Cazuza: dois documentários e mostra imersiva celebram artista
Exposição, que entra em cartaz no Leblon, reúne mais de 700 itens, entre fotos e vídeos raros, móveis e objetos pessoais em nove salas interativas

Quem batia ponto na fervilhante madrugada do Baixo Leblon nos anos 1980 certamente esbarrou num jovem esguio, de jeans e camiseta branca, chope e cigarro em punho. Cazuza (1958-1990) era do tipo que falava alto e andava em bando. Seu rastro ainda pulsa nas calçadas de pedra portuguesa. “Mesmo debilitado, ele fez questão de cantar no meu casamento por mais de meia hora, foi uma catarse”, relembra com carinho o músico George Israel, a quem Agenor de Miranda Araújo Neto, morto aos 32 anos, em decorrência da Aids, chamava de “parceirinho”. Os dois compuseram, com Nilo Romero, hits como Brasil e Solidão Que Nada.
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Registros de momentos que viveram juntos, como uma foto caseira em que aparecem de sunga, na varanda de Lucinha e João Araújo na Fazenda Inglesa, em Petrópolis, integram Cazuza Exagerado, mostra que será lançada em 12 de junho no terraço do Shopping Leblon, bairro onde viveu o homenageado. “Memórias, sons, imagens e emoções que guardei comigo agora podem sensibilizar outras pessoas”, contou Lucinha, 88, braço-direito do curador, o jornalista Ramon Nunes Mello.

Para desbravar um vultoso acervo foram necessárias vinte pessoas, que durante quatro meses desempenharam um trabalho árduo, quase artesanal. A mostra será a maior já realizada para celebrar o gigante da música brasileira, aglutinando, numa área de 1 500 metros quadrados, mais de 700 itens, entre fotografias raras, anotações e documentos, como uma caderneta escolar. Móveis e objetos pessoais, a exemplo de uma escrivaninha e uma máquina de escrever, também ajudam a contar a breve e estrondosa passagem desse cometa carioca.

“Não chega a ser um resgate, porque a obra dele está aqui o tempo todo, mas é sempre bom relembrá-lo”, diz o amigo Roberto Frejat, que aparece abraçado a Cazuza em um dos registros. Espécie de desdobramento do livro Meu Lance É Poesia e da fotobiografia Protegi Teu Nome Por Amor, lançados em setembro de 2024 por Lucinha e Nunes Mello, a exposição é dividida em nove salas. Cada ala ilustra, de forma interativa e sensorial, passagens importantes da vida do Poeta do Rock.

A primeira delas aborda o período pré-fama e foi batizada de Agenor Caju, com o “apelido do apelido” do músico. Na sala Caravana do Delírio, o destaque é a reprodução da veraneio preta com a qual o autor de Exagerado desbravava o Rio. “Há preciosidades como uma lista das pessoas que ele gostaria que estivessem presentes em seu aniversário, além de rascunhos de versos, fotos da internação no hospital e uma carta de Frejat”, aponta o curador.

A lendária Pizzaria Guanabara é um capítulo à parte. “Ele subia na mesa e dava show. Deixava a conta pendurada, mas depois voltava para pagar”, recorda Leôncio Melo, hoje gerente da casa, reproduzida com apuro no último trecho da exposição. Lá, o público vai poder assistir a depoimentos de amigos como Gilberto Gil, Ney Matogrosso e Simone. “Vai parecer que eles estão batendo um papo com os visitantes”, explica Marcelo Jackow, sócio da Caselúdico, realizadora da mostra com a Hitmakers.

E os tributos não cessam. Em 11 de julho, às vésperas do Dia do Rock, parceiros como George Israel, Guto Goffi, baterista do Barão Vermelho, e Arnaldo Brandão, baixista do Hanói-Hanói, sobem ao palco do Circo Voador para exaltar a obra do astro. Ney Matogrosso vai participar.
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Também em julho, quando o adeus ao ídolo completa 35 anos, será lançado o documentário Boas Novas, um registro afetivo do artista, focado em seus dois últimos anos. O filme mescla imagens inéditas a cenas icônicas, como as do show no Canecão, em 1988, em que ele cuspiu na bandeira do Brasil, repudiando a política nacional.
Em novembro, estreia ainda no Globoplay a série documental Cazuza Além da Música, produzida pela Conspiração Filmes. “Sempre me impressionou a forma como ele encarou a doença, com o astral lá em cima, criando como nunca. Era um cara que andava para a frente, não importava o que acontecesse”, destaca Nilo Romero. O poeta está mais vivo do que nunca.