Estudante carioca aprende medicina na Polônia, em meio à guerra e pandemia
Filha do surfista Carlos Burle, Iasmim cursa o sexto período da Universidade de Varsóvia, cujo hospital escola recebe crianças doentes vindas da Ucrânia
A guerra da Rússia contra a Ucrânia entrou de repente no currículo da estudante de medicina carioca Iasmin Burle, de 23 anos, aluna do sexto período da Universidade de Varsóvia, na Polônia. Filha do surfista Carlos Burle, ela tinha iniciado as aulas de pediatria no hospital escola na instituição quando começaram a chegar crianças doentes vindas principalmente de Kiev, capital ucraniana. A mudança mexe não apenas com a rotina do hospital universitário, mas também com a vida e a cabeça desta futura médica que escolheu a profissão inspirada no trabalho dos Médicos sem fronteiras. Ela é a única brasileira na turma de 23 alunos que têm aulas curriculares de pediatria lá. Faz a chamada anamnese, uma conversa para entender melhor o sente o paciente, lê os prontuários, vê os exames, auscuta…
+ Imagens do Rio vão de cartões postais a livros didáticos da rede municipal
“Desde a semana passada, são muitas crianças ucranianas sendo internadas ao mesmo tempo. Não são feridos de guerra, pois ficamos longe da fronteira. Estamos na ala de doenças infectocontagiosas, e elas chegam com males crônicos. Em geral, estavam internadas em hospitais de lá e precisam continuar seus tratamentos. Muitas, para piorar, pegaram Covid no trajeto, tendo que permanecer por 20 dias no isolamento“, conta Iasmim, que trabalha toda equipada com materiais de proteção contra o coronavírus, como uma astronauta, ajudando os médicos supervisores no atendimento. Um post do pai orgulhoso chamou a atenção para sua experiência lá.
Um dos casos mais marcantes vivenciado pela aspirante à medica tem sido o de uma menina de 6 anos que sofre de uma anemia aplástica e que, ainda em seu país, teve a família avisada de que precisa de um transplante de medula urgente, pois todas as células de seu sangue estão danificadas. Ela estava neste processo na Ucrânia, quando foi transferida para a Polônia. A criança e mãe foram contaminadas pela Covid, tendo que ficar em isolamento de 20 dias. “Ela tem um irmão de 4 anos que, pelas dificuldades de comunicação, não conseguimos entender com quem está aqui em Varsóvia neste período, já que o pai não pôde vir para cá. A primeira opção seria que um dos parentes fosse o doador, mas eles não são compatíveis e sequer há alguém para doar em vista”, conta Iasmim, que mal conseguiu conter a emoção ao ouvir a história contada pela mãe, que não fala inglês e precisou do auxílio do Google Translator para poder se comunicar. “Em tese já aprendi, em aulas de psicologia e de ética médica, que isso não pode acontecer. Mas é muito difícil evitar. Quando fui passar estas informações para a médica supervisora, perguntei se poderíamos testar se eu era compatível. Eu queria doar minha medula para aquela menina. Mas a médica teve que me lembrar de que não é assim que funciona o processo. É preciso fazer inscrição para ser doadora num banco de medula”, conformou-se.
+ Para receber VEJA RIO em casa, clique aqui
Por mais difícil que esteja sendo, Iasmim sabe que esta é uma experiência que não poderia ter em outros lugares, como no Brasil. “Estou tentando abraçar esta oportunidade de aprender mais sobre o sentido humanitário da medicina. Mas tenho muito o que aprender ainda sobre separar as coisas na hora dos atendimentos”, diz ela, que compara seu dia-a-dia hoje a viver “dentro de um livro de história, em meio à guerra e à pandemia de Covid: “Fico imaginando quando, no futuro, eu contar para meus filhos e netos o que aconteceu quando eu imaginava que ia aprender “normalmente” a medicina. Sempre romantizei muito o trabalho dos Médicos sem fronteiras e achava que iria trabalhar com medicina social até morrer. Mas, para uma pessoa emotiva como eu, é um desafio”.