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Museu do Pontal inaugura nova sede e prova que há vida após a tormenta

Depois de um triste histórico de inundações, a instituição, depositária de um dos mais importantes acervos de arte popular brasileira, reabre na Barra

Por Marcela Capobianco
Atualizado em 17 set 2021, 11h05 - Publicado em 17 set 2021, 06h00

Ao longo da última década, bastava qualquer prenúncio de chuva, especialmente aquelas de verão, para que Lucas Van de Beuque sentisse um arrepio. Diretor-executivo do Museu do Pontal, ele testemunhou as constantes inundações que puseram em risco o precioso acervo de arte popular da instituição fundada há 45 anos pelo avô, o designer francês Jacques Van De Beuque (1922-2000).

Em 2014, um relatório da Coppe/UFRJ atestou que o imóvel localizado no Recreio dos Bandeirantes, na Zona Oeste, só pararia de sofrer com enchentes se o terreno onde está fincado pudesse ser elevado 1,5 metro.

Foi então que Lucas e a mãe, a curadora Angela Mascelani, entenderam que era hora de buscar outro abrigo para as mais de 9 000 peças da coleção. Pondo fim à longa agonia, em outubro o novo Museu do Pontal abre as portas em um terreno de 14 000 metros quadrados, na Barra.

O edifício projetado pelos mesmos arquitetos que assinam algumas galerias do Instituto Inhotim, em Minas Gerais, segue conceitos de sustentabilidade, com amplas portas e janelas, muita iluminação natural e sistema de reúso de água da chuva.

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“A conta de água custava 20 000 reais, agora não passará dos 4 000. É uma bela metáfora de um processo de mudança que se arrastou por anos”, diz Lucas.

Certa vez, emocionado com as obras de mais de 300 artistas brasileiros do acervo, o cantor e compositor Gilberto Gil declarou que o Museu do Pontal “é uma foto 3 x 4 do Brasil” — aliás, dos diferentes Brasis compreendidos entre o Oiapoque e o Chuí.

Em 1976, poucos meses antes de fundar a instituição no Recreio, Jacques Van de Beuque apresentou no Museu de Arte Moderna do Rio a exposição A Arte do Viver e do Fazer, composta das primeiras peças garimpadas em viagens pelos rincões do país.

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Até então, a arte produzida em locais pobres e distantes dos grandes centros não era apresentada nas salas de um importante museu. A ligação do francês com as peças de barro foi herdada pelo filho, Guy, morto em 2004, e pelo neto, Lucas, agora no comando — e a continuidade do trabalho possibilitou que artistas geniais, como Mestre Vitalino (1909-1963) e suas antológicas esculturas, e dona Isabel Mendes da Cunha (1924-2014), artesã de bonecas, fossem reconhecidos internacionalmente.

“Existe uma ideia preconceituosa de que a arte popular é ingênua, mas ao contrário: ela retrata assuntos que hoje são fundamentais para a vertente contemporânea, como as relações de prazer, de poder e de trabalho”, avalia Ulisses Carrilho, curador da Escola de Artes Visuais do Parque Lage, enfatizando o valor do acervo.

arte Museu

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Na exposição de boas-vindas, com abertura marcada para 9 de outubro, o público vai estar diante de 2 000 obras, algumas emprestadas por colecionadores e outras instituições, junto a textos de gente de renome de diferentes áreas, como Gilberto Gil, Ailton Krenak, Lilia Schwarcz e José Saramago (1922-2010).

Mais cinco mostras temporárias vão se espraiar pelas galerias, destacando, por exemplo, o sincretismo religioso, as artes circenses e o Carnaval. “Vivemos um momento de desvalorização da cultura, então pretendemos ser um espaço de acolhimento, tanto para visitantes quanto para curadores de fora, convidados a mergulhar na nossa coleção”, ressalta Angela Mascelani.

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Um atrativo à parte reside do lado de fora: um jardim de 10 000 metros quadrados, onde foram plantadas milhares de mudas de 73 espécies nativas do Brasil, projeto que germinou graças a um financiamento coletivo pela internet que arrecadou 271 000 reais.

Com paisagismo do escritório Burle Marx, a área verde vai contar com intensa programação para todas as idades — e a vizinhança agradece. “A Zona Oeste oferece boa estrutura de serviços, mas é carente de equipamentos culturais”, afirma Lucas, inspirado por espaços como a Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, que extrapolam o conceito clássico de museu com seus generosos ambientes de convivência ao ar livre.

Tradicionalmente, 25% do público do Museu do Pontal é de turistas. Com a mudança para um local 20 quilômetros mais perto do Centro, a ideia é conquistar os cariocas.

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Seguindo o exemplo do MAM Rio, a instituição não vai cobrar ingresso, adotando o modelo de “contribuição sugerida” — que, aliás, ajudou a fazer a visitação no prédio modernista do Aterro do Flamengo aumentar 300% e a receita média dobrar em um ano de pandemia.

Afora o apoio financeiro da prefeitura, a nova sede recebe verba de patronos como BNDES, Vale e Itaú — e outras empresas parceiras ajudam a manter os projetos de pesquisa de artesanato na Ilha do Ferro, em Alagoas, além das residências artísticas.

A sociedade civil também será instada a engajar-se e a colaborar, como ocorre pelo mundo todo. “Desde a primeira enchente, recebemos apoio da comunidade e de pessoas apaixonadas pela arte popular. Não temos vergonha de pedir contribuições”, arremata Angela. A causa é boa.

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