À beira de um ataque de nervos, noivos fazem fila para subir ao altar
Dois anos e muitos adiamentos depois, eles correm contra o tempo para preparar a festa sonhada durante a pandemia; 'congestionamento' vai do bufê ao vestido
Após quase dois anos de espera, com o relógio parado pela pandemia, o grande dia finalmente chegou. A advogada carioca Camila Martins, 32 anos, adentra a Paróquia Santa Margarida Maria, na Lagoa, para realizar o sonho de trocar alianças com o advogado Pedro Pamplona Cotia, de 34, com quem está desde 2018. À primeira vista, tudo parece perfeito, mas ela percebe que falta um detalhe valioso: as flores. A cena que assombra não passa de um dos pesadelos que têm agitado as noites de sono da noiva, com casório marcado para 30 de julho. O roteiro onírico reflete uma ansiedade que ronda outros casais prestes a pisar no altar. Com a curva pandêmica decrescendo, todos eles correm agora para acertar as engrenagens da festa pela qual tanto esperaram. E não deu outra: fila na cidade para conseguir de tudo — do bufê ao vestido.
+ Os seguidores da pirralha: Greta Thunberg faz escola no Rio
Como casamentos são aquele tipo de festejo que pode alcançar ares de superprodução, muita gente vem penando para deixar as dezenas de etapas da celebração bem amarradas. No caso de Camila, a dois meses do “sim”, a decoração ainda não está fechada nem os brigadeiros e bem-casados, encomendados. A ideia inicial era se casar na igreja do Colégio de São Bento, uma vontade antiga do noivo, ex-aluno de lá, mas que acabou não se concretizando por falta de vagas. “Foi uma frustração para ele. E, enquanto a resposta não vinha, acabamos deixando tudo para em cima da hora”, explica a noiva, que aguarda aflita o retorno de um mundaréu de fornecedores. “Estou correndo em ritmo de meia maratona para bater vários martelos. Felizmente, conto com uma baita força-tarefa familiar.”
Noivas e noivos sentem na pele os efeitos de um conceito elementar da economia: a demanda reprimida. Pois a multidão que freou os planos em decorrência do vírus quer selar a união tão logo possível, com um sentido de urgência para muitos. Quem tem se beneficiado do entusiasmo renovado são os profissionais desse profícuo mercado. “Estamos vivendo três anos em um”, resume Fabiano Niederauer, fundador da plataforma Inesquecível Casamento, há duas décadas atuando como empresário de marketing na seara dos casórios. “O mais complexo é encontrar espaço na agenda daqueles profissionais únicos, como fotógrafos, DJs especializados e cerimonialistas”, diz o especialista, lembrando que o setor perdeu mão de obra freelancer nos últimos tempos. Na outra ponta da cadeia produtiva — a do consumidor —, a psicóloga Jessica d’Escoffier, 31 anos, há dez com o administrador Gustavo Garcia, de 34, não consegue hoje marcar sua maquiagem para 1º de outubro, data escolhida para oficializar a união diante de 150 convidados na bucólica Casa de Santa Teresa. “Já recebi algumas negativas, preciso pesquisar outras opções”, conta. “É tanto detalhe que nem sei direito o que ainda falta”, completa, tentando manter a santa paz.
Responsável por girar 2 bilhões de reais por ano na economia fluminense antes da pandemia, a indústria casamenteira, tão baqueada desde que o vírus grassou nestas praias, volta, em meio a tamanha euforia, a produzir bons números. Nos primeiros quatro meses do ano, os casamentos na cidade saltaram quase 20% em relação ao mesmo período de 2020, de acordo com dados da Associação de Registradores Civis de Pessoas Naturais do Rio de Janeiro (Arpen-RJ). E a tendência é que siga a todo o vapor. “Quem conseguiu sobreviver está tirando o pé da lama. Ao contrário do anunciado, a retomada não teve nada de gradual. De repente, pisaram no acelerador e fomos de zero a 100 no mesmo minuto”, comemora o requisitado cerimonialista Roberto Cohen. Dos 150 eventos que contarão com sua assessoria neste ano (o dobro de 2019), metade corresponde a enlaces matrimoniais. No ateliê da estilista Carol Hungria, onde os vestidos de noiva partem de 10 000 reais e extrapolam o céu como limite, o panorama é semelhante: “Vivemos um momento glorioso, trabalhando praticamente sem pausa. Tem dias que almoçamos em cinco minutinhos”, relata a criadora dos modelitos das famosas. “Se antes pedíamos uma antecedência de oito meses a um ano, agora recomendamos assim: conseguiu o noivo, já pode agendar o atendimento”, brinca.
A agenda das casas de eventos e dos bufês também anda disputada. No Espaço Lamartine, no Itanhangá, na Barra, com capacidade para receber até 600 pessoas entre o salão e a área externa integrada à natureza, quase todos os sábados de 2022 — o dia preferido — estão lotados e já há festas reservadas para o decorrer do ano que vem. “Até mesmo os dias de semana, que antigamente quase não registravam procura, passaram a ser bastante almejados”, observa Cristina Lamartine, sócia do local, cuja locação parte de 18 000 reais. No concorrido Copacabana Palace, serão mais de cinquenta matrimônios nesta temporada, além de dezenas programados para 2023. “Temos recusado muitos pedidos. Chega a dar dó. Mas existe um limite do que podemos aceitar para garantir a excelência na entrega”, conta Ricardo Pires, sócio do Rappanui Gastronomia ao lado da mulher, Margareth Rocha. Ela nota uma mudança no comportamento dos atuais noivos. “Eles querem tudo para ontem, como se não houvesse amanhã”, diz.
Apesar de assustar, nem mesmo a inflação nem a alta do dólar e do euro têm freado os casais, que cada vez mais investem em pré e after wedding, horas extras de festa e nababescas estruturas para o grande dia (veja as tendências no quadro). “Ainda tem quem prefira as festas menores, mas sem dúvida a hora é de retorno dos grandes casamentos, com aposta naquilo que faz o evento ser mais animado e durar mais: open bar e música”, ressalta a cerimonialista Renata Delduque. Após um vaivém de datas, a publicitária Isabella Kraskoff Zielonogora, 26 anos, e o economista Tiago Valle, de 28, finalmente cravaram um dia para a cerimônia: 6 de maio de 2023.
+ Para receber VEJA RIO em casa, clique aqui
Inicialmente marcada para março de 2020, em Búzios — à época com convites distribuídos, quipás e Havaianas gravados com as iniciais dos noivos—, a celebração já foi adiada três vezes para que tudo esteja nos trinques. “A última foi a que mais me pegou, porque fiquei com a sensação de que meu dia nunca chegaria. Bateu um leve desespero, mas depois botei os pés no chão e vi que valeria a pena esperar um pouco mais para que tudo saia perfeito”, decreta Isabella, que aumentou a lista de convivas e padrinhos, de dezesseis para vinte. “Vou incrementar a decoração, fazer tudo do jeito que quero”, diz a animadíssima noiva, que avisa: “Adoro dançar. Quem quiser me cumprimentar vai ter de ir à pista, porque não vou sair de lá”. Ao que tudo indica, a resistência e a eterna paciência dos pombinhos serão muito bem recompensadas.