Na plateia de Hair, Antonio Fagundes reflete sobre repressão e liberdade
O ator protagonizou a primeira versão nacional do musical que prega a paz e o amor há seis décadas e elogiou o elenco da montagem atual

Promulgado em dezembro de 1968, o Ato Institucional nº 5 cassou direitos individuais e constitucionais, mergulhando o Brasil nos anos de chumbo da ditadura militar. Dez meses depois, estreava em São Paulo a primeira versão nacional do musical Hair.
A obra é um panfleto escancarado contra a Guerra do Vietnã, o racismo e a intolerância, escrito pelos americanos Gerome Ragni (1935-1991) e James Rado (1932-2022) e lançado no circuito off-Broadway, em Nova York, em 1967.
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Então com 20 anos e três de carreira, o carioca Antonio Fagundes ganhou uma chance de ouro ao ser convidado, duas semanas após a estreia, para substituir Altair Lima (1936-2002), que também produzia o espetáculo e estava afônico. “Tive dois dias para decorar as falas, as músicas e as coreografias”, relembra o ator carioca.
A empreitada dirigida por Ademar Guerra (1933-1993) contava com um elenco de ouro, com nomes como Sonia Braga, Ney Latorraca (1944-2024) e Aracy Balabanian (1940-2023), e foi um tremendo sucesso, contando com sessões no extinto Teatro República, no Centro do Rio.
A convite de VEJA RIO, Fagundes e a esposa, Alexandra Martins, se dirigiram ao Teatro Riachuelo numa tarde de domingo de agosto para conferir a montagem atual, com a grife de Charles Moeller e Claudio Botelho, em cartaz até 21 de setembro.

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O papel principal, Berger, defendido pelo veterano nos anos 1960, cabe agora a Rodrigo Simas. “Os atores da primeira produção viviam em meio à repressão e lutavam pelos seus direitos. A gente continua fazendo isso, mas devemos reconhecer a liberdade conquistada”, observa o artista de 33 anos, ostentando um megahair para interpretar o líder de uma tribo de hippies que prega a liberdade de expressão.
Fagundes recorda que a cena na qual a trupe fica nua no palco precisou de ajustes para driblar a censura, mas acabou servindo de “cortina de fumaça”, e as críticas ao regime ditatorial foram mantidas. “Eles não perceberam que o buraco era bem mais embaixo. É uma pena que, mais de cinco décadas depois, a peça ainda traduza a realidade”, lamenta o veterano, em referência ao alinhamento entre as extremas-direitas dos Estados Unidos e do Brasil.

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O elenco atual reúne trinta artistas, selecionados entre quatrocentos candidatos ao longo de duas semanas. “Dessa vez, fizemos testes abertos, porque muita gente talentosa acabava ficando de fora por não ter currículo. Um terço dos atores veio dessas audições”, conta a diretora artística da Aventura, Aniela Jordan, que produziu portentosos sucessos de bilheteria como A Noviça Rebelde, Elis, a Musical e Mamma Mia.
Charles Moeller frisa que a nova empreitada é “completamente diferente” da encenada em 2010, que contou com Igor Rickli vivendo Berger. “O mundo mudou nos últimos quinze anos, passamos até por uma pandemia. Para mim, Hair faz sentido num teatro, um lugar utópico”, enlaça o diretor.
Entusiasmado e emocionado, Fagundes subiu ao palco ao final da sessão e dançou Deixa o Sol Entrar com os jovens colegas e alguns espectadores. “Esse espetáculo é um deslumbre, e o elenco é excelente, todos cantam muito bem. Na minha época, só precisava ser um pouquinho afinado”, divertiu-se, quando as cortinas se fecharam. Que a Era de Aquário traga, finalmente, tempos de paz e amor.