Carioca em Paris: ‘As ruas estão desertas’
Thiago Jaconianni é arquiteto e está em quarentena por causa do Covid-19: 'No domingo, parques estavam lotados como se uma pandemia não estivesse chegando'
Faz três meses que me mudei para Paris por motivos profissionais. É uma cidade que sempre me encantou pelas ruas extremamente movimentadas, com um comércio ativo e pessoas das mais diversas tribos ocupando um mesmo espaço. Por ter estudado em Milão e ter muitos amigos por lá, acompanhava a situação, e enquanto aqui toda essa vida acontecia, por lá o cenário já era muito ruim. E assim continuou por algumas semanas, nossos vizinhos entrando em uma crise sem precedentes enquanto o dia a dia continuava perfeito na Cidade Luz. Me perguntei diversas vezes como era possível que o povo italiano estivesse em uma situação tao precária enquanto aqui os bares continuavam cheios até mesmo durante a semana.
Mas finalmente a consciência chegou. Quinta (12) à noite em um pronunciamento em rede nacional o presidente Emmanuel Macron anunciou o fechamento de todas as instituições educacionais e recomendou que todos permanecessem e trabalhassem de casa, se possível. Mas, nos dias que se seguiram, nada mudou, as ruas continuaram cheias e movimentadas, e em decorrência disso rapidamente novas medidas mais severas foram implementadas. Sábado foi anunciado que à meia-noite todas as atividades não essenciais à sociedade fossem interrompidas (exceto supermercados, farmácias e bancos). Dessa vez parece que o recado foi mais efetivo, mas, mesmo assim, em vez de todos irem para casa, o sentimento era de aproveitar os últimos minutos de liberdade o máximo possível. O domingo (15) amanheceu lindo, céu azul e nenhuma nuvem encobria Paris, e o que se viu foram parques e espaços públicos lotados como se uma pandemia não estivesse chegando. Em função de tudo que estava acontecendo, na segunda feira à noite, em um novo pronunciamento, Macron tomou as medidas mais severas e necessárias: decretou o fechamento da União Europeia por 30 dias e impôs a quarentena em toda a França. O tempo anunciado inicialmente é de 15 dias, mas todos esperam que esse prazo seja estendido para ao menos 1 mês.
Por um lado me espantou a falta de reação da população enquanto nossos vizinhos viviam uma crise sanitária e econômica sem precedentes, mas por outro lado o que se viu foram medidas rápidas e fortes do governo para diminuir a curva de infecção enquanto ainda possível. Hoje as ruas estão desertas e parece que todos entenderam seu dever cívico: que nossas ações influenciam milhares, e que esse sacrifício não é por nós, mas por amigos e familiares mais frágeis. Os hospitais franceses preveem uma invasão nas próximas semanas e no Brasil, com um sistema de saúde fragilizado e um governo omisso e irresponsável, me preocupa a situação da população, que até então não viu nenhuma forte medida de contenção ao COVID-19. Espero que o senso de solidariedade e a empatia cheguem o quanto antes, para que possamos diminuir ao máximo o impacto de uma crise que, com certeza, como nós aqui assistimos acontecer com os nossos vizinhos italianos, chegará.
*Thiago Jaconianni é carioca, arquiteto e urbanista radicado na França e com mestrado na Universidade Politecnico di Milano. Em depoimento a Carolina Barbosa.