Rolling Stones voltam ao Rio com show apoteótico no Maracanã
Uma década após a histórica apresentação em Copacabana, os veteranos roqueiros prometem fazer a alegria de várias gerações de fãs novamente no sábado (20), na turnê <em>Olé</em>
“Prefiro estar morto a continuar cantando Satisfaction aos 45 anos.” Mick Jagger deu essa célebre declaração à revista americana People, em junho de 1975. Tinha 31 anos. Hoje, aos 72, ainda entoa o hino composto em 1965, enquanto saracoteia com vitalidade invejável ao lado dos companheiros de banda. Sorte a nossa. Satisfaction já foi ouvida ao vivo no Rio três vezes: em 1995, em 1998 e na histórica noite de 18 de fevereiro de 2006, quando os Rolling Stones tocaram para 1,2 milhão de pessoas na Praia de Copacabana — diante do maior público para um show de rock de que se tem notícia. Curiosamente, cada uma das turnês que trouxeram o grupo inglês ao Brasil foi anunciada como “a última”. É o que acontece mais uma vez nas chamadas para o espetáculo de sábado (20), no Maracanã. Esses retornos triunfais após um suposto adeus definitivo podem ter, modéstia à parte, explicação simples: os caras nutrem um antigo caso de amor, correspondido, pelo Rio. Ao longo de cinco décadas, Jagger, Keith Richards, Charlie Watts e Ron Wood estiveram por aqui mais de uma dezena de vezes, juntos e separados, a trabalho ou a passeio. Divertiram-se um bocado, fizeram amigos e guardam muitas histórias para contar. Os fãs também.
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Dez anos depois da antológica apresentação em Copacabana, os Stones estão de volta com a turnê latino-americana Olé, nome inspirado pelo fato de que os shows foram todos agendados para ocorrer em estádios de futebol. Após escalas por Chile, Argentina e Uruguai, chega a vez do gramado do Maracanã. Com notório domínio de palco, muita simpatia — Jagger costuma arriscar-se pelo idioma nativo em conversas e gracinhas com a plateia — e o vigor habitual, o quarteto entrega mais de duas horas de música, um desfile de clássicos como Start Me Up, Jumpin’ Jack Flash, Paint It Black e Brown Sugar. Nas capitais chilena e argentina, houve votação nas redes sociais oficiais da banda para a inclusão de uma raridade no repertório. A plateia em Santiago ouviu She’s a Rainbow, que não era tocada ao vivo havia dezoito anos. Fique de olho: a brincadeira se repete aqui no Rio.
Com palco de 20 metros de altura, o equivalente a um prédio de sete andares, e 60 de comprimento, telões de LED de 208 metros quadrados, além da indefectível plataforma móvel que avança sobre a multidão, a grandiosa estrutura do show leva cinco dias para ser montada (veja os números no quadro abaixo). “Enquanto eles estão se apresentando, já começa a desmontagem. Os objetos dos camarins são guardados para ser despachados até a próxima cidade”, conta o escocês Maurice Hughes, diretor de produção da Time for Fun, empresa brasileira responsável pelo braço sul-americano da turnê. Radicado no Brasil desde 1972, quando acompanhou Caetano Veloso e Gilberto Gil na volta do exílio em Londres, Hughes trabalhou em todas as edições dos festivais Rock in Rio, Hollywood Rock e Free Jazz, nos shows de Paul McCartney e Madonna e nas três visitas anteriores dos Stones. Ele elogia a simplicidade do grupo. “Eles são exigentes, mas veteranos, sabem o que querem, não trazem problemas como os mais jovens”, afirma.
Ingrid Berger também acha fácil lidar com Jagger, Richards & cia. Ela comanda uma equipe de 100 pessoas no backstage do espetáculo e é responsável pelos camarins dos músicos, a mesma função desempenhada nas últimas três passagens dos Stones pelo país. Na clássica lista de exigências, a água vulcânica Finé é trazida pelos próprios artistas. À produção cabe providenciar frutas, sucos, comidas leves e bebidas alcoólicas, estas em quantidade que diminui a cada visita. “Acho que eles estão mais preocupados em levar uma vida saudável. Dá para perceber isso comparando os pedidos de agora com os do último show, na Praia de Copacabana”, diz. O menu nos bastidores inclui receitas vegetarianas, além de preparos comuns, de peixe e carne. Na decoração dos camarins, o espaço de Jagger costuma ter tons claros, o oposto das cores escolhidas por Ron Wood. “O backstage deles é sempre alegre, com muitos convidados, festeiro, mas, momentos antes do show, eles se concentram sozinhos nos camarins”, diz a produtora, que depois dá uma pista sobre o que pode orientar os passos dos roqueiros pelo Rio. “Mick Jagger adora comida brasileira. Nas outras vezes, comeu feijoada, churrasco e moqueca de siri-mole”, entrega.
É aí que mora o perigo. Quando saem atrás de comida e diversão, não necessariamente nessa ordem, os Stones engordam o folclore em torno de suas visitas ao país. E, como passeiam por aqui desde 1968, as histórias são tantas (veja o quadro abaixo) que já renderam um livro: Os Rolling Stones no Brasil — Do Descobrimento à Conquista (1968-1999), publicado pela editora Ampersand. O autor, Nélio Rodrigues, é um apaixonado estudioso do rock, em geral, e da banda inglesa, em particular. Ele tinha 15 anos quando papeou com Mick Jagger no Copacabana Palace, em janeiro de 1968, na primeira visita do músico à cidade, feita ao lado da então namorada, Marianne Faithfull. “Fui acordado pelo meu pai dizendo que tinha um Stone na cidade, um tal de Mike Jogger, e corri para o hotel”, lembra. Em dezembro daquele ano, o casal voltaria ao Rio, acompanhado por Keith Richards e a mulher, Anita Pallenberg. Rodrigues conseguiu o autógrafo dos quatro. À vontade, voltou ao hotel, dias mais tarde, com três amigos. “Fomos entrando direto, em direção ao quarto. Chegamos ao andar já ouvindo a música que vinha de uma porta, quando a Marianne Faithfull saiu correndo pelo corredor com os seios desnudos, e o Keith atrás dela. Achamos aquilo o máximo. Ela deixou a porta aberta e fomos entrando. O Mick estava de roupão, tocando, e nos expulsou, batendo a porta com força”, conta.
Na viagem seguinte, em 1975, Jagger retornou ao Rio com a esposa, Bianca, e sua primeira filha, Jade. Hospedado na casa da atriz Florinda Bolkan, onde passou o réveillon, ele aceitou o convite do radialista Big Boy para participar de seu programa de rock e pediu para gravar uma canção com músicos brasileiros. O baixista Dadi Carvalho participou da sessão. Em um sábado à tarde, registraram a inédita Scarlet. “Ele chegou na maior simplicidade, com sua guitarra Fender, e ficamos fazendo uma jam”, conta. Dadi voltou a esbarrar com os colegas ilustres algumas vezes. Em 1995, depois do show na Praça da Apoteose, atravessou a madrugada tocando e conversando com Ron Wood. Três anos depois, foi um dos convidados da festa em Santa Teresa, na mansão de Olavo Monteiro de Carvalho, em que brilharam Jagger e a então jovem modelo Luciana Gimenez, a caminho de ser mãe de Lucas, o caçula do astro. “Lembro deles bem à vontade. Meu filho esbarrou com os dois saindo de um canto escondido no jardim”, lembra o músico.
À espera de novas histórias, fãs de perfis variados aguardam ansiosos a apresentação no Maracanã. Álamo Leal, 64 anos, bluesman carioca assumidamente influenciado pelos Stones, já assistiu a mais de 25 shows do grupo, desde a primeira vez, em Londres, em 1973. “Tem gente que se sente velha aos 60, mas é só ver os caras ao vivo para notar a energia que ainda sai daquele encontro”, diz. Português radicado no Rio, Pedro de Freitas Branco, 49 anos, engrossa o fã-clube. Tem uma robusta coleção de 1 020 vinis da banda, além de revistas, livros e fotos que ocupam um quarto do seu apartamento, em Botafogo. Músico e escritor, integrante de uma banda cover dos Stones, ele assistiu à formação original pela primeira vez em 1982, em Madri. Foi levado pelo pai. “Naquela época, já se falava que eles estavam ficando velhos e aquela poderia ser a última excursão”, conta, achando graça. Através de contatos variados, acabou sendo apresentado a Charlie Watts, Ron Wood e Keith Richards, em Londres, em 2001. “Foram todos muito simpáticos. Quando comentei que só faltava conhecer o Mick Jagger, o Keith, já meio alto de champanhe, disse que eu não ia gostar dele, que ele era um superstar”, lembra.
No sábado (20), Pedro Branco vai levar o filho, Luis, para ver o show. Trata-se de um programa em família, que os dois farão pela terceira vez, e é mais comum do que parece, considerando-se a longeva carreira da banda. O psicólogo Glauco Guedes, 57 anos, prestigiou todas as escalas brasileiras da turnê de 1995 — no Rio, foi acompanhado pelo filho, Miatã, e pelos pais. Em 1998, foi à Apoteose com o garoto, e, em 2006, os dois bateram ponto mais uma vez. No Maracanã, levará a filha mais nova, Isabella, pela primeira vez. A mãe, Maria, 82 anos, vai ficar em casa. “Mas ela ainda se anima com os acordes de Jumpin’ Jack Flash”, entrega o filho, orgulhoso. Escalado para abrir as apresentações em São Paulo, com os Titãs, repetindo a dobradinha de 2006 (no Rio, a abertura será do grupo Ultraje a Rigor), o guitarrista Tony Bellotto terá a família inteira na plateia, como da última vez: os filhos Antonio, 19 anos, João, 21, e Nina, 34, além da mulher, a atriz Malu Mader. “Estamos planejando vir ao Rio também. As pessoas sempre falam que é a última turnê, mas eu não acredito, eles são imortais! Tem até aquela piada sobre que tipo de mundo deixaremos para o Keith Richards”, brinca Bellotto. De fato, os guitarristas Ronnie Wood e Keith Richards andaram sugerindo em entrevistas que podem voltar ao estúdio neste ano para gravar o 23‚ disco. O último álbum de inéditas, A Bigger Band, foi lançado em 2005. Vai que, depois desta quarta “última turnê”, os Stones decidem voltar ao Rio? Coisa do amor, com Satisfaction garantida. ■