A redenção do pagode, que revive o sucesso dos anos 1990

O ritmo volta aos holofotes com grupos escalados para grandes festivais e artistas do pop apostando no repertório

Por Kamille Viola
18 jul 2025, 07h02
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Ludmilla no show do projeto Numanice: terceira turnê e ingressos esgotados (./Divulgação)
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Nos anos 1990, bastava ligar a televisão numa tarde de domingo ou sintonizar o rádio em qualquer estação FM para ouvir um pagode romântico. Àquela altura, os representantes dessa vertente vendiam centenas de milhares de CDs e sua popularidade só aumentava, porém a imprensa especializada não poupava críticas, tachando esse tipo de música de puramente comercial e passageira. O tempo trouxe a redenção: algumas canções foram alçadas ao patamar dos clássicos e estão sempre presentes nas rodas de samba. Muitos nomes seguem, inclusive, na ativa, integrando o line-up de grandes eventos – como o 90’s Festival, que tem mais de 60% da programação dedicada ao gênero. “Acredito que a depreciação vinha por causa da superexposição. Foi uma invasão na TV, no rádio, nas baladas. Muita gente dizia que não aguentava mais ouvir”, analisa Bruno Cardoso, vocalista do grupo carioca Sorriso Maroto, atração do evento na Marina da Glória.

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De lá para cá: a superexposição dos artistas gerava críticas ao movimento, diz Bruno Cardoso, do Sorriso Maroto (Arthur Rodrigues/Divulgação)

O pagode romântico, ou pagode 90, é herdeiro direto do movimento quase homônimo surgido na década anterior, no Rio, com expoentes como Zeca Pagodinho, Fundo de Quintal e Jovelina Pérola Negra, que também alcançou êxito estrondoso. Não à toa, dois grandes grupos têm nomes inspirados em clássicos da geração anterior: o mineiro Só Pra Contrariar – batizado a partir de uma música do Fundo de Quintal – e o paulista Art Popular – trecho de Coisa de Pele, de Jorge Aragão. Muito forte em São Paulo, a vertente ganhou ares mais pop, com influência, sobretudo, do R&B americano, com instrumentos como teclado, guitarra, baixo e bateria, além de letras açucaradas. Pesquisadora do tema, Karina S. Trindade observa que, para os intelectuais e medalhões da música brasileira mais tradicionais da época, o pagode não era considerado uma herança do samba, e sim um modismo. “Mas ele consegue se consolidar. Há grupos longevos e artistas que saíram dessas bandas e hoje são respeitados enquanto compositores e intérpretes”, avalia ela, citando Belo e Alexandre Pires como exemplos bem-sucedidos. Nos anos seguintes, novos talentos se destacaram, como Thiaguinho e Ferrugem.

Sinal da boa onda, aliás, é o estrondoso sucesso do show Tardezinha, de Thiaguinho, que já atraiu mais de 600 000 pessoas desde sua criação, há uma década. Em 2025, o show vai percorrer 26 cidades no Brasil e no exterior, passando por Angola, Austrália, Estados Unidos e Portugal. Pioneiro, o espetáculo ditou uma nova tendência entre as apresentações do estilo: palco 360 graus em espaços imensos, como estádios, longa duração e convidados a cada edição. O novo boom inclui também incursões de artistas consagrados em outros estilos musicais. É o caso de Ludmilla, que volta ao gramado do Riocentro com o projeto Numanice. A repercussão foi tão boa que a cantora já lançou um EP, um álbum de estúdio, e três discos ao vivo. “O pagode fala de amor, de dor, de luta, sentimentos que atravessam a vivência do jovem negro da periferia, gerando identificação”, observa a representante da ala feminina do gênero, algo quase inexistente nos anos 1990. A paulistana Gloria Groove, o baiano Léo Santana e a carioca Martínália também vêm se aventurando nos acordes românticos.

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90’s Festival: programação traz Belo (foto), além de Péricles, Xande de Pilares, Sorriso Maroto, Raça Negra e Alexandre Pires. (./Divulgação)
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Embora os ciclos de nostalgia — que, de tempos em tempos, fazem com que uma década retorne aos holofotes — tenham seu papel nesse reaquecimento do interesse pelo ritmo, as políticas afirmativas que trouxeram mais diversidade às universidades foram importantes para essa redenção. Afinal, um número significativo de pessoas periféricas trouxe suas reflexões para a academia e para a mídia, lançando novos olhares sobre o movimento. “Nos anos 1990, ainda existia preconceito com o que vinha da periferia. Era música preta, feita por homens pretos, e muita gente não estava pronta para valorizar”, pondera Ludmilla. O burburinho também chegou ao audiovisual. O Globoplay já apostou nas séries documentais Tardezinha (2020) e Belo, Perto Demais da Luz (2024), e em novembro a Globo vai exibir Anos 90 — A Explosão do Pagode, de Emílio Domingos e Rafael Boucinha. “É impressionante como esses artistas conseguiram ser tão expostos e, ao mesmo tempo, a gente não saber nada sobre eles”, frisa Domingos. Ainda bem que não é tarde demais.

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O show tem que continuar: Agenda das próximas apresentações na cidade (Arte com foto de Rafael Strabelli/Veja Rio)

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