Tony Ramos: “Há um triângulo mágico que me encanta”
Com mais de quarenta novelas no currículo, o ator defende que amor, paixão e suspense são os ingredientes-chave para capturar a audiência na TV

Enciclopédia ambulante sobre teledramaturgia brasileira, Tony Ramos, 76 anos, vai experimentar outro papel frente às câmeras: será apresentador de Novela em Sinfonia, especial que celebra os sessenta anos da Globo. O programa vai reunir a Orquestra Sinfônica Brasileira com um time de cantores, incluindo Alcione, Liniker e Xande de Pilares, para interpretar temas de produções marcantes.
Muitas delas contaram com o próprio ator no elenco ó em seus sessenta anos de carreira, ele tem mais de quarenta no currículo, junto com vinte filmes e mais de trinta peças. A última, Dona de Mim, estreou no final de abril no horário das sete, trazendo Tony como protagonista. Em conversa com VEJA RIO, o ator falou sobre o triângulo mágico para o sucesso das tramas, os influencers e cantores ganhando espaço na dramaturgia e o que aprendeu após as cirurgias realizadas há um ano devido a um hematoma subdural, que causa o acúmulo de sangue entre o cérebro e o crânio.
Com 41 novelas no currículo, o que te atrai tanto neste gênero? Ser uma obra aberta. Isso exige muita disciplina e uma proposta de cumplicidade com o espectador. Quanto mais folhetinesco, com reviravoltas e conflitos, mais fascinante. Como esse personagem de Dona de Mim, um homem misterioso, que precisa suprimir suas frustrações e assumir os negócios da família.
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A estreia de Dona de Mim foi no dia do aniversário de sessenta anos da Globo, que é o mesmo tempo que você tem de carreira. Se considera um especialista no assunto? Pode soar pedante, mas não vou negar: entendo razoavelmente bem sobre televisão. Sempre me interessei pelo alcance e a responsabilidade social desse veículo.
Mudou muita coisa com a chegada dos streamings? Todos já tinham matado a TV, mas ela conviveu muito bem com as novas ferramentas nos últimos dez anos. E seguirá assim. Uma novela atinge 30 milhões diariamente. Uma live, com muito esforço, chega a 100 000 pessoas. A televisão aberta é algo muito sério no nosso país. É um hábito, uma companhia.
Quando percebeu que todo o Brasil te conhecia? Entrei na TV Tupi ainda pré-adolescente e já era conhecido por alguns trabalhos, mas a estreia da Globo foi transformadora. Obras como Irmãos Coragem e Véu de Noiva criaram um padrão de qualidade muito forte. Quando fiz O Astro, de Janete Clair, em 1976, houve uma explosão. Ao entrar em um avião ou em um restaurante, era comum sermos aplaudidos por uma cena. Não há internet que bata isso.
Diferentemente de muitos colegas, você ainda mantém o seu contrato. Pensa em explorar outras empresas depois do encerramento? Meu contrato é longo, tem muito chão pela frente. Não sou homem de programar planilha de vida. Trabalho em uma empresa que me dá ótimas oportunidades ó e vêm aí projetos fascinantes.
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Todas as novelas recentes tiveram protagonistas negros. Demorou para as produções se atentarem a essa necessidade de refletir a realidade do país? Demorou demais, e é de uma importância flagrante. Somos um país interracial, é só andar pelas ruas de olhos abertos e não fechados dentro da intolerância. Há preconceito e as dramaturgias têm que encarar e discutir isso, com protagonistas pretos, amarelos…
Influencers e cantores ganharam espaço, na busca por uma audiência mais jovem. Isso está funcionando? Não acho que isso seja fundamental e nunca será sinal de sucesso. O que funciona em qualquer audiência é um bom texto, uma boa ideia. Há um triângulo mágico que sempre vai encantar o público: amor, paixão e suspense.
O que mudou depois das duas cirurgias que precisou fazer na cabeça? Aprendi a importância da medicina preventiva. Estava fazendo uma peça e um filme, e tudo precisou ser suspenso, mas as cirurgias com o doutor Paulo Niemeyer Filho foram muito bem-sucedidas. Quando recebi a alta, ele disse: “Vá em frente, volte para a vida”. E foi o que eu fiz.
Lembra-se de algo no hospital? Zero. Só quando acordei, senti a mão da minha esposa (Lidiane Barbosa) fazendo carinho e comecei a recitar trechos da peça que estava fazendo, um poema de Fernando Pessoa. “E essa impossibilidade seria temporária, porque o nosso próprio corpo passa e se transforma, porque nós não possuímos o nosso corpo (possuímos apenas a nossa sensação dele)”. Ao que o doutor respondeu que era hora de descansar, não de trabalhar (risos).
Você e Lidiane estão juntos há 56 anos. Qual o segredo para um casamento tão duradouro? Sou apenas um homem que deu certo com a sua companheira. Isso é fruto de respeito e amor. Quando a gente se toca, é uma carne que está em absoluta efervescência, não importa a nossa idade.
Você estava em cartaz com a peça O que Só Sabemos Juntos. Como foi essa experiência teatral que envolve a plateia de forma tão direta? Vi Denise Fraga em Eu de Você, e propus a ela e ao diretor Luiz Villaça, seu marido, um trabalho que tivesse essa interação com os espectadores. Estava há mais de vinte anos sem fazer teatro, e queria voltar com algo bastante inquisitivo. Fazer a peça em Curitiba para mais de 4 000 pessoas foi um fenômeno. E voltaremos em novembro para o Rio, onde encerramos a temporada com as plateias lotadas.
Com o tempo, o frio na barriga some antes de entrar em cena? Nunca. Fico com a boca seca até hoje, na apreensão de fazer tudo direito. É esse sentimento que não me deixa parar. Posso até diminuir o ritmo, mas não vou me aposentar.