Com Alzheimer, Antonio Cicero opta por eutanásia e morre aos 79 anos
Poeta, filósofo, crítico literário, membro da ABL e letrista de sucessos como Fullgás e Virgem, artista deixou uma carta aos amigos explicando sua decisão
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23 out 2024, 14h04
Poeta, filósofo, crítico literário, letrista de grandes sucessos e membro da Academia Brasileira de Letras (ABL), Antonio Cicero morreu aos 79 anos em Zurique, na Suíça. Sofrendo de Alzheimer, Cicero recorreu à morte assistida, que é legalizada naquele país.
O artista deixou uma carta (leia a íntegra no fim desta reportagem), que seu viúvo, o estilista Marcelo Pies, entregou aos amigos dele, atendendo a seu último desejo. No documento, divulgado pela ABL, ele conta o motivo de sua decisão.
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“Não me lembro sequer de algumas coisas que ocorreram não apenas no passado remoto, mas mesmo de coisas que ocorreram ontem”, diz ele em um trecho. “Espero ter vivido com dignidade e espero morrer com dignidade”, argumenta em outro.
Marcelo conta que, antes de ir para a Suíça, eles foram à França, na semana passada. “Passamos alguns dias em Paris para ele se despedir da cidade que tanto admirava”, narra.
Autor de quase 130 letras de música registradas, Antonio Cicero era irmão da cantora e compositora Marina Lima, que tornou famosas várias de suas criações, como Fullgás, Pra Começar, À Francesa e Virgem. Ele também assina parcerias com Lulu Santos (O Último Romântico), Waly Salomão, João Bosco e Adriana Calcanhotto, entre outros.
Formado em Filosofia, em 1972, pela Universidade de Londres, o escritor tem entre seus principais livros o ensaio O Mundo Desde o Fim (1995) e duas coletâneas poéticas: Guardar (1997), que venceu o Prêmio Nestlé de Literatura Brasileira, e A Cidade e os Livros (2002).
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A ABL fará nesta quinta (24) uma Sessão da Saudade em sua homenagem ao escritor, que em 2017 foi eleito para a cadeira 27 da instituição. Todas as atividades desta quarta e desta quinta foram canceladas na academia, em sinal de luto.
Leia a íntegra da canta de Antonio Cicero:
Queridos amigos,
Encontro-me na Suíça, prestes a praticar eutanásia. O que ocorre é que minha vida se tornou insuportável. Estou sofrendo de Alzheimer.
Assim, não me lembro sequer de algumas coisas que ocorreram não apenas no passado remoto, mas mesmo de coisas que ocorreram ontem.
Exceto os amigos mais íntimos, como vocês, não mais reconheço muitas pessoas que encontro na rua e com as quais já convivi.
Não consigo mais escrever bons poemas nem bons ensaios de filosofia.
Não consigo me concentrar nem mesmo para ler, que era a coisa de que eu mais gostava no mundo.
Apesar de tudo isso, ainda estou lúcido bastante para reconhecer minha terrível situação.
A convivência com vocês, meus amigos, era uma das coisas – senão a coisa – mais importante da minha vida. Hoje, do jeito em que me encontro, fico até com vergonha de reencontrá-los.
Pois bem, como sou ateu desde a adolescência, tenho consciência de que quem decide se minha vida vale a pena ou não sou eu mesmo.
Espero ter vivido com dignidade e espero morrer com dignidade.
Eu os amo muito e lhes envio muitos beijos e abraços!
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