Após duas décadas, Orla Rio tem um ano para concluir reforma de quiosques

Responsável por quase metade dos quiosques da cidade, concessionária concluiu apenas 40% das obras de modernização prometidas entre Leme e Prainha

Por Paula Autran
Atualizado em 21 out 2022, 19h10 - Publicado em 21 out 2022, 07h00
Um dos quiosques já modernizados de São Conrado: o próximo será ligado ao Hotel Nacional
Um dos quiosques já modernizados de São Conrado: o próximo será ligado ao Hotel Nacional. (./Divulgação)
Continua após publicidade

Capturada por câmeras de segurança, a cena brutal gerou uma onda de revolta ao ser exibida em rede nacional. Nas imagens, o congolês Moïse Mugenyi Kabagambe, 24 anos, foi arremessado ao chão, levou socos, tomou uma surra com um pedaço de madeira e teve as mãos e pernas amarradas. A assustadora sequência de agressões naquele 24 de janeiro de 2022 durou cerca de quinze minutos, causando a morte do jovem, que chegara ao Brasil em 2014. Seu corpo foi achado amarrado em uma escada. O local do assassinato: um quiosque na praia da Barra da Tijuca, na altura do Posto 8, onde ele trabalhava ganhando por diária, sem vínculo empregatício. O Ministério Público do Trabalho instaurou um processo contra a prefeitura, o estabelecimento à beira-mar e a Orla Rio — empresa comandada há trinta anos pela família do atual CEO João Marcello Barreto e responsável por este e outros 308 quiosques entre o Leme e a Prainha, do total de 650 em toda a cidade.

João Marcello Barreto, CEO da Orla Rio: leque de opções aumentando apesar dos atrasos nas obras -
João Marcello Barreto, CEO da Orla Rio: leque de opções aumentando apesar dos atrasos nas obras. (./Divulgação)

Na ação, os procuradores citam uma fiscalização mais abrangente, conduzida pelo Ministério do Trabalho e Previdência com o apoio da Polícia Federal, justamente desencadeada após o crime. Mais de 100 auditores percorreram os quiosques ao longo da orla e flagraram condições degradantes de trabalho, incluindo higiene inadequada para os funcionários e falta de vínculo empregatício. Os estabelecimentos foram notificados. Passados nove meses, quem passeia à bei­ra-mar percebe que pouco mudou, principalmente na Zona Oeste, onde Moïse foi abatido. A estrutura e os serviços ainda têm muito que evoluir, constatação que se torna mais gritante no contraste com outros litorais badalados, como na Côte d’Azur francesa, nas ilhas gregas e nas praias artificiais em meio à paisagem desértica que emoldura Dubai.

+ Era só o que faltava: troca de figurinhas da Copa mobiliza cariocas

Dona da concessão dos espaços desde 1999, quando o então prefeito Luiz Paulo Conde (1997-2000) quis padronizar os pontos de venda à beira-mar, movimento que veio junto com a reforma do calçadão e das ciclovias, a Orla Rio se comprometeu a repaginar 100% dos quiosques até abril de 2002. O novo modelo, que projetava estruturas de vidro, mais arejadas e modernas, além de uma área no subsolo para cozinha, estoque e banheiros, saiu do papel — mas com atraso e, mesmo hoje, bem distante do prometido no princípio. Atualmente, apenas 40% estão concluí­dos — os outros 60% encontram-se em fase de “desenvolvimento do projeto” ou “execução da obra”, segundo a Secretaria municipal de Fazenda e Planejamento.

Continua após a publicidade
Os primórdios: o negócio começou com uma rede de trailers estacionados à beira-mar -
Os primórdios: o negócio começou com uma rede de trailers estacionados à beira-mar. (./Divulgação)

Os tapumes, que por cerca de dez anos se revezaram nos trechos entre o Leme e Copacabana, onde as obras deram a largada, encobriam o belo horizonte e eram um sinal explícito de como o projeto penava para virar realidade. Em 2015, a concessionária só havia conseguido reformar 58 deles, 18% do total. E a pendenga foi parar na Justiça, em ação do Ministério Público estadual, que reivindicava a anulação do contrato. “Os atrasos se deram por causa de brigas judiciais envolvendo órgãos do patrimônio, já que a orla da Zona Sul é tombada e pesa uma série de restrições em relação a ela”, argumenta João Marcello, filho do cearense João Barreto da Costa, o fundador do negócio. O já aposentado patriarca começou em 1962 no Que­bra-Mar, na Barra, vendendo churrasquinho. Com o tempo, abriu uma série de trailers e transformou-se em uma espécie de liderança local, mas também atraiu inimizades, sobretudo depois de fundar a associação de comerciantes praianos e passar a centralizar as transações com os fornecedores, antes feitas por cada um. Mesmo assim, ele ganhou a licitação para explorar os serviços da orla por vinte anos. Em 2010, um termo aditivo prolongou por mais uma década a concessão, vigente até 2030, que inclui, além de quase metade dos quiosques existentes, 27 postos de salvamento.

+ Para receber VEJA RIO em casa, clique aqui

Continua após a publicidade

Na extensa lista de normas contratuais firmadas entre a empresa dos Barreto e os proprietários dos quiosques, além do aluguel, cujos valores variam conforme a estrutura e a localização, os comerciantes são obrigados a vender determinados produtos, alguns da marca própria da concessionária. Regra, aliás, que é alvo de críticas por parte de contratantes. É verdade que o leque de opções da orla vem aumentando, com exemplos positivos do potencial que o generoso litoral carioca oferece. No comando do Azur, o talentoso Pedro de Artagão leva gastronomia de alto nível ao trecho do Leblon. Em São Conrado, veem-se unidades dos bares Mané, Mirante da Rocinha, Qui Qui e a primeira pizzaria butique à beira-mar, o Barthô Praia, extensão do restaurante Bartholomeu, de Paraty. A próxima inauguração será ligada ao Hotel Nacional, nos moldes do Tropik, do Hotel Fairmont, em Copacabana. Segundo a Secretaria municipal de Fazenda e Planejamento, praticamente todas as ações relativas ao contrato de concessão, que chegou a ser suspenso duas vezes, foram encerradas, restando apenas um processo (ainda não transitado em julgado), no qual a concessionária foi condenada a finalizar todos os quiosques pendentes em doze meses. Antes tarde do que nunca.

Nota de esclarecimento da Orla Rio

Em nota, a Orla Rio esclarece que contestou na Justiça todas as alegações que foram feitas contra ela na ação do Ministério Público do Trabalho, em que figura como uma das rés, com pedido de responsabilidade solidária, e reforça que o pedido de vínculo de emprego foi direcionado ao quiosque para qual o Moïse Mugenyi Kabagambe prestava serviços. A concessionária afirma que “não permite, de nenhuma maneira, o trabalho em condições degradantes na orla carioca”. “A nossa grande motivação sempre foi a de transformar vidas. Nosso trabalho é pautado em melhorar a condição das pessoas que trabalham na orla. Foi assim que conseguimos, em 2006, fazer com que o comércio ambulante se tornasse oficialmente estabelecimento comercial, transformando os operadores de quiosques em microempresários, que pagam impostos e geram empregos. A atividade comercial que, antes, era recriminada passou a ser desejada. Trabalhamos para fazer com que essas pessoas tenham condições dignas de trabalho, dentro das leis trabalhistas, tributárias, e que assim possam sustentar suas famílias. Não como um trabalho de segunda classe, mas com orgulho e autoestima de fazer parte do maior patrimônio dos cariocas”, afirma na nota João Marcello Barreto, presidente da Orla Rio.

A concessionária reforça que prestou toda solidariedade à família Kabagambe, construindo junto com eles um quiosque no Parque Madureira “para honrar a imagem de Moïse e de todo o seu povo”: “Além de ter sido responsável por todo o projeto, que fica fora da sua concessão, a Orla Rio realizou a instalação do quiosque, com a mão de obra de mais de 50 funcionários. A concessionária também deu à família a primeira leva de insumos para a produção do cardápio, junto com uma ajuda de custo mensal durante o período de idealização do quiosque, e foi responsável também pela instalação de equipamentos e de todo o mobiliário”, infotma a nota, acrescentando que, ao longo dos cinco meses de construção do quiosque, também auxiliou a família na abertura de empresa para realização das atividades, além de orientar e promover treinamentos para prepará-los para gerir a nova operação.

Continua após a publicidade

Sobre a ação civil pública a respeito da concessão e o prazo para a realização das obras nos quiosques, a Orla Rio alega que, “na perícia realizada pelo órgão, foi constatado que a concessionária cumpriu todos os prazos adequados nos processos administrativos de obtenção das licenças necessárias. Além disso, foi comprovado que a empresa executou todas as obras de todas licenças que foram liberadas e que depende de mais liberações para seguir com o processo de modernização junto aos quiosques.

“Os quiosques que, anteriormente, eram pontos de passagem, hoje são locais de destino. E não foi de um dia para o outro que alcançamos isso. São 60 anos de praia, de aprendizado, apostas, erros e acertos. Nosso propósito vai muito além de cuidar da conservação dos quiosques e postos de salvamento. Trabalhamos incansavelmente para oferecer a melhor experiência à beira-mar, com excelência em serviço e infraestrutura de qualidade”, finaliza João Marcello, na nota, reforçando que, até o fim de 2021, a Orla Rio investiu mais de 148 milhões de reais em obras.

Publicidade

Essa é uma matéria fechada para assinantes.
Se você já é assinante clique aqui para ter acesso a esse e outros conteúdos de jornalismo de qualidade.

Semana Black Friday

A melhor notícia da Black Friday

Impressa + Digital no App
Impressa + Digital
Impressa + Digital no App

Informação de qualidade e confiável, a apenas um clique.

Assinando Veja você recebe mensalmente Veja Rio* e tem acesso ilimitado ao site e às edições digitais nos aplicativos de Veja, Veja SP, Veja Rio, Veja Saúde, Claudia, Superinteressante, Quatro Rodas, Você SA e Você RH.
*Para assinantes da cidade de Rio de Janeiro

a partir de 35,60/mês

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.