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Caribrejo: com ares de Caribe, Praia do Flamengo é a nova onda do verão

Após desvio do curso do Rio Carioca, o antigo Brejão vem alcançando recordes de balneabilidade e atraindo uma turma que faz dali um novo point na cidade

Por Kamille Viola, Marcela Capobianco
Atualizado em 17 nov 2023, 11h49 - Publicado em 16 nov 2023, 20h00
O banho está liberado: moradores de Laranjeiras, Lisa e Ricardo passaram a curtir a praia perto de casa com a filha (acima), enquanto a advogada Jade Petruccelli aproveita um dia de sol na areia depois de praticar ioga no parque (abaixo à esq.) (Arkadij Schell/iStock/Getty Images; Daniela Dacorso; Daniela Dacorso; Arkadij Schell/istock/Getty Images; Arkadij Schell/iStock/Getty Images)
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Foi no atípico inverno carioca, em que termômetros bateram os 40 graus, que o burburinho nas redes começou. Depois de sete anos, a Praia do Flamengo — ou “brejão”, como era conhecida — estava própria para banho. A notícia logo se espalhou, e as areias ficaram abarrotadas de gente que nunca havia se aventurado por aquele mar outrora fétido. Dados do Instituto Estadual do Ambiente (Inea) apontavam queda de 92% da poluição das águas desde 2018 e, entre meados de junho até o final de outubro deste ano, 75% dos boletins de balneabilidade indicavam condições favoráveis para um mergulhinho. “Não foi só a cor da água que mudou, mas o cheiro também. O odor de brejo sumiu”, comemora o cantor e compositor João Cavalcanti, 43 anos, criado no Largo do Machado e morador de Laranjeiras. Ele foi um dos primeiros a postar um vídeo que viralizou ao exibir as águas translúcidas do brejão, agora carinhosamente rebatizado de Caribrejo, em alusão aos cristalinos mares caribenhos.

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A situação atual só se assemelha à registrada em 2016, momento fugaz em que a Baía de Guanabara sediou as competições de vela dos Jogos Olímpicos. Com a interrupção dos investimentos, porém, os resultados desabaram: um ano depois, mais de 90% das medições voltaram a considerar a área imprópria para banho. A maré começou a mudar após o leilão da Cedae, quando entrou em vigor o contrato de concessão com a Águas do Rio, que prevê aporte de 39 bilhões de reais em serviços de água e esgoto no estado. Desde então, a empresa apostou numa parceria com o poder público segundo a qual condomínios e restaurantes que despejam esgoto ilegalmente em galerias pluviais vêm sendo autuados. Outro avanço significativo veio com a construção de uma estação elevatória de esgoto na Praça Cuauhtemoque, perto da Avenida Rui Barbosa, além do desvio do Rio Carioca para o interceptor oceânico — um grande túnel que conduz o esgoto da Zona Sul para o emissário submarino, em Ipanema. “Essas medidas impediram que 22 milhões de litros de água contaminada fossem despejados diretamente na Praia do Flamengo por dia”, calcula o superintendente da Águas do Rio, Sinval Andrade.

Com o mar limpo, um irrecusável convite a uma refrescada para amainar a estufa de certos dias, moradores do bairro e do entorno — Glória, Catete, Laranjeiras —, que em geral não passavam do calçadão, decidiram fincar os pés na areia. Foi assim com o economista Ricardo Barboza, 36 anos, e com a administradora Lisa Viggili, 44. Apesar de ter crescido em Laranjeiras, ele jamais cultivou o hábito de frequentar as areias dali. Já a esposa, nascida em Belo Horizonte, até lembra de ir à Praia do Flamengo com a família quando criança, mas, com o tempo, rumou para points mais recomendados da orla. “Antes, a gente variava, indo do Leme ao Recreio. Agora, estamos sempre aqui, que está muito bom”, avalia Ricardo. “Temos uma filha de 2 anos e, para ela, é perfeito. Sem onda, o mar fica parecendo piscina.” Ele se recorda sem saudades dos tempos não tão longínquos assim em que se despencava para outras praias, uma logística que envolvia colocar carrinho de bebê no carro, procurar vaga e ainda pagar caro pelo estacionamento. “A gente vem a pé e ainda tem a vista mais bonita do Rio, com o Pão de Açúcar ao fundo”, encanta-se Lisa.

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Quem tira o sustento de negócios estabelecidos na praia tem sentido no bolso os efeitos positivos da maré alta. Há quinze anos à frente de uma barraca na areia, Anderson Fraga, 46, viu o público à procura de sol e mar aumentar, o que se refletiu automaticamente na procura por cadeiras e guarda-sóis — alugados a 5 e 10 reais respectivamente, pechincha no contraste com os valores praticados noutros trechos de areia carioca. “Há quinze anos, quando eu vim trabalhar aqui, a praia bombava. As pessoas atravessavam a cidade para aproveitar, depois foi se esvaziando, e o lucro caiu”, relata. Vendedor de algodão-doce, Henrique de Paula, 33 anos, notou que a praia anda atraindo uma turma de maior poder aquisitivo. “Em dia de sol, chego a vender 100 desses”, conta ele, explicando a escolha do produto que comercializa naquelas areias: “Aqui é uma praia família, tem muita criança, bem mais que nas outras da Zona Sul.”

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O hábito de estender uma canga na areia e tomar banho de mar, hoje tão natural, tem pouco mais de um século — um tempo em que pontos da vasta orla entraram e saíram de moda. Nos anos 1920, foi a vez de Copacabana e seu charme cosmopolita atraírem multidões. As lisérgicas dunas da Gal magnetizaram a Ipanema da década de 1970, enquanto a paradisíaca Praia do Pepê, na Barra, conheceria seu auge dez anos mais tarde. O liberal Posto 9, também em Ipanema, despontou no início dos anos 2000. E a onda chegou enfim ao descolado Leme e à instagramável Praia Vermelha, na Urca, que fervem nos dias atuais. Os novos ventos que sopram em direção à Praia do Flamengo já passam a despertar o interesse das jovens gerações, um indicador de que a região pode ascender à posição de hit do verão que se avizinha. “Eu vinha muito sozinha, trazia um livro, às vezes mergulhava. Agora, tenho amigos de outros bairros migrando para cá”, festeja a educadora Patrícia Marys, 33 anos, moradora da área. “No nosso point, a Barraca do Anderson, vejo muita gente com cara de Leme”, diverte-se ela, ao lado da funcionária pública Aline Pereira, 34, da educadora Ivana di Mauro, 28, e da socióloga Thaylla Frazão, 33.

As amigas Patrícia, Aline, Ivana e Thaylla (acima) e o músico João Cavalcanti (à dir.) curtem um dia de praia no Flamengo: os índices de balneabilidade começaram a melhorar desde que o esgoto que jorrava pela foz do Rio Carioca (abaixo) foi desviado em direção ao emissário submarino de Ipanema
As amigas Patrícia, Aline, Ivana e Thaylla (acima) e o músico João Cavalcanti (à dir.) curtem um dia de praia no Flamengo: os índices de balneabilidade começaram a melhorar desde que o esgoto que jorrava pela foz do Rio Carioca (abaixo) foi desviado em direção ao emissário submarino de Ipanema (Daniela Dacorso/Divulgação)

Um chamariz destas areias é que ficam sob a moldura do Parque do Flamengo, oficialmente Parque Brigadeiro Eduardo Gomes, idealizado pela arquiteta Lota de Macedo Soares, com paisagismo de Roberto Burle Marx. Inaugurado em 1965, o cartão-postal se estende por 1,2 milhão de metros quadrados, do Aeroporto Santos Dumont, no Centro, ao início da Praia de Botafogo. Tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), o parque dispõe de quadras de futebol, tênis, vôlei e basquete. Pela praia, se espalham grupos de treino funcional, clubes de canoa e redes de vôlei e futevôlei. Aos domingos e feriados, quando as pistas do Aterro do Flamengo ficam fechadas para carros, das 7 às 18 horas, o local lota de gente de todo canto. Desde que foi morar no Flamengo, há dois anos, a stylist Isabela Oliveira, 29, faz treinamento funcional pertinho do mar. “Durante o dia, me sinto mais segura do que nas outras praias, mas, quando tenho aula à noite, voltar para casa é tenso. A passagem subterrânea é bem escura”, alerta, trazendo à luz um obstáculo para o qual as autoridades devem atentar. Em dias de chuva forte, também é bom lembrar, o interceptor oceânico não dá conta de sugar todo o volume do Rio Carioca, situação que inspira cuidado. “Parte da água contaminada chega inevitavelmente à baía, então deve-se evitar o mar 24 horas após temporais”, recomenda Cauê Bielschowsky, diretor de segurança hídrica e qualidade ambiental do Inea.

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Apesar das questões ainda no aguardo de soluções, o renascimento da Praia do Flamengo é notável — e não se trata de caso isolado na cidade. Em Paquetá, após um investimento de 26 milhões de reais, os dejetos passaram a ser canalizados para um interceptor oceânico que leva à estação de tratamento de São Gonçalo, zerando os lançamentos na baía. O resultado aparece nas medições de balneabilidade do Inea. “Até o ano passado, a Praia da Imbuca aparecia com bandeira verde em apenas 20% das medições. Esse número já subiu para 90%”, celebra Cauê, diretor do Inea. Isso é vital às engrenagens cariocas. “A gente está vendo lugares importantes do Rio voltando a atrair turistas e gerando emprego”, diz ele. Na Praia da Bica, na Ilha do Governador, foi construída uma galeria para receber águas pluviais contaminadas por esgoto. Entre fevereiro e março, três boletins consideraram as águas próprias para banho. No Recreio, já há uma obra em curso de tratamento do complexo lagunar e, em São Conrado, a estação elevatória foi inteiramente reformada.

Há outras boas novas no horizonte. A meta da prefeitura para o ano que vem é identificar o despejo ilegal de esgoto em galerias pluvais que deságuam na Praia de Botafogo, outra belíssima faixa de areia que pena com anos de negligência. “Nossos rios sempre foram tratados como latrinas urbanas. Infelizmente, parte da população ainda tem esse pensamento, daí a necessidade de uma educação ambiental”, ressalta Tainá de Paula, secretária municipal de Meio Ambiente, que passou a praticar natação no mar da repaginada Praia do Flamengo. O sinal verde para o banho com direito a uma das vistas mais deslumbrantes da cidade — de um lado, o Pão de Açúcar, e do outro, o Corcovado, quem precisa de mais? — devolve ao Rio uma de suas mais democráticas opções de lazer. “Se antes eu só fazia ioga no gramado e trazia os cachorros para passear no parque, agora o programa ficou completo com uma prainha e um mergulho”, destaca a advogada Jade Petruccelli, 36 anos, num lindo dia de sol e água límpida. Golaço do Flamengo.

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HABEMUS PRAIA DO CATETE?
>> A recente polêmica que sacudiu as redes sociais

As águas agora límpidas do trecho da Baía de Guanabara defronte ao Flamengo viraram assunto nas redes, fornecendo combustível para calorosas discussões. A polêmica gira em torno do nome da praia em questão: afinal, é Flamengo, Glória ou Catete? A dúvida tem fundamento, já que a região passou por diversas transformações. No século XVI, o Rio Carioca era chamado pelos portugueses que aqui ancoravam de Aguada dos Marinheiros, por servir de ponto de abastecimento de água potável. Ocorreu, nessa época, a batalha que resultou na morte de Estácio de Sá e na vitória dos lusitanos sobre a Confederação dos Tamoios e franceses. Em Dom Casmurro, lançado em 1899, Machado de Assis descreve “o pedaço de praia entre a Glória e o Flamengo”. Já em O Ermitão da Glória, de José de Alencar, de 1873, aparece uma referência à Praia do Catete.

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Nos primeiros anos do século XX, na gestão do prefeito Pereira Passos, a implementação da Avenida Beira-Mar incentivou o desenvolvimento da área, que ganhou construções luxuosas, a exemplo do Edifício Guinle, projetado pelo arquiteto francês Joseph Gire, o mesmo do Copacabana Palace. “Como o Palácio do Catete virou sede do governo, a região caiu no gosto da elite, e a faixa de areia se converteu na primeira grande área de lazer do Rio”, conta o historiador Cezar Honorato, professor da UFF. Em 1964, com a inauguração do Aterro, perdeu-se a referência do que dividia as enseadas da Urca, Botafogo e Flamengo. “O trecho que vai da Praça Paris ao Morro da Viúva se transformou num grande corredor, então é comum a dúvida quanto ao nome da praia, que fica em frente a três bairros”, diz. Mas esclarece: o correto mesmo é Flamengo.

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(Pedro Kirilos/Riotur)

O MAPA DA PRAIA
>> Quiosques, barracas e escolinhas esportivas mais procurados

BRA Va’a Praia Club
(./Divulgação)

> No BRA Va’a Praia Club (@bravaaclub), na vizinha Prainha da Glória, as aulas de canoa polinésia são ministradas pelo professor Carlos Chinês de segunda a sexta, das 5h40 às 7h10 e das 7h10 às 8h30, e sábado, das 7h às 9h.

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> O Circuito da Praia (@circuitodapraia) oferece aulas de funcional, futetreino e cross training. De segunda a sexta, na altura da Rua Almirante Tamandaré.

> Próximo ao Posto 1, a Life Fitness Beach (@lifefitnessbeach) oferece treino funcional e de força, e o CR Esporte Futevôlei (@c.r.esporte), no Posto 2, dá aulas para crianças, iniciantes e pessoas em nível intermediário.

> No Posto 2, a Barraca do Anderson é um dos points da areia, com latão de Brahma e Antarctica a R$ 8,00, junto com a Barraca do Serginho (@barracadoserginho_), na altura da Rua Almirante Tamandaré, onde se reúne a turma do futevôlei.

> O Quiosque da Cidinha, de número 5, fica próximo à Administração do Parque, entre as ruas Silveira Martins e Ferreira Viana. Famílias costumam fazer churrasco por lá.

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