Paulo Ricardo: “Envelhecer é um pé no saco”
Celebrando quarenta anos de carreira, o cantor relembra o sucesso com a banda RPM e fala sobre a passagem do tempo como sex symbol de uma geração

Em uma gravação nos Estúdios Globo, Paulo Ricardo tirou uma foto com o apresentador William Bonner, que foi seu calouro na Universidade de São Paulo. No dia seguinte, durante a entrevista com VEJA RIO, surpreendeu-se ao saber que a imagem havia se espalhado por diversos sites de notícias. “Ainda é estranho perceber que o interesse público não está só no meu trabalho, mas nesses bastidores”, afirma o cantor de pop-rock, que dá voz à música tema do Big Brother Brasil, Vida Real, desde a primeira temporada.
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O carioca de 62 anos celebra quarenta anos de carreira e mais de trinta álbuns no currículo com a turnê XL, superprodução que estreou em São Paulo antes de chegar ao Rio, no Qualistage, nesta sexta (8), e promete surpresas. “Ousei com o figurino deste show. Eles querem que o roqueiro seja enterrado de jeans preto e casaco de couro”, diz. Durante o papo, de sua casa no Itanhangá, onde vive com a esposa e os três filhos pequenos, o torcedor do Fluminense — agraciado no último mês com o título de “Tricolor Ilustre” — também relembrou seus tempos de vocalista do RPM e falou sobre o fim da banda, a competição na música e o envelhecimento.
Qual o momento mais emocionante do show? A tecnologia me proporcionou fazer um dueto com Renato Russo em A Cruz e a Espada, através da Inteligência Artificial. A gente gravou juntos em 1995, e não tem nenhum registro disso. Agora será revivido no palco.
Você se deu bem com a virada para o universo digital? Primeiro, vivi a explosão do culto à celebridade. Um belo dia fui à praia, peguei uma onda e logo saíram fotos nos jornais. Quando veio o digital, tive que lidar com o fato de que o interesse público não estava mais só no meu trabalho, mas nesses bastidores da vida privada. Hoje tenho uma esposa fotógrafa e três filhos pequenos, bem mais familiarizados, que me ajudam com isso. Sei que as pessoas adoram quando posto meus gatinhos.
Acha que o algoritmo está pautando a arte? Os modismos sempre estiveram por aí — vide Let’s Twist Again, Macarena e Ai, Se Eu Te Pego, que estourou porque o Cristiano Ronaldo fez uma dancinha. Toda evolução tecnológica é bem-vinda, mas tem prós e contras. Pior do que o algoritmo é a competição dentro do pop. Diferentemente do samba e do pagode, que não tem concorrência internacional, e do sertanejo, que é infinitamente maior do que o country, estou lutando por espaço junto com Bruno Mars e Taylor Swift.
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Como foi o começo da sua relação com o showbiz? Para quem cresceu nos anos de chumbo, a década de 1980 foi mágica. Parece que a gente vinha em um filme preto e branco e, aos 18 anos, fica tudo colorido. Chega a anistia, a democracia e o rock’n’roll. Entramos em uma espiral de trabalho com o RPM, vivemos uma coisa meio Os Beatles. Visitamos cidades com centenas de adolescentes nos esperando, indo do aeroporto para as rádios e programas de TV.
Viveu todo esse sucesso careta? Claro que não. Foi uma grande festa. Havia uma percepção de que as drogas abriam a consciência, algo ligado à contracultura, ao movimento beat e à vida em comunidade. Todos usavam de tudo um pouco, até que chegou a Aids.
Do que você sente mais falta de ter um conjunto? Não sou saudosista, mas quando assisti ao documentário Get Back, dos Beatles, senti muita falta da rotina de criação em grupo. Chegar ao estúdio, passar um café, trabalhar na ideia de um ou de outro… Mas como bom libriano, são dois pratos na balança: é muito difícil manter afinidade com tantas pessoas.
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Por que o RPM não alcançou a mesma longevidade de outras bandas da mesma geração, como Barão Vermelho, Paralamas do Sucesso e Titãs? Uma coisa que faz as bandas sobreviverem são as amizades verdadeiras. Alguns até conseguem entender que aquilo é um trabalho lucrativo, mas na hora que estoura todo mundo dá uma pirada. E eram basicamente as minhas letras e a maioria das minhas canções, então os outros queriam mais espaço. Há uma questão de ego porque o vocalista sempre aparece mais.
A banda acabou por isso? Mesmo sem nos conhecermos antes, tínhamos muito respeito pela nossa química musical. … como transar com alguém que você mal conhece e ter um sexo incrível. O RPM teve três finais, um pior do que o outro, alguns envolveram até litígios judiciais.
Com quem tem vontade de fazer um feat? Tem muitos talentos por aí, como Anavitória, Jão, Xamã, MC Cabelinho e Matuê. Gosto da linguagem do auto-tune que o trap usa, ainda que o rock tradicional torça o nariz para isso. Existe um radicalismo: eles querem que o roqueiro seja enterrado de jeans preto e casaco de couro. Por isso, ousei com o figurino deste show, uma alfaiataria moderna assinada pelo João Pimenta.
Esse radicalismo descambou para o âmbito político, com alguns roqueiros sendo bastante conservadores… Eric Clapton, que escreveu uma canção chamada Cocaína, lançou outra antivacina; nem ele é perfeito. São poucos como Chico, Gil e Caetano que, além de grandes artistas, são também intelectuais.
Como é envelhecer sendo um sex symbol de toda uma geração? Sempre tentei me afastar desse rótulo, pois tirava a atenção da nossa mensagem, mas sei que o componente sexual faz parte dessa alquimia. Envelhecer é um pé no saco, mas lido da melhor maneira possível, minimizando efeitos e aproveitando tudo que a maturidade e a experiência trazem de bom.