcha com esse nome.

Mas esse não é um blog de musicologia. Valeria até contar que em 1937/38 chegou a ser publicada uma versão brasileira da ópera, tamanha era seu potencial de popularidade. E que Carlos Gomes é um verdadeiro herói nacional, sim. Porém, a parte acadêmica encerra-se aqui, com a sensação de que o título de “mais famosa ópera brasileira” vem de muitos lados — não menos do uso de sua abertura (conhecida por muitos como ‘protofonia’) como tema do programa de radio A Voz do Brasil. Somente isso terá garantido que uma boa parte da população do Brasil seja ainda hoje capaz de reconhecer seu tema principal (Dó# Fá# mi-re Dó#..).

Mas falemos do motivo de meu misterioso título acima. Suponho que, se consegui conquistar o leitor até aqui, foi muito por curiosidade de que raios quero dizer com esse “ P%¥€@”. Eis a história. Preparem-se para ruborescer, senhoras!

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Acontece no Segundo Ato da ópera, no dueto entre Cecy e Gonzales, quando este invade o quarto da moça – com intenções que não são de discutir poesia francesa – e é interrompido por uma flechada. O índio Guarani acerta bem na mão do vilão, e uma flechada assim não contribui em nada para uma noite romântica, ao menos não para a do barítono. “O giubilo! La freccha di Peri!!”, exulta cantando o soprano em sua peruca loura. Foi precisamente essa frase o motivo de aposta entre uma famosa cantora brasileira dos anos 1950/60 com seus colegas. Mais do que o “se non è vero, è ben trovato”, da semana passada, pois ela mesmo contava (e eu escutei em primeira mão): a diva desafiou aos outros artistas que durante um espetáculo substituiria a tal “flecha” por uma alusão fálica muito menos sutil do que a possivelmente imaginada por José de Alencar. Sim, ela cantaria “la PICA di Peri” — e cantou. Não sei qual foi a reação de todos em cena, mas a história ainda era contada décadas depois…

—  Ah, (irônico) ópera! Esse negócio sério e acusado de ser elitista….

Em 2020 deveríamos ter comemorado os 150 anos de estréia da ópera Il Guarany de Carlos Gomes. A pandemia não deixou (ainda). Mas não desistiremos: na pior das hipóteses haverá um legado para os que estiverem aqui para celebrar seus 200 anos. Feliz 2070!

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Ela embebeu os olhos nos olhos de seu amigo, e lânguida reclinou a loura fronte. 
O hálito ardente de Peri bafejou-lhe a face.
Fez-se no semblante da virgem um ninho de castos rubores e límpidos sorrisos: os lábios abriram como as asas purpúreas de um beijo soltando o vôo.
A palmeira arrastada pela torrente impetuosa fugia… E sumiu-se no horizonte.

O Guarani (José de Alencar)

André Heller-Lopes,
Diretor de óperas e Professor da Escola de Música da UFRJ.

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