Machismo na música: mulheres desistem da carreira a partir dos 41 anos
Desafios enfrentados por elas no Brasil estão no livro Feminismo na Indústria da Música, que Julia Ourique lança nesta quarta (7), no Espaço Multifoco, na Lapa

Instrumentista e frequentadora de shows, a comunicóloga Julia Ourique, ao se dar conta da desigualdade gritante entre homens e mulheres no meio musical brasileiro, decidiu se debruçar sobre os obstáculos enfrentados por elas e suas formas de resistência.
O assunto rendeu quase dez anos de pesquisa, e virou tema de seu mestrado e de um livro, Feminismo na Indústria da Música (ed. Multifoco, R$ 59,90), que ela lança nesta quarta (7), no Espaço Multifoco, na Lapa. “Foi um incômodo que virou obsessão”, revela a autora.
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Em 2015, ao ver os discursos de Larissa Conforto (na época, baterista da banda carioca Ventre) e de Juliana Strassacapa (vocalista da banda Francisco, El Hombre, de Campinas), Julia se deu conta de que não estava sozinha nesse incômodo e decidiu em levar essas questões para a academia.
Surgia, ali, o documentário O Futuro é Feminino, fruto da uma especialização em Linguagens Artísticas, Cultura e Educação, no Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ), para o qual entrevistou mulheres instrumentistas e trabalhadoras da cena independente de música do Rio de Janeiro, São Paulo e Recife.
“As conversas me chamaram a atenção para a união dessas mulheres, que se uniam em selos e coletivos, e formavam uma rede de mulheres que se apoiavam e impulsionavam dentro da indústria da música. Vê-las se unindo me inspirou a retratá-las na minha pesquisa do mestrado em Comunicação, na UERJ, que agora renasce como livro”, conta Julia.
Em seu livro, ela conta que, no Brasil, a partir dos 41 anos, muitas mulheres desistem da carreira na música. De acordo com um estudo feito pela pesquisadora a partir dos relatórios Por Elas que Fazem a Música, da União Brasileira de Compositores (UBC), entre os anos de 2018 e 2024, até os 40 anos, mulheres chegam até 31% entre os associados da UBC. A partir dos 41 anos a queda chega aos 17%, e só vai decaindo.
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“Explicações para esses fenômenos temos várias, também presentes no livro: o trabalho feito pelas mulheres dentro da indústria da música é visto como menos importante, e a gente começa a introjetar isso. Como se lutássemos contra moinhos de vento. E, de acordo com um estudo do DataSim (2019), 23,2% das mulheres mantêm três empregos simultâneos”, detalha.
Em outro estudo, do Sebrae (2022), 49% das mulheres que se intitulam empreendedoras são chefes de família e, de acordo com o IBGE, mulheres trabalham até 21,4 horas semanais com cuidados de pessoas e afazeres domésticos, contra onze horas dos homens.
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“Com o passar das décadas, as mulheres que trabalham na indústria da música não suportam mais viver essa rotina pesada, sem nenhum reconhecimento, aguentar humilhação, misoginia e, ainda, a precarização inerente à profissão de músico no Brasil. São muitas frentes para lutar e poucas ferramentas de combate”, lamenta.
Entre os exemplos de resistência presentes no livro, estão três iniciativas cariocas: o espaço cultural Motim (atualmente com as atividades suspensas), o selo feminista Efusiva Records e o projeto Hi Hat Girls, todos na Zona Norte do Rio.
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E, como o machismo não está presente somente na música, mas sim em toda a sociedade, Julia explica que seu próprio tema de pesquisa é objeto de preconceito e discriminação. “Já presenciei olhares julgadores e mesmo questões como: ‘Para quê estudar feminismo no século XXI? Mulheres já têm tudo!'”, desabafa ela, que garante: “Nós não temos. Mas vamos ter.”
Espaço Multifoco. Avenida Mem de Sá, 126, Lapa. Qua. (7), 18h/21h.
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