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Entrevista: ‘Tive que voltar para a terapia’, diz Ana Paula Araújo

Jornalista lança nesta segunda (5) livro sobre abusos no Brasil e diz que entrevistas com vítimas a abalaram emocionalmente; 'Chorei várias vezes'

Por Cleo Guimarães
5 out 2020, 10h38

Não foi fácil, mas Ana Paula Araújo gostou da experiência e vai repetir a dose. Autora de Abuso – A Cultura do Estupro no Brasil, livro que lhe consumiu quatro anos de pesquisas e entrevistas e será lançado nesta segunda (5), a jornalista já definiu o assunto que abordará em seu próximo trabalho: a violência doméstica. Apresentadora do Bom Dia Brasil, Ana Paula concedeu a seguinte entrevista para VEJA RIO:

Depois de cerca de 100 entrevistas e de quatro anos de pesquisa para lançar o livro, a que conclusões você chegou sobre os casos de abuso sexual no Brasil? A maioria dos casos acontece dentro de casa e as vítimas em geral são menores de idade. Mas não há exatamente um padrão. Encontrei vítimas de todas as idades e classes sociais. Estupradores também podem ser encontrados entre pais de família e estudantes universitários, por exemplo. É importante desmistificar a ideia de que o estuprador só age em ruas desertas, tarde da noite, contra mulheres descuidadas. Os casos acontecem a qualquer horário, o estuprador em geral conhece a vítima e não há nenhum comportamento da vítima que estimule ou impeça um estupro. É absurdo pensar que mulheres com roupas decotadas façam alguém se tornar um estuprador.

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Ao escrever o livro, você chegou a alguma constatação que considere surpreendente? Não esperava ter que falar de abuso sexual contra crianças, achei que era outra questão. Mas elas são as principais vítimas. E não por um surto de pedofilia, que é um distúrbio psiquiátrico relativamente raro. A maioria dos abusadores de criança não sofre de nenhum transtorno mental que possa, inclusive, servir de atenuante. São simplesmente criminosos covardes que se aproveitam da vítima mais fraca, mais fácil de dominar, seduzir e ameaçar, e que normalmente estão dentro de casa.

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Que caso te tocou mais? Houve alguma história especialmente mais difícil de ouvir, que você tenha precisado respirar fundo para terminar de apurar? Vários casos me tocaram profundamente. Viajei pelo Brasil e lembro de chorar muito nos hotéis onde fiquei, na volta das entrevistas. Outras vezes ficava simplesmente sem conseguir falar por algum tempo. Mas só chorei uma vez durante o trabalho. Foi ao entrevistar uma menina do Marajó com a idade exata da minha filha e que tinha sido abusada pelo pai. Era uma menina tão doce, a mãe, tão batalhadora, elas estavam tão sofridas… não consegui esperar pra desabafar. Até hoje acompanho notícias dessa família. As duas são muito especiais.

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Como fazia para mudar o foco? Não consegui muito tirar o foco. Por isso fazia muitas pausas e demorei tanto a concluir o livro. O que mais fiz, no lugar de desligar, foi trazer para casa uma compreensão do que eu estava vivenciando. Dividia as histórias com meu namorado e tive todo o apoio da minha filha adolescente, que é a maior incentivadora do projeto, desde o começo, quando ela só tinha 10 anos. Ouvir as histórias de vítimas que superaram o trauma e hoje levam uma vida tranquila também me ajudou demais.

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Até que ponto a apuração do livro mexeu com as suas emoções? Tive que voltar pra terapia. Foi muito duro dar de cara com minhas próprias lembranças e perceber como o abuso sexual, ou a ameaça dele, influencia a vida de todas nós, mulheres. Como passamos a vida fugindo de abusadores, o medo constante, a impotência mesmo diante dos ataques menos graves, dentro do transporte público, por exemplo. Por isso resolvi escrever o livro. Porque chega.

Você pensa num próximo livro? Sim, e ele será sobre violência doméstica.

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