Fotógrafa conta em livro como foi imersão em aplicativos de relacionamento
Patricia Gouvea se lançou num universo até então desconhecido sem filtros, disposta a novas experiências políticas, estéticas, afetivas e sexuais
O que muita gente tem vivido ao se relacionar por meio das redes sociais foi resumido no fotolivro “Do amor”, da fotógrafa e artista visual Patricia Gouvea. Após uma verdadeira imersão em aplicativos de relacionamento – impulsionada por seu divórcio, em 2017 -, Patricia sentiu na prática como a polarização política invadiu o campo do afeto e dos desejos. “O livro é o resultado desta experiência, alinhando um momento pessoal difícil com um Brasil cada vez mais inviável, trazendo à tona os ruídos que o grave momento político que vivemos vem causando”, conta ela, hoje aos 48 anos, despida de qualquer avatar. No livro – que será lançado neste sábado (1), no Bar da Encruza, em Santa Teresa – Patricia apresenta perfis e diálogos típicos das relações virtuais contemporâneas.
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“O simples fato de passar alguns segundos olhando um perfil fazia os algoritmos me ‘interpretarem’ de forma a direcionar minhas ‘preferências’”, foi aos poucos percebendo a autora, que se lançou num universo até então desconhecido sem filtros, disposta a novas experiências – políticas, estéticas, afetivas e sexuais. Uma das fundadoras da Agência Foto In Cena (1995/98) e do Ateliê da Imagem (1999/2019) – espaço cultural independente que formou duas gerações de fotógrafos -, Patricia trabalha com fotografia, vídeo, filme, instalação e intervenção urbana. Doutoranda em Estudos Contemporâneos das Artes na UFF, é mestre em Comunicação e Cultura na linha Tecnologias da Comunicação e Estéticas da Imagem pela ECO/UFRJ, além de especialista em Fotografia e Ciências Sociais. Sua pesquisa tem como um dos principais eixos a expansão das temporalidades da imagem a partir de reflexões sobre o corpo, a natureza, a destruição ambiental e os apagamentos da memória operados pelas “histórias oficiais”.
“Como pesquisadora de imagens, alguns perfis me chocavam: como tantos homens podem se apresentar e se retratar portando armas? Vestidos de Papai Noel, super heróis, polícia?”, surpreendeu-se, ao ponto de resolver, então, fazer da experiência um trabalho. “Mas a situação mais impressionante e que me inspirou a vontade de fazer este fotolivro foi o encontro com um rapaz que eu descobri logo no primeiro encontro (que foi um fracasso) ser um bolsonarista raiz, destes que estão realmente imersos no reino das fake news“, relembra a autora. A relação se tornou tão conflituosa que foi preciso bloqueá-lo: “Tentei com fatos e argumentos conversar durante muito tempo com ele, afinal precisamos e precisaremos criar muitas pontes sobre abismos daqui pra frente”. Não deu certo.
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Outra situação recorrente era marcar um encontro num bar e, ao chegar, ver um sujeito completamente diferente do esperado. Isso porque eles usavam como “retrato” no perfil a fotografia de outra pessoa. “Nestas ocasiões eu até consegui me divertir um pouco, já que tudo é fake eu assumia outra versão de mim mesma e conseguia dar boas gargalhadas em uma mesa de bar”. Qualquer semelhança com fatos ou situações vividas por outras milhares de mulheres não é mera coincidência.