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Driblando preconceitos, mulheres comediantes enchem plateias de stand-up

Com popularidade crescente nas redes sociais, elas conquistam cada vez mais espaço em uma área

Por Kamille Viola
Atualizado em 17 Maio 2024, 09h29 - Publicado em 17 Maio 2024, 06h00

Universo tradicionalmente dominado pela ala masculina, os shows solo de humor, também eles, vêm se rendendo às mulheres. É notório o aumento da presença delas nos palcos cariocas. Essa mudança se deve, em grande medida, às redes, onde artistas de comédia ganham os holofotes em escala inédita. Presidente da Aventura Entretenimento, sócia do Instituto Evoé e responsável pela gestão de teatros como o Riachuelo, Aniela Jordan conta que a ascendente procura por espetáculos de stand-up comedy a pegou de surpresa, e com os delas não é diferente.

“Fiquei impressionadíssima, é um público muito jovem, que não tinha o hábito de ir ao teatro e passou a frequentá-lo para ver aquela artista que está bombando na internet”, diz. Um dos expoentes desta geração é Giovana Fagundes, 29 anos, catarinense radicada no Rio desde 2021, que explodiu com piadas em torno de pautas feministas. “Acontece muito de verem o meu show e falarem: ‘Eu não gostava de stand-up antes’. A referência que as pessoas tinham era de homem hétero, branco e classe média fazendo graça com preto, mulher, gay, trans, PCD. Piada em cima de estereótipos é muito fácil, né?”, provoca.

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Giovana Fagundes: “A referência que as pessoas tinham era de homem hétero e branco fazendo graça com preto, mulher, gay, trans, PCD”
Giovana Fagundes: “A referência que as pessoas tinham era de homem hétero e branco fazendo graça com preto, mulher, gay, trans, PCD” (André Sielski/Divulgação)

É notável como temas do universo feminino vêm conquistando público e atraindo novatos nas plateias dos shows de humor solo. Comportamentos masculinos, sobretudo os dos Red Pills (movimento misógino que defende uma masculinidade dominante), estão entre os assuntos que mais fazem rir. “A gente, do humor, trabalha com a reação das pessoas, o que funciona e o que não funciona. Obser­vo hoje que essas coisas que vão contra um padrão de piada perpetuado por tanto tempo têm despertado uma resposta maior — a plateia ri mais alto, compartilha mais nas redes, se identifica”, avalia a comediante Babu Carreira, 35 anos, que entretém quase 100 000 seguidores no Instagram. Sexo, TPM e dúvidas da vida contemporânea são outros tópicos frequentes.

Além disso, mulheres de perfis diferentes trazem, também, piadas específicas. Babu, por exemplo, fala sobre ser gorda e bissexual. Já Yas Fiorelo, 30 anos, cutuca questões da cultura negra, da vida no subúrbio carioca e de seu próprio casamento. “A gente fala das nossas vivências, das nossas conquistas, sobre autoestima. Isso mexe com as pessoas”, reflete.

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A passagem do tempo, com elas agora em cena, dá uma chacoalhada numa lógica antiga, segunda a qual as mulheres eram transformadas em piada sob uma luz pejorativa. Numa inversão que dá conta de mais uma conquista feminina, elas sabem rir de si mesmas, mas não praticam um humor ofensivo a nenhum grupo, mesmo que às vezes debochem de traços masculinos — tudo com muita graça. Embora uma ala da plateia dessas artistas seja composta de mulheres progressistas, as humoristas não querem se limitar ao papel de militantes.

Aos 31 anos, Miranda é um exemplo de comediante que envereda menos por temas considerados femininos — ela ficou mais conhecida por personagens que brincam com estereótipos da classe média, como a carioca Ametista, uma artista que se encaixa no escaninho “nepobaby” (que se dá bem pelas influentes relações familiares), a chef de culinária afetiva Naná Quintelho e a profissional de RH farialimer, Rê. Em seu espetáculo, alterna tais papéis com puro stand-up. “Eu também tenho sets sobre homem hétero, mas falo mais sobre dilemas da geração millenial que passam por uma questão de saúde mental, por você não entender qual o seu propósito, se será uma pessoa bem-sucedida. Está todo mundo tomando remédio, todo mundo mal da cabeça”, pontua.

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Gorda, bissexual e comediante: Babu Carreira quebra preconceitos com o humor
Gorda, bissexual e comediante: Babu Carreira quebra preconceitos com o humor (Matheus Thierry/Divulgação)

Houve um tempo em que se dizia que mulher não sabia ser engraçada — um desses mitos calcados em preconceito que, felizmente, está sendo finalmente derrubado. Importante crítico literário do século XIX, o americano Richard Grant White escreveu que “senso de humor é a mais rara qualidade que pode ser encontrada em uma mulher”. Conterrâneo de White, o comediante Adam Carolla saiu-se com esta, em pleno 2011: “A razão pela qual você conhece mais caras engraçados do que minas é que caras são mais engraçados do que minas”.

Ainda hoje, existem haters, aquela turma que promove o discurso de ódio, que reproduz o preconceito. E, com o crescimento da popularidade das mulheres na comédia, a violência desse discurso só se acirra. Chega-se ao ponto de haver um perfil no Instagram dedicado a expor trechos de stand-ups de mulheres, desqualificando-as. Geralmente, os ataques se voltam para a aparência: se a comediante tem beleza padrão, é tratada como objeto; se não tem, é chamada de feia e outros tantos adjetivos cruéis. “Nunca é uma crítica embasada, do tipo: ‘Nossa, eu achei essa piada pesada ou o texto malconstruído’. É sempre: ‘Nossa, que feia, que gorda, como é que alguém consegue c*** essa mulher?’ ”, relata Yas Fiorelo.

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O preconceito se traduz numa régua mais severa para as mulheres que se arriscam nos voos solo de humor. Quando cometem algum deslize no palco, são alvo de críticas imediatas, sem perdão. Na outra ponta, o público masculino não está habituado a se ver na mira das brincadeiras, o que faz com que, não raro, reaja de forma mais agressiva. A talentosa Babu Carreira conta que, certa vez, 40% de uma plateia, só de mulheres acompanhadas pelo namorado ou marido, se levantaram e foram embora. Já Giovana Fagundes foi interpelada no meio da apresentação por homens que resolveram comprar briga com ela.

“Tem uma coisa de ego, de masculinidade. Eles querem mostrar que eles é que têm voz”, lamenta. No caminho das mulheres, há também o assédio, mas, com a popularidade que desfrutam nas redes, elas não se calam mais. “Já tive medo de fazer uma denúncia e acabar com a minha carreira. Hoje, sei que não vou deixar de fazer show, de vender ingresso, de ter público”, diz Giovana, com 1 milhão de seguidores só no Instagram. Como se vê, são elas que estão rindo por último.

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Palco feminino

A programação de humor avança com mulheres como protagonistas

Aquele que Todos Fazem 30,
com Carol Delgado. Teatro Cesgranrio, Rio Comprido. 17/5, 20h30. Da Vinci Comedy Club, Rio Comprido. 18/5, 21h.

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yas fiorelo
Yas Fiorelo: atração do Stand Up da Casa, na Casa da Comédia Carioca (Maiara Cerqueira/Divulgação)

Stand Up da Casa,
com Yas Fiorelo, Pedro Certezas e Matheus MAD. Casa da Comédia Carioca, Ipanema. 18/5, 21h.

Tô Quase Lá!
Pri Castello Branco: comediante apresenta o show Tô Quase Lá! (Mercadocom/Divulgação)

Tô Quase Lá!,
com Pri Castello Branco. Casa da Comédia Carioca, Ipanema. 9/5 e 19/5, 20h.

Orgulho do Papai,
com Giovana Fagundes. Teatro Riachuelo. 22/5, 20h.

Solteira Sim, Sozinha Também,
com Babu Carreira. Casa da Comédia. 23/5, 20h.

Meio Dark, Meio Doce,
com Danúbia Lauro. Da Vinci Comedy Club, Tijuca. 24/5, 21h. Casa da Comédia Carioca, Ipanema. 25/5, 19h30. Casa da Glória. 29/5, 20h.

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Invasão Stand Up,
com Bruna Campello e convidados. Casa da Comédia Carioca, Ipanema. 30/5, 20h.

Licença da Maternidade,
com Bruna Campello e Ana Carolina Sauwen. Casa da Comédia Carioca. 31/5, 20h.

Mirando Baixo,
com Miranda. Casa da Comédia Carioca, Ipanema. 7/6, 20h, e 8/6, 19h30.

Ela Tá Correndo Atrás,
com Bruna Louise. Teatro Riachuelo, Centro. 12/6, 19h e 21h.

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