Ao ser condenado a 36 anos de prisão por tráfico e homicídio, Ailton Batata repetia a sina de um sem-número de jovens das favelas cariocas. Por isso, a última coisa que poderia imaginar é que sua história virasse sucesso no cinema. Batata estava preso quando descobriu que era um dos personagens de destaque do filme Cidade de Deus, dirigido por Fernando Meirelles. Rebatizado na ficção (virou Sandro Cenoura, personagem vivido por Matheus Nachtergaele), ele teve sua história exposta mundo afora a partir do ponto de vista de Paulo Lins, autor do livro que deu origem ao longa. Quinze anos depois, Batata vem a público com sua versão para a guerra que abalou o Rio nos anos 70 e 80. Lançado pela editora FGV, da Fundação Getulio Vargas, Cidade de Deus — A História de Ailton Batata, o Sobrevivente foi escrito pela antropóloga Alba Zaluar e pelo psicanalista Luiz Alberto Pinheiro de Freitas. Foram necessárias sessenta horas de entrevistas com Batata, que ainda mora no mesmo bairro com jeitão de faroeste. “O livro ajuda a entender a dinâmica da violência e do tráfico no Rio, sobretudo num momento em que a política de segurança terá de ser reformulada”, diz Alba.
No que se refere à estrutura narrativa, a obra é muito parecida com o roteiro do filme de Meirelles. Com 285 páginas, divide-se em duas partes. A primeira trata da infância de Batata no conjunto habitacional construído para alojar os desabrigados das chuvas de 1966. Também mostra como se deu o mergulho na criminalidade, dos primeiros assaltos ao tráfico. Já o segundo trecho permite ao leitor compreender como a Cidade de Deus e quase todas as demais comunidades cariocas embarcaram em uma espiral de violência. É nesse ponto que aparece outro bandido imortalizado pelo filme: Zé Pequeno. Sob a ótica da antropologia e da psicologia, cada autor traça, em comentários precisos, os impactos do submundo na vida dos moradores das favelas. As análises são enriquecidas por pesquisas que complementam os depoimentos. Os números revelam como a mistura de desigualdade social, crescimento desordenado e drogas gerou o Rio que conhecemos hoje. Paradoxalmente, a história também mostra que nem tudo é pessimismo. Há quinze anos Batata trabalha como assistente social na prefeitura.