Cariocas tiram férias para fazer intercâmbio voluntário
Com destinos como Tailândia, África e México, eles usam o período de descanso para fazer o bem
Sinônimo de diversão, sombra e água fresca, as férias podem representar muito mais do que isso. Ter a chance de viver uma experiência única, num lugar inusitado e, de quebra, fazer o bem pode ser um programa atraente para os dias de folga. Esse tipo de viagem é conhecido como intercâmbio de trabalho voluntário, uma espécie de imersão que promete não só contribuir com uma causa nobre, mas acrescentar muito à vida dos participantes. O viajante tem a oportunidade de acompanhar a rotina de um orfanato na Tailândia, estimular o empoderamento de meninas na Índia, apoiar uma escola no Sri Lanka ou atuar em uma área carente no México. Pode ainda prestar serviço em uma reserva de felinos ou pinguins na África, brincar com crianças hospitalizadas no Vietnã, entre uma centena de opções. “O visitante lida com novos desafios, abre seus horizontes e percebe que pode fazer a diferença no mundo”, ressalta Lucas Spoladore, presidente da Aiesec no Rio, entidade com matriz na Holanda que, só em 2015, enviou cerca de 4 000 brasileiros para experiências como essas.
Em qualquer atividade, o voluntário praticará outro idioma e poderá conhecer pontos turísticos (só nas horas vagas), mas o propósito principal é outro. “É vivenciar de forma intensa uma nova cultura e uma realidade bem diferente da sua”, descreve Rosana Lippi, gerente de produtos da agência STB, especializada em intercâmbio. A maioria dos programas é ligada a uma ONG ou instituição internacional. Poucas impõem limite de idade. É necessário ter o domínio de inglês intermediário, e a duração mínima é de duas semanas. O preço do período mais curto: a partir de 600 dólares, sem incluir a passagem aérea. É importante frisar que, geralmente, não há muito luxo. A hospedagem é feita em casas de família ou em alojamentos comunitários. Conheça a seguir sete exemplos inspiradores de quem abriu mão da viagem tradicional para embarcar em uma boa ação pelo mundo.
Contato com a herança do apartheid
Depois de ter conhecido a Argentina, os Estados Unidos, alguns países da Europa e a Índia, Thais de Oliveira Rocha, 24 anos, buscava uma viagem que unisse um lugar diferente a uma experiência transformadora. Analista de comércio exterior em uma multinacional, ela embarcou para um mês de férias na África do Sul, no fim de 2015. “Tive a chance de conhecer a cultura e a realidade locais profundamente. Foi uma viagem mais enriquecedora do que qualquer outra só de turismo”, compara. Thais dividiu uma casa com outros 25 estrangeiros na periferia da Cidade do Cabo e trabalhou como voluntária de segunda a sexta. A carioca, que fez faculdade de relações internacionais, auxiliava professores de uma creche para população carente de manhã e dava suporte a um centro comunitário à tarde. Entre suas funções estava dar comida para algumas crianças, pôr outras para dormir, além de ajudar nas brincadeiras e atividades culturais. Thais chegou a pintar paredes na reforma da sede de um dos projetos. As duas iniciativas ficam em uma antiga township, nome dado no país para áreas onde os negros foram segregados durante o período do apartheid. “É uma vivência intensa. Desperta ainda mais a vontade de contribuir para um mundo menos desigual”, enfatiza ela, que, ao voltar, virou voluntária fixa de uma ONG dedicada a organizar visitas regulares a alas infantis de hospitais no Rio.
Experiência radical na Índia
A primeira sensação foi de susto. O trânsito era caótico; a comida, exótica. Havia lixo em todos os cantos e, para completar, o inglês era difícil de entender. “Voltei outra pessoa. Saí da zona de conforto e aprendi a correr atrás do que queria”, avalia Paula Morales, de 20 anos, que passou o último verão em um intercâmbio social na Índia. Hospedada em um hostel de Nova Délhi, onde dividia a acomodação com voluntários de diversos países, a aluna de relações internacionais levava duas horas de metrô e tuk-tuk (transporte típico do país) até o trabalho. Paula escolheu prestar serviço em uma fundação que estimula o empoderamento de mulheres. Ali, jovens indianas conhecem seus direitos e são incentivadas a ser independentes financeiramente. “Por ser um país do Brics, imaginava que fosse muito mais desenvolvido. Você volta impactada e com vontade de se engajar em uma causa a longo prazo”, comenta. Embora tivesse o apoio da organização, Paula não escapou de sufocos. A estudante lembra que um dia, ao voltar para o hostel, se confundiu e ficou mais de meia hora dando voltas, perdida. “Não dá para pedir ajuda do pai ou da mãe, você aprende a se virar de verdade”, diz.
Arriba, voluntários!
Uma bandeira, uma garrafa de tequila e alguns suvenires, entre outros presentes dados por moradores da periferia de León, no México, têm lugar especial na casa de Lucas Hitoshi. O estudante de engenharia, de 23 anos, conta que o verão passado naquela cidade histórica, onde a beleza contrasta com a desigualdade social, mudou a sua vida. Hitoshi, que nasceu em uma colônia de japoneses no Paraná e veio para o Rio fazer faculdade, aproveitou o recesso escolar no fim do ano passado para concretizar dois desejos: conhecer um lugar diferente e realizar um trabalho social. “Escolhi um país da América Latina porque é uma realidade mais próxima da gente”, explica ele, que viveu dois meses em uma casa de família e, embora não fosse seu objetivo, voltou falando espanhol com fluência. Durante o tempo que passou no município, que fica a três horas de carro da Cidade do México, deu aulas de inglês e ensinou um pouco da cultura brasileira a crianças e jovens moradores de áreas carentes. O estudante gostou tanto da experiência que no dia 9 de janeiro embarca para um novo intercâmbio do bem, agora no Peru. “Umas férias dessas mudam a vida. Percebi quanto era egoísta. Quero fazer trabalho voluntário para sempre”, planeja.
Hospedagem na toca dos leões
Muitas pessoas sonham em fazer um safári ou pelo menos ter um contato mais próximo com a vida selvagem por algumas horas. O estudante de biologia Gabriel Lopes, de 20 anos, conseguiu muito mais que isso. Por duas semanas, nas últimas férias de julho, morou em um santuário de grandes felinos, na África. A fazenda, na Província de North West, a uma hora de ônibus de Johanesburgo, além de ser uma reserva com leões, guepardos e tigres, abriga dezenas de outros animais. Para ocupar uma das vagas no alojamento, que ele dividia com jovens de diversas nacionalidades, Lopes precisou trabalhar como voluntário. “Eu dormia com o rugido dos leões e acordava com girafas passando próximo à minha janela”, lembra. Embora isso pareça lazer, Gabriel tinha de trabalhar duro, numa rotina direcionada por veterinários e tratadores. Limpou o estábulo, consertou o cercado dos hipopótamos, alimentou felinos, caminhou com elefantes e andou a cavalo pela vegetação de savana. “Ajudei uma instituição de preservação de animais e ainda tive a chance de praticar inglês com outros voluntários”, conta.
Viagem contra o bullying
Sem nunca ter pisado fora do país, Camila Savelli, de 23 anos, queria que a sua primeira viagem ao exterior fosse inesquecível. A estudante de contabilidade juntou, durante um ano, o dinheiro do estágio que fazia e embarcou no fim de julho. O destino era a cidadezinha de Chiclayo, no Peru, a 770 quilômetros de Lima. Embora banhado pelo Pacífico, o lugar não consta em nenhum guia turístico. “É uma cidade meio feia, sem grandes atrações, mas nunca vou me esquecer de lá. Vi que, com pouco, podia fazer a diferença na vida das pessoas”, conta. Durante seis semanas, ela integrou um programa de voluntariado em uma escola da região mais pobre do município, onde passava sete horas por dia. Camila, que se hospedou em uma casa de família, locomovia-se diariamente em uma van por quarenta minutos, almoçava no colégio e tinha a missão de colaborar com as professoras no combate ao bullying e na melhora da autoestima dos alunos. Nos fins de semana, os únicos dias de folga, conheceu algumas das principais atrações do Peru, como o Parque Nacional de Huascarán e Machu Picchu. “Voltei renovada. A gente se dá conta de como os nossos problemas são pequenos e como faz bem ajudar.”
Aula de inglês e rotina em hospital
A ideia original era fazer um intercâmbio de inglês nos Estados Unidos ou na Inglaterra. Ao descobrir que existem programas que conciliam a imersão no idioma com trabalho voluntário, Maryana Queirolo Thorstensen, de 16 anos, não sossegou até convencer sua família a mandá-la para uma dessas atividades. “O máximo que eu tinha feito na área social era ter participado de campanhas de arrecadação de agasalhos e brinquedos na escola”, conta. Em agosto passado, ela se hospedou durante 21 dias em uma casa de família na Cidade do Cabo, na África do Sul. Na parte da manhã, frequentava uma escola de inglês para estrangeiros e, à tarde, seguia para o Red Cross War Memorial Children’s Hospital, uma das principais unidades de saúde do país. Ali são atendidas crianças com queimadura, câncer, aids e doenças crônicas. “No início, fiquei meio chocada, mas foi muito gratificante. Acho que todo mundo deveria fazer algo assim”, ressalta ela, que sonha em ser médica. A exemplo de vários grupos que atuam em hospitais no Rio, a função dos estrangeiros como Maryana era ler e brincar com a meninada internada. Mesmo com a rotina intensa, a estudante fez vários passeios com o grupo de voluntários. Visitou a Table Mountain, o ponto turístico mais famoso da cidade, conheceu um santuário de elefantes e pulou de bungee jump.
Nos escombros da guerra
Em dezembro de 2015 e parte de janeiro passado, a última coisa que o médico Raphael de Lucena Oliveira, de 35 anos, fez foi descansar. Mesmo de férias do Hospital da Lagoa, onde dá plantão, e do consultório, trabalhou de segunda a sábado, dez horas por dia. Isso sem contar as madrugadas em que foi acordado para operar. Em vez de viajar para a Europa ou os Estados Unidos, como já havia feito, passou cinco semanas em um país onde a calamidade é visível em cada esquina e o serviço de saúde pública praticamente inexiste. Voluntário do Médicos sem Fronteiras, ele atuou em um hospital de trauma em Porto Príncipe, capital do Haiti. “É chocante andar pelas ruas em um lugar onde falta tudo. Mas me sinto recompensado por ter sido útil em casos que certamente teriam um desfecho trágico”, diz ele, que passou o Natal e o réveillon longe da mulher e do filho, de 4 anos. “Voltei exausto, mas foram as férias que mais me acrescentaram como ser humano”, afirma. Só para ter uma ideia da carência no Haiti, enquanto na Zona Sul do Rio trabalham mais de sessenta cirurgiões vasculares, no período em que esteve lá o médico era o único da especialidade em atuação. Oliveira agora planeja embarcar em outra missão, desta vez em um país árabe.
Quem leva:
› Aiesec ☎ 99001-9522 https://www.aiesec.org.br
› CI ☎ 3429-4606 https://www.ci.com.br
› Cultura Inglesa ☎ 4002-0909 www.culturainglesa.net/intercambio.htm
› Médicos sem Fronteiras ☎ 3527-3636 https://www.msf.org.br
› STB ☎ 3526-7700 https://www.stb.com.br