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Maria Ribeiro: essa voz tamanha

Com Caetano vou pro STF, pro Senado, pra Esplanada dos Ministérios, pra Ucrânia, pros escombros de Petrópolis, pras lutas mais árduas e causas mais ingratas

Por Maria do Amaral Ribeiro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
18 mar 2022, 06h00
Maria Ribeiro
Maria Ribeiro: 'Que separação difícil essa'. (Reprodução/Instagram)
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Há dezoito anos batendo ponto — e tambor — para a maternidade de dois garotos, já posso admitir, e me vangloriar — beijinho no ombro e tudo — de ter adquirido um tipo de cultura bastante específica.

Passei por Ganso e Neymar — isso ainda no Santos —, atravessei dois Homens-Aranha diferentes, alguns Batmans, uma dezena de Vingadores, 7 a 1, Rayssa, o luto pelo avião da Chapecoense, um pessoal do rock inglês do começo dos anos 2000, e três ou quatro parlamentares do tipo redentores.

Acompanhei com alegria e curiosidade tudo que meus filhos foram me apresentando até aqui, e agora, finalmente e pela primeira vez, estamos todos juntos, meus meninos e eu, no modo Zendaya de sobrevivência, a mina superpoderosa de Euphoria. Se você ainda não conhece, não perca tempo. E lide com a minha inveja. Sabe promessa de felicidade?

Ter ídolos é mesmo uma droga pesada, uma espécie de antidepressivo romântico, uma infanciazinha fora da idade, uma fé meio pop e meio tola que deveria vir de brinde com cada vacina alcançada. Nada como usar um CPF alheio pra redimir a humanidade inteira, não é? Tem gente que vale por três, inesquecível, como dizia Bukowski, e qualquer gostar é mesmo um pouquinho de Deus.

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Amar então…

Fora as contraindicações — evidentes e comprovadas (não façam em casa…) —, amar uma pessoa, com toda a fragilidade da nossa composição, com todos os riscos dessa tecnologia artesanal da qual somos feitos, é meio que assinar contrato com o mundo todo, mesmo com o elenco mais chato. Um horror e uma delícia, tudo junto.

Aceita os termos? Não é um robô? Então fecha os olhos e assina aqui, companheiro. Isso, nas letras miúdas. Sem pensar muito. I agree, I agree, sim, sim, sim, agora é pra sempre, que se dane o medo, o cérebro, os traumas, o superego. Primeiro concorda, depois lê com calma. Um pouquinho de ilusão não há de fazer mal. Ainda mais se Força Estranha estiver tocando no seu peito.

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Explico melhor. Quando a Paula Lavigne me escreveu, semana passada, perguntando se eu toparia ir ao Ato da Terra, organizado por ela e pelo pessoal da Mídia Ninja em Brasília e, agora é a parte que mais importa, capitaneado por ninguém menos do que o Caetano Veloso, não pensei duas vezes. I agree. Ato pela Terra? Agree também. Contra o pacote do governo que quer autorizar o garimpo no pouco que resta de terras indígenas? Sim, sim, sim. Contra a liberação de agrotóxicos que já são mais do que banidos em qualquer parte do mundo? Agree vezes mil.

“Ter ídolos é mesmo uma droga pesada, uma espécie de antidepressivo romântico, uma fé meio pop e meio tola que deveria vir de brinde com cada vacina alcançada”

Mas meu texto foi outro. Claro, Paula, tô dentro. Não sou nenhuma Bela Gil, nunca fui ao Xingu, ainda como alguma carne e tenho pouca propriedade pra falar sobre o tema, mas sou brasileira, anti-Bolsonaro e a Amazônia é a grande memória religiosa que trago no peito. Conheça um igarapé e faça as pazes com o sentido da existência. Juro.

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Ninguém precisa de vida depois da morte depois de navegar pelo Rio Negro. Aquilo é o céu e a terra, o infinito, o lego original da festa.

Assim como é Caetano. Caetano é meu igarapé, minha bandeira, meu hino, minha chance de ir em frente, de exibir minha nacionalidade, meus restos de pureza, minha brasilidade, meu Beatle favorito. Caetano é meu suco de sentido, minha bomba de oxigênio, o único homem no mundo que me faz rir e chorar ao mesmo tempo.

Por onde for, e acho que isso é Sá e Guarabira, quero ser seu par. E ele nem precisa saber disso.

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Com Caetano eu vou pro STF, pro Senado, pra Esplanada dos Ministérios, pra Ucrânia, pros escombros de Petrópolis, pras lutas mais árduas e pras causas mais ingratas, pros jogos sem chance, pras derrotas evidentes, pra qualquer céu, pra qualquer mato, pra qualquer trincheira, e até pra Disney, o que seria uma espécie de pesadelo.

Mas fomos pra Brasília. E o céu estava claro. E a lua estava bonita. E havia brasileiros bons. Por algumas horas, eu esqueci que ainda estávamos sendo governados por aquele personagem triste. E olhei pra aquela cidade bonita, e me lembrei do Renato Russo, e do Lúcio Costa, e achei que vamos sair de outubro com uma roupa mais justa.

Caetano cantou no Senado. E depois no gramado. Pra uma multidão de conterrâneos cheios de esperança. E, tomada por sua voz cantando “por isso uma força me leva a cantar”, do alto de seus 79 anos, tive vontade de ligar pros meus rebentos. “Por isso é que eu canto, não posso parar. Por isso essa voz tamanha.” João, Bento, meus filhos amados, o meu Vingador vai fazer 80. Não há super-herói ou jogador de futebol mais importante. Não há ator mais gato. Não há escritor mais relevante. Não há brasileiro mais brasileiro. Por causa dele, filhos meus, vocês terão floresta. Juro pra vocês.

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E pensar que eu estava de mal com a minha terra. Desculpa, mãe, era falta de ouvir seu filho.

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