História do economista carioca Gabriel Buchmann vai virar filme
A incrível trajetória do jovem, morto em 2009, durante uma expedição pelo continente africano, começou a ser rodado no início do mês
Aos 28 anos, ele se preparava para começar o doutorado na Universidade da Califórnia (UCLA), nos Estados Unidos. Inquieto e inspirado pelo tema do curso — políticas públicas para países pobres —, decidiu conhecer in loco, e profundamente, seu objeto de estudo. O jovem economista carioca Gabriel Buchmann organizou um roteiro por 26 países, quase todos na Ásia e na África, com duração de um ano. Na Tanzânia, venceu, sorridente, como mostra uma das imagens abaixo, os 5 895 metros do Monte Kilimanjaro, o ponto mais alto do continente africano. Diante dessa façanha, a missão seguinte, enfrentar os 3 002 metros de altitude do Mulanje, na vizinha República do Maláui, parecia um desafio menor. Na última aventura prevista antes da volta para o Brasil, Gabriel chegou ao cume, mas, na descida, perdeu-se da trilha e sumiu do mapa. Foi encontrado morto, vítima de hipotermia, em 5 de agosto de 2009. A tragédia, que na época provocou comoção nacional, jogou luz sobre um personagem ímpar e vai virar filme: Gabriel e a Montanha, dirigido por Fellipe Barbosa, 35 anos, começou a ser rodado na África no início do mês.
Barbosa estreou em longa-metragem com o premiado Casa Grande (2014). Ele e Gabriel estudaram juntos no Colégio São Bento e, por alguns períodos, na PUC-Rio. “O Gabriel queria trabalhar com os mais necessitados. Dizia que não seria economista para aumentar o lucro de uma empresa”, conta. O roteiro, também assinado pelo diretor, refaz a trajetória do personagem através de pistas deixadas em e-mails, depoimentos de pessoas próximas e fotografias. Em 2011 e no ano passado, o cineasta visitou o continente africano. Seguindo os passos do amigo de infância, subiu o Kilimanjaro e o Mulanje. Na última segunda (16), embarcou rumo a Nairóbi, a capital do Quênia, onde já o aguardavam João Pedro Zappa (o ótimo ator do drama Boa Sorte, que estrelou com Deborah Secco), 27 anos, escalado para o papel principal, e a mulher do cineasta, Clara Linhart, assistente de direção e coprodutora. Em junho, com a chegada da atriz Carol Abras (ela vai interpretar Cristina Reis, namorada de Gabriel), se completará a equipe de treze profissionais na África. O elenco terá ainda a participação de cidadãos locais que conviveram com o protagonista. “Foi quase um milagre reencontrar algumas das pessoas muito simples, pobres, que hospedaram o Gabriel. Ele queria ficar perto dessa gente, não em hotéis de luxo”, explica a assistente Clara. A produção, orçada em 2 milhões de reais, vai passar por quatro países africanos: Quênia, Tanzânia, Zâmbia e Maláui.
No trabalho para compor o personagem, Zappa suou em trilhas cariocas e conversou com amigos do jovem. “Ouvi que ele era muito tolerante à dor, fazia as caminhadas descalço, com o pé sangrando, e não sentia nada”, lembra. Soube também que Gabriel provou algumas vezes o chá usado no ritual do Santo Daime. “Ele tinha essa ideia do corpo protegido, fechado, era muito espiritualizado e achava que tudo ia dar sempre certo.” Criado no Grajaú, Gabriel Buchmann tinha pais divorciados — a professora de línguas Fátima e o engenheiro Sérgio, morto em 2005 — e uma irmã, Nina, advogada, também envolvida na produção do filme. Ela refere-se ao mais velho como um herói estudioso, que conciliou por dois anos e meio as faculdades de história, na UFF, em Niterói, e economia, na carioca PUC. Antes de se formar, fez intercâmbio na Dinamarca, morou nos Estados Unidos e ganhou bolsas de estudo em Madri e Paris. “Ele era especial, sempre teve vontade de fazer diferença. Queria conhecer o mundo e ajudar os carentes, comer à mesa com eles, como fez na África”, diz Nina.
Na África e no Brasil. Por aqui, lembra Fátima, a mãe, Gabriel visitou ribeirinhos do Amazonas e tribos indígenas e rodou o país em caronas de caminhão. “Tudo isso sem levantar bandeiras. Ele namorava, bebia, estudava, mas enxergava o mundo com outros olhos. Deixa a lição de que precisamos nos abrir mais para o outro”, conta. O garotão aventureiro que queria melhorar o mundo não é cultuado apenas em família. Na enorme favela de Kibera, em Nairóbi, a produção de Gabriel e a Montanha encontrou o refugiado congolês Alex Alembe, que conheceu o economista e batizou seu filho em homenagem a ele. Não resta dúvida: essa história dá mesmo um belo filme.