Sucesso em São Paulo, adaptação teatral de Torto Arado estreia no Rio
"A história do povo negro não foi contada como deveria. Por isso, precisamos reconstituir memórias ancestrais", afirma Larissa Luz, uma das protagonistas

Trata-se de um fenômeno raro no mercado editorial brasileiro. Desde 2019, mais de 850 000 exemplares foram vendidos — um feito incomum para uma obra de ficção em língua portuguesa —, e o romance já foi traduzido para 31 idiomas. Torto Arado, de Itamar Vieira Junior, transcendeu as páginas do livro: sua adaptação para o teatro musical passou por Salvador e São Paulo com sessões esgotadas.
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Visto por mais de 25 000 pessoas, o espetáculo estreia no sábado (17), no Teatro Riachuelo, na Cinelândia, onde permanece em cartaz até 15 de junho.
No palco, ganha vida a história das irmãs Bibiana e Belonísia, que vivem em condições análogas à escravidão na Chapada Diamantina, no sertão baiano. Trata-se de uma narrativa pungente sobre desigualdade racial e de gênero, permeada por fé, silêncio e resistência — ingredientes que renderam ao autor não apenas o reconhecimento do público, mas também prêmios literários de prestígio, como o Jabuti e o Oceanos.
“A narrativa encontra o Brasil num momento de resgate de uma história por muito tempo soterrada. O passado não resolvido ainda define o presente”, reflete o autor, que escreveu a obra enquanto trabalhava no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

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Torto Arado — O Musical reúne uma equipe criativa que vem se destacando na construção de narrativas negras contemporâneas. A direção é assinada pelo baiano Elísio Lopes Jr., que também responde pela dramaturgia, ao lado de Aldri Anunciação e Fábio Espírito Santo. “Tive dúvidas se um livro tão denso daria um musical. Precisei desconstruir aquela ideia de algo grandioso, ao estilo Broadway, e me lembrar de obras brasileiras emblemáticas, como Roda Viva, de Chico Buarque”, confidencia Lopes Jr., que destaca a importância de diretores e dramaturgos brancos entenderem que abrir mão do privilégio de liderar espetáculos negros é um passo essencial para ampliar a diversidade nas artes.
A trilha sonora — parte fundamental da encenação — traz composições originais e inéditas do também baiano Jarbas Bittencourt. O trio de protagonistas é formado pela baiana Larissa Luz (Bibiana) e pelas cariocas Bárbara Sut (Belonísia) e Lilian Valeska (Donana, a avó das duas). “A história do povo negro não foi contada como deveria. Por isso, precisamos reconstituir memórias ancestrais”, afirma Larissa Luz.
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Ao elenco somam-se ainda treze atores e seis músicos, em cena vibrante e coletiva. No embalo da popularidade, Torto Arado também ganhará vida no streaming: uma série da Max, com direção do cineasta Heitor Dhalia. O time de roteiristas — composta integralmente por profissionais negros — reúne nomes como Luh Maza, Maria Shu e Viviane Ferreira.
Antes disso, o romance já havia sido adaptado para os palcos por Christiane Jatahy, sob o título Depois do Silêncio, uma versão que dialoga com o clássico documentário Cabra Marcado para Morrer, de Eduardo Coutinho. A peça circulou por dezoito países.
Para além dos projetos licenciados, o livro inspira ainda uma constelação de manifestações artísticas — de pinturas a coreografias, passando por tatuagens e composições musicais.

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Para Itamar Vieira Junior, o Brasil só começou a reconhecer há pouco mais de uma década a exclusão histórica de autores e artistas negros — com raríssimas exceções. Segundo ele, o país vive hoje uma espécie de primavera cultural, na qual os rostos do povo finalmente ocupam os espaços de representação.
“Se hoje temos protagonistas negros nas novelas, é porque existiram políticas públicas de combate à desigualdade e mobilização social”, afirma. O Brasil, enfim, mostra a sua cara.
Das páginas aos palcos
A literatura e o teatro musical têm um frutífero casamento

Wicked. O musical é inspirado no universo de L. Frank Baum (1856-1919), autor de O Mágico de Oz, e chegou aos palcos em 2003.
Cats. O livro de poemas sobre gatos de T. S. Eliot serviu de inspiração para Andrew Lloyd Webber escrever o espetáculo, que ficou 18 anos na Broadway.
O Fantasma da Ópera. Em cartaz desde 1988, o clássico levou o livro do francês Gaston Leroux (1868-1927) à ribalta e acumula 1,1 bilhão de dólares em caixa.