Solidariedade carioca: projeto distribui quentinhas a quem precisa na Lapa
O fisioterapeuta Pedro Borges está à frente da ONG Somos, que já contou com 200 voluntários e parcerias com várias empresas, da Petrobras ao canal Sexy Hot
Quando o Fiorino branco chega aos Arcos da Lapa, duas vezes por semana, o pessoal do bairro sabe que será um bom dia. Por trás do volante está o fisioterapeuta Pedro Borges, que, na pandemia, encontrou outra forma de ajudar as pessoas. Na linha de frente durante o período de isolamento social, iniciado em março de 2020, ele ficou impressionado com a quantidade cada vez maior de pessoas em situação de rua nos arredores do Centro, por onde passava em direção ao trabalho.
“Chegava em casa e dividia essa indignação com a minha esposa, até que um dia ela disse que eu falava muito, mas fazia pouco”, lembra. A provocação de Jacqueline fez com que os dois se juntassem para produzir quentinhas com os produtos da própria despensa. “No primeiro dia de distribuição, elas se esgotaram em minutos. Foi um cenário assustador e ali percebi que não podia parar”, conta Pedro, que passou a usar as redes sociais para pedir doações aos amigos.
A partir dessa cadeia de solidariedade surgiu o movimento social Covid Sem Fome, que até setembro de 2021 arrecadou quase 100 000 reais e distribuiu 75 000 refeições, 1 000 máscaras, além de álcool em gel, fraldas descartáveis e leite.
“No primeiro dia de distribuição de quentinhas, elas se esgotaram em minutos. Foi um cenário assustador e ali percebi que não podia parar”
Apesar das melhoras no cenário pandêmico, a crise nas ruas caminhava na direção contrária. Tanto é que um censo divulgado pela prefeitura no último mês apontou o aumento de 8,5% na população em situação de vulnerabilidade social nos últimos dois anos. Pedro, então, decidiu seguir com a mão na massa e criou o Somos, organização sem fins lucrativos que já contou com 200 voluntários e conquistou vários parceiros.
A faculdade Unisuan cedeu os laboratórios onde as quentinhas passaram a ser produzidas por nutricionistas (são cerca de 300 por semana), e outras empresas vieram em rebote, desde a Petrobras até o canal Sexy Hot, que doou camisinhas. “Os dias de distribuição são sempre emocionantes e nunca tivemos um episódio de violência”, afirma o fisioterapeuta, que muitas vezes segue pela Lapa para tomar uma cerveja depois da boa ação.
Mesmo com todo o trabalho na ONG, ele e Jacqueline, que é biomédica, seguem em seus empregos — mas garantem não serem mais os mesmos. “Depois que começamos esse trabalho, várias portas se abriram, para nós e para os voluntários também. Quando a gente doa o nosso tempo, o universo encontra uma forma de retornar isso para gente”, acredita, agora com a certeza de quem faz — e muito.