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O magnata do futebol

Ele enriqueceu com uma rede de escolas de inglês sem falar o idioma, não vê televisão, mora a cada dois anos em um país e foi o primeiro brasileiro a comprar um time de futebol no exterior. A surpreendente trajetória do carioca Flávio Augusto da Silva

Por Sofia Cerqueira
Atualizado em 2 jun 2017, 13h02 - Publicado em 20 ago 2014, 16h48

O encontro aconteceu em um almoço realizado em um escritório na região da Avenida Faria Lima, em São Paulo. De um lado da mesa, acomodou-se o anfitrião Jorge Paulo Lemann, 74 anos, o homem mais rico do Brasil, dono de uma fortuna estimada em 42 bilhões de reais ? um mito entre lideranças empresariais e executivos do país. Do outro, sentou-se Flávio Augusto da Silva, 42, dono de um patrimônio de aproximadamente 1 bilhão de reais, fundador de uma rede de escolas de inglês e empreendedor serial cujo maior desafio atualmente é fazer vingar um time de futebol comprado por ele nos Estados Unidos. Ambos cariocas, os comensais se serviram de salada, legumes e carne, pratos simples. Eles não poderiam ser mais diferentes entre si. Lemann é praticamente um aristocrata de Ipanema, campeão de tênis na mocidade, formado em Harvard. Já Flávio nasceu no Jabour, bairro espremido entre Bangu e Santíssimo, nos confins da Zona Oeste, e estudou até o ensino médio. Os interesses dos dois, entretanto, convergem em um ponto comum: a arte de ganhar dinheiro, muito dinheiro. Marcado a pedido de Lemann, um dos donos da maior cervejaria do mundo, a AB INbev, e da rede de fast-food Burger King, o almoço durou uma hora e meia e girou em torno de trivialidades da pauta empresarial, deixando as portas abertas para novos encontros. “Sempre existe a possibilidade de um negócio no futuro, né?”, arrisca Flávio, sem disfarçar o orgulho.

Com uma trajetória improvável, o carioca do Jabour é uma dessas personalidades indômitas, dotadas de um senso aguçado para oportunidades. A origem de sua fortuna deve-se a uma ideia simples: aulas de inglês para adultos que precisavam aprender o idioma rapidamente para progredir no trabalho. Quando decidiu que seria esse o seu negócio, em 1995, não falava sequer uma palavra na língua de Shakespeare. A escola, batizada de Wise Up, virou uma potência de 400 unidades com 160?000 alunos e, no ano passado, foi comprada por 877 milhões de reais pela Abril Educação (parte do mesmo grupo que edita VEJA RIO). Desde então, Flávio se dedica a um novo ramo de atividade: o de magnata do futebol internacional. Assim que vendeu a Wise Up, em 2013, comprou o Orlando City Soccer, nos Estados Unidos, e se tornou o primeiro brasileiro a ser dono de um time no exterior. Investiu 110 milhões de dólares na empreitada e agora trata de deixar a equipe mais parruda para a estreia na primeira divisão americana, a Major League Soccer (MSL), no início de 2015. Há um mês, contratou o meia Kaká, que estava no Milan, por cerca de 375?000 dólares mensais e o emprestou ao São Paulo Futebol Clube até dezembro. Tentou levar Robinho, do mesmo clube italiano, mas o jogador acabou fechando com o Santos. Agora negocia a compra de mais dois brasileiros, um joga no exterior e o outro é uma promessa de um time do Rio. “O Flávio é um visionário. Tem capacidade de enxergar um potencial na frente dos outros e buscar meios para tornar realidade aquilo em que acredita”, elogia seu funcionário Kaká.

Fotos MarkThor e arquivo pessoal
Fotos MarkThor e arquivo pessoal ()

Um dos mantras dos chamados self-made men reza que, para fazer sucesso, é necessário estar no lugar certo, na hora certa ? e, é óbvio, perceber isso. No caso do empresário, a prova que faltava para aqueles que ainda duvidavam de sua aposta futebolística veio nas imagens transmitidas dos Estados Unidos durante os jogos da Copa do Mundo. A euforia dos torcedores, entretanto, só surpreendeu quem ainda não conhecia a realidade por lá. “Quem me chamava de louco hoje me dá tapinha nas costas”, diz. As estatísticas indicam que 24 milhões de americanos praticam o futebol e pelo menos outros 70 milhões acompanham regularmente os jogos da liga nacional. Os times despertam a cobiça de figurões do mundo empresarial e do mercado financeiro (conheça alguns deles no quadro da pág. 36). Jogos entre grandes equipes internacionais atraem multidões, como a recente disputa entre o espanhol Real Madrid e o inglês Manchester United, que levou 109?000 torcedores ao Michigan Stadium, em Ann Arbor, no último dia 2. A reboque de tamanha euforia, o valor do time de Flávio acaba de bater os 350 milhões de dólares, mais que o triplo do que ele pagou no ano passado. Entusiasmado, ele planeja surfar no interesse dos quase 800?000 brasileiros que visitam a cidade todos os anos, atraindo-os para os jogos. “O Orlando City já é um sucesso, e acreditamos que causará impacto diretamente no turismo da cidade”, afirma Buddy Dyer, prefeito de Orlando.

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Quem vê o carioca do Jabour negociando com empresários, craques ou mesmo desenhando seus novos projetos nem desconfia dos apertos que viveu no passado. Filho de um sargento do Exército e de uma professora, ele conseguiu o primeiro emprego, aos 19 anos, no antigo curso de inglês Mnemo System. A função era captar alunos por telefone. No tempo em que callcenter era coisa rara por aqui, Flávio fez de um orelhão no Aeroporto Santos Dumont seu escritório. Em poucos meses, ele se revelou um exímio vendedor e desistiu de fazer faculdade. Apaixonado, casou-se aos 20 anos com Luciana Diniz, de 17, sua primeira namorada e esposa até hoje. Ao se unirem, os dois ganharam como melhor presente uma televisão usada. A lua de mel, financiada por amigos, foi num hotel em Xerém, na Baixada Fluminense. Ao abrir a Wise Up, Flávio raspou o limite de seu cheque especial para juntar os 20?000 reais necessários à empreitada. Apostou em um sistema de franquia agressivo e em muito telemarketing para a captação de alunos. Em um ano fez seu primeiro milhão e mudou-se para a orla da Barra da Tijuca. Sua tacada seguinte foi contratar astros como o ator Rodrigo Santoro para uma campanha de publicidade matadora. “Ele é um caso de empreendedor nato: afeito a riscos, autoconfiante e com poder de motivação imbatível”, analisa Renato Cotta de Mello, professor de empreendedorismo internacional da UFRJ.

Timothy Hiatt/Getty Images
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Paralelamente às atividades futebolísticas que mantém atualmente, Flávio toca outros projetos fora das quatro linhas. Comprou recentemente 50% do portal Administradores.com, o maior da área de negócios do país. Também avançou sobre a empresa 2SV, especializada em alocar talentos esportivos como bolsistas em universidades americanas. Em julho, lançou o meuSucesso.com, uma plataforma digital que prepara jovens para abrir negócios. Com entrevistas e aulas on-line, ele funciona em sistema de assinatura. Para um homem que apresenta tanta desenvoltura nos negócios, Flávio é comedido na vida pessoal. Embora tenha propriedades no Rio, decidiu sair do país por questão de segurança. Sua base atual é uma casa de 1?200 metros quadrados em Estoril, Portugal. Ali vive com a mulher e os três filhos ? Breno, 14 anos, que joga no time de base do Benfica, em Lisboa, Bernardo, 12, e Benjamin, 4. Uma vez por mês vem ao Brasil, viajando sempre na primeira classe de voos de carreira. Os deslocamentos incluem ainda passagens por Orlando, onde tem casa. Desde que ficou rico, sua maior extravagância é mudar de país como quem muda de bairro. Já morou na Austrália, na Inglaterra e na Espanha. Em todos esses lugares comprou a casa, mobiliou-a e depois foi embora sem levar nada. “Não sou apegado a coisas. Tenho até uns quadros caros, mas nem sei quem os pintou”, admite. Flamenguista e ex-peladeiro, abandonou a prática de exercícios ? os quilos extras são perceptíveis em seu 1,87 metro de altura. Em sua rotina, recusa-se a ver televisão e nunca leu uma obra de ficção. Por mais contraditório que pareça, lançará dois volumes pela editora Sextante, um sobre empreendedorismo e o outro biográfico. Na internet, seus projetos bombam em popularidade. É o caso do Geração de Valor, o braço social das empresas, que exibia até o início da semana passada 2?224?708 curtidas no Facebook. Só para comparar, a página da Fundação Lemann, ONG criada pelo multibilionário Jorge Paulo Lemann para contribuir na melhora do ensino e formar uma rede de líderes, tem em torno de 59?000. Deve ser por isso que o maior bilionário do Brasil estava tão interessado em conhecê-lo.

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