Estudantes de Londres e do Rio contam suas vivências na pandemia
Dois adolescentes relatam suas realidades e têm em comum a desconfiança em relação às medidas adotadas pelo poder público
A pandemia da Covid-19 não é igual por todo o planeta. Apesar das experiências distintas, com um oceano a separá-los, Maria Isabel Coruba, estudante universitária de Letras e Direito, moradora do Rio, e o londrino Charles Barrett, estudante de Economia, ambos com 19 anos, concordam em pelo menos um ponto: a má condução de seus respectivos governos no combate à Covid-19.
Nessa entrevista por videoconferência, Maria Isabel e Charles contaram histórias, admitiram que já desrespeitaram as restrições e revelaram alguns medos. Mas se mostraram esperançosos quanto ao retorno a uma certa normalidade ainda neste ano.
Na sua opinião, como o governo do seu país está lidando com a pandemia?
Charles: No começo foi tudo uma bagunça, com regras que não funcionavam e não faziam sentido. Dou um exemplo da ineficiência: vivemos um lockdown de março até agosto do ano passado. Quando começaram a abrir as coisas, o governo cortou ao meio o preço dos alimentos em restaurantes para encorajar as pessoas a deixarem suas casas. Tudo isso serviu somente para criar uma nova onda de coronavírus, ainda pior do que a primeira.
Isabel: Foi total negligência. Antes de você ser um presidente, você tem que ser uma pessoa. O mínimo é amar o próximo. E ele (o presidente Jair Bolsonaro) não tem isso. Se não fosse a movimentação dos governadores e prefeitos, acho que até hoje estaríamos sem vacina. Perdi muitas pessoas que amo nesta pandemia. Vi minha mãe
ficar sem falar porque não tinha mais ar. Quando olho pro governo, só enxergo crueldade por deixar a situação escalar a esse nível.
Você confia no governo do seu país no combate à pandemia?
Charles: Eu não tenho certeza se confio, justamente pelo fato de, comparando com outros países, terem lidado tão mal com a situação em um primeiro momento.
Isabel: Não. Para nada.
Em um dado momento, o primeiro-ministro britânico Boris Johnson e o presidente Jair Bolsonaro pegaram Covid-19. Até que ponto essas experiências pessoais mudaram as percepções da pandemia?
Charles: Quando alguém mais velho cai doente, parece muito mais real. De início, foi difícil levar a sério. As pessoas acharam que era uma jogada publicitária para fazer o Reino Unido pensar propriamente sobre o coronavírus. Mas acabou nos tornando mais cautelosos.
Isabel: Mudou para pior minha imagem sobre Bolsonaro. Mais uma vez, ele faz propaganda da hidroxicloroquina, não sei se realmente tomou. A visão que ele passa é que, por conta do tratamento precoce, se recuperou. Isso fez com que as pessoas acreditassem em algo sem comprovação científica. Foi uma influência muito negativa.
Você teme o vírus?
Charles: Como uma pessoa jovem, não. Familiares meus pegaram de maneira tão grave que achamos que eles não iriam sobreviver. Vendo esse estado da situação, eu percebi que temia pelos outros, mas não por mim. Mas se tem uma outra coisa que me dá medo são as multas da polícia.
Isabel: No início, quando a gente não conhecia direito o vírus, eu temia muito. Hoje ainda temo, mas muito menos. Odeio dizer isso, mas acho que vamos ter que nos adequar. Daqui pra frente, parar do jeito que um dia paramos não vai funcionar. Não tem muito mais o que fazer pra além da vacinação. Quando minha bisavó de 90 anos, que tem todas as doenças possíveis e imagináveis, após tomar as duas doses da vacinas, pegou o Covid e só teve falta de olfato e de paladar, eu vi a importância da vacinação. Temo muito pegar o vírus e ter algo, mas parar minha vida eu não paro mais.
Você apresentou algum sintoma de transtorno psíquico por conta da pandemia?
Charles: Eu não lembro de ter havido algum momento que particularmente me fez sentir assim. Quando as coisas ficaram mais sérias, e fomos postos em lockdown ano passado, eu diria que foi quase animador, já que algo do tipo nunca havia ocorrido e provavelmente não acontecerá mais em minha vida. Foi só na hora que meus avós, de
90 e 91 anos, pegaram o vírus, que toda minha perspectiva sobre a pandemia mudou. Eles eram muito cautelosos e ainda assim pegaram, o que abriu meus olhos sobre a seriedade da situação. Fiquei bem preocupado com a saúde deles, mas não diria que apresentei algum sintoma psíquico.
Isabel: Tive, sim, várias crises de ansiedade. Sou uma pessoa que gosta muito de se reunir com amigos, tinha acabado de entrar na faculdade, né? O lockdown começou na semana do meu aniversário! Quase tranquei a faculdade por conta dos problemas de ansiedade. Foi duro ficar em casa meses e meses olhando pra tela do computador e ajudando minha mãe – que no primeiro espirro achava que ia morrer. Tive medo pela minha mãe, pela minha avó… Surtei bastante.
Furou a quarentena alguma vez?
Charles: Já. A regra não é tão estrita assim. Eu estou na universidade vivendo em uma ‘student house’ com outras cinco pessoas da minha idade e, naturalmente, a gente já saiu para ver outros amigos. Eu sinto que nós não devíamos estar fazendo isso. A quarentena já está aí há tanto tempo que todo mundo está furando agora, e parece ser ok.
Isabel: Já. Não foi pra me aglomerar. Foi pra ver a família, que eu não via há muito tempo. Início de março eu fiquei muito mal, tive falta de ar. Primeiro, o teste de Covid-19 deu positivo, até que descobrimos que o teste era falso. Não sabemos ao certo se foi H1N1. Depois dessa fase, quando todos fizemos novamente os exames e eles deram
negativo, nos encontramos.
Qual a perspectiva em relação à vacinação neste ano?
Charles: O governo divulgou datas bem específicas, mostrando como as coisas vão funcionar. Honestamente, eu não sei quando vou ser vacinado. Nos disseram que as vacinas estão com estoque baixo. Conheço gente da minha idade que já tomou as duas doses, mas não me importo se tomar a vacina ou não. Sou um tanto jovem, devo ficar bem. Dia 21 de junho as coisas já devem ter voltado ao normal.
Isabel: Espero, de coração, que até o final do ano uma grande parte da população já tenha sido vacinada. Cada dia que passa, a gente vê o calendário andar mais rápido. Acho que, se os governos dos estados e municípios continuarem com essa vontade de vacinar, criando cronogramas de vacinação, vai dar tudo certo. Estamos a passos lentos, mas me mantenho otimista.
Rodrigo Reichardt*, estudante de comunicação, sob supervisão dos professores da universidade e revisão de Veja Rio