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Psiquiatra critica cenas de protagonista da novela das nove

Para Analice Gigliotti, do Espaço Clif, tratamento dispensado à protagonista de "O outro lado do paraíso" no hospício são um "desserviço à saúde mental"

Por Analice Gigliotti
Atualizado em 24 nov 2017, 19h39 - Publicado em 24 nov 2017, 19h12

Uma sequência de cenas da novela “O outro lado do paraíso”, exibida pela TV Globo, causa grande preocupação à comunidade psiquiátrica brasileira, que tanto trabalha para conscientizar a sociedade sobre a importância de se buscar tratamento adequado, principalmente nos casos mais graves, quando é indicada a internação em uma clínica especializada.

É essencial ressaltar que ultimamente novelas da Globo têm colaborado para quebrar estigmas, investindo as obras de ficção de um verdadeiro interesse público, afastando preconceitos e atitudes sem sentido arraigadas a passados. São questões importantes, como mexer em tabus, auxiliar minorias e jogar luz em situações antes obscuras. Foi assim, por exemplo, com o jogo patológico em “A força do querer” – trama das 9 anterior à atual. A abordagem correta do problema na estória de Glória Perez levou a um aumento significativo da busca por atendimento no serviço psiquiátrico especializado que oferecemos na Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro.

No caso de “O outro lado do paraíso”, o autor Walcyr Carrasco  perde a oportunidade de manter a boa linha da ficção que auxilia a vida real e lamentavelmente comete equívocos primários e graves na abordagem terapêutica oferecida à personagem Clara – vivida pela atriz Bianca Bin – a partir do momento de sua internação em uma clínica psiquiátrica.

No capítulo exibido em 21 de novembro, Clara é levada de forma compulsória à internação a partir de um falso diagnóstico fornecido por um médico chantageado pela vilã personificada por Marieta Severo. Até aí, a obra de ficção trata de um caso típico em novelas, onde há bandidos capazes das maiores atrocidades, inclusive emitir falsos pareceres médicos. Não é isso que nos causa espanto.

Os procedimentos adotados na tal clínica da novela, que na ficção é exibida como se fosse como uma instituição psiquiátrica convencional, é o cerne do problema. Diferentemente do que acontece em qualquer local desse tipo, a personagem, ao ser internada, tem seu diagnóstico aceito de pronto, sem a realização sequer de uma entrevista pela equipe que a recebe. O desserviço  segue em frente na sequência de cenas, quando a paciente é levada à força por cinco enfermeiros, sem que houvesse resistência física que justificasse tal ação. Mais: sob o diagnóstico de esquizofrenia paranóide, afirma-se que Clara não tem cura e que ficará internada para sempre, um conceito equivocado para o tratamento da doença.

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O mais inquietante se dá na forma como Clara é submetida ao tratamento de eletroconvulsoterapia (ECT). A ECT é um procedimento seguro e muito utilizado no tratamento de transtornos psiquiátricos graves, quando há risco à integridade física dos pacientes ou os mesmos  não respondem a medicamentos. Mas nada do que é previsto no protocolo médico foi seguido na novela. O que se viu foi uma grave desinformação que estimula falsos estigmas. Nem mesmo a pior clínica psiquiátrica do Brasil cometeria tais erros.

O procedimento de ECT requer ambiente adequado, o que não há na tal clínica. É realizado com eletrodos no cérebro e sem ser sentido pelo paciente, que permanece anestesiado.

COM TODO O RESPEITO PELO TALENTO DE WALCYR CARRASCO, É PRECISO DIZER QUE construir uma imagem amigável da internação psiquiátrica e da segurança de procedimentos como a ECT é um trabalho árduo e diário. Uma novela em horário nobre poderia manter a linha de interesse social, como foi em relação ao jogo patológico e ainda à quebra de preconceitos em geral, como a homossexuais, trangêneros, idosos. Cenas como as exibidas no dia 21 contribuem somente para o retrocesso.

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